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Medianeras: romance intimista homenageia Buenos Aires e resgata mito da alma gêmea

Em certo momento do filme argentino Medianeras (2011), os personagens Martín e Mariana assistem, cada um em sua casa, a Manhattan (1979), uma das obras máximas de Woody Allen. Os dois reagem de formas diferentes, mas intensas, à cena final: enrolada em um cobertor, a garota se esvai em lágrimas enquanto o rapaz mantém os olhos fixos na tela. A representação do filme de Woody Allen não surge por acaso. Medianeras, escrito e dirigido por Gustavo Taretto, é o equivalente a uma versão portenha de Manhattan. Buenos Aires não é só o palco em que se desenrola a trama – a capital argentina é, antes disso, um personagem vivo e pulsante, uma espécie de terceiro protagonista.

Filme de estreia de Gustavo Taretto foi bem recebido pela crítica, apesar de passar em branco nos cinemas.

Filme de estreia de Gustavo Taretto foi bem recebido pela crítica, apesar de passar em branco nos cinemas. (Foto: Divulgação)

Medianeras é uma comédia romântica intimista que acabou passando batida pelos cinemas brasileiros, com exibição restrita às salas ditas “de arte”, como o Espaço Itaú. Uma pena. O filme de estreia de Taretto — nascido, como seria de se imaginar, em Buenos Aires — é uma pequena joia que certamente tem potencial para agradar a muitos, especialmente aqueles espectadores que gostam de produções mais “açucaradas”, mas que também não querem ser subestimados. A obra levou, inclusive, o prêmio de Melhor Filme na mostra Latina do Festival de Gramado, em 2011 — merecimento que veio tanto do júri quanto da audiência do festival.

No Brasil e no exterior, Medianeras ganhou um subtítulo bem desnecessário e pouco inspirado, mas que, ao menos, serve como peça de propaganda sobre a história: “Buenos Aires da Era do Amor Virtual”. O roteiro de Taretto foca a rotina solitária de dois jovens, Martín e Mariana, interpretados por Javier Drólas e Pilar López de Ayala, que vivem a poucos metros de distância em dois prédios na Avenida Santa Fe, uma das ruas mais populares e movimentadas da capital. Os dois acabaram de sair de relacionamentos duradouros, são solitários crônicos e vivem isolados em pequenos apartamentos. Volta e meia quase se esbarram na rua, mas ignoram a existência um do outro.

A solidão em tempos de Facebook: internet não consegue romper barreira de isolamento nas grandes cidades.

A solidão em tempos de Facebook: internet não consegue romper barreira de isolamento nas grandes cidades. (Foto: Divulgação)

Martín é webdesigner, Mariana, arquiteta, embora se sustente decorando vitrines de lojas. Como estamos falando de relacionamentos e romance, fica óbvio desde o início que Martín e Mariana estão destinados a ficarem juntos — e de fato, sem medo de dar spoiler, o filme presenteia o espectador com um típico final feliz do gênero. A diferença aqui é que o diretor opta por um desenrolar muito mais pessoal até esse desfecho, com um mergulho na cabeça dos dois protagonistas, de forma literal — em vários momentos há uma espirituosa narração em off, na voz de Martín ou Mariana. Os principais obstáculos para o relacionamento dos dois não são ex-namorados(as), posições sociais diferentes, traições ou expectativas exacerbadas. Eles simplesmente não se conhecem. E esse status não será modificado ao longo de praticamente todo o filme.

E, voltando à alusão com Manhattan, os anseios e frustrações dos protagonistas são moldados e influenciados pela convivência com o espaço urbano de Buenos Aires e seu crescimento desordenado, um dos pontos focais da trama. O futuro casal é vítima de um isolamento crescente que envolve boa parte dos jovens que vivem em grandes metrópoles, seja na capital da Argentina, em São Paulo ou no Rio de Janeiro. As muitas cenas que simplesmente mostram detalhes e recortes de prédios e pedestres de Buenos Aires fornecem um retrato intimista da cidade, quase em tom documental. Há ainda homenagens a pontos particulares da capital, como o Edifício Kavanagh, em frente à Plaza San Martín, e ao Planetario Galileo Galilei, na Avenida Sarmiento.

Almas gêmeas: protagonistas de Medianeras estão destinados a ficarem juntos. Mas o que nos interessa é o que acontece antes disso.

Almas gêmeas: protagonistas de Medianeras estão destinados a ficarem juntos. Mas o que nos interessa é o que acontece antes disso. (Foto: Divulgação)

Nem tudo, porém, é sutileza em Medianeras. A procura de Mariana por um rumo para a sua vida — e, no caminho, por um amor que cure sua depressão – é ilustrada em vários momentos pela fixação da jovem pelo popular livro “Onde Está Wally?”. Em certa cena, Mariana busca a ilustração que remete à procura por Wally na cidade, e fica frustrada por não conseguir achar, de maneira alguma o personagem. “Se eu não consigo achar alguém que eu conheço no meio de tanta gente, imagine alguém de quem eu nunca ouvi falar ou vi a cara”, diz ela para si mesma (mais ou menos, é como eu me lembro a fala). A analogia com Onde Está Wally inclusive vai ser essencial em outro momento do filme, um tanto quanto surreal. A brincadeira com o livro é divertida, mas, convenhamos, é um artifício voltado para explicar e explorar algo que já estava sendo contado na trama, de forma menos explícita.

De toda maneira, o resultado é muito acima da média. Medianeras pode ser piegas em alguns momentos — principalmente no desfecho –, mas tem aquela capacidade única de encantar o espectador ao longo da projeção, sem que seja preciso apelar para o dramalhão ou declarações apaixonadas. Aqui, a união entre os dois protagonistas é o que menos importa — estamos mesmo interessados é em acompanhar o dia a dia de altos e baixos de cada um e enxergar, em várias ocasiões, nós mesmos ali na tela. E, claro, o filme tem Buenos Aires no elenco, o que por si só já rende boas cenas.

Medianeras já foi lançado em DVD e, com um pouco de sorte, pode ser encontrado em lojas especializadas e livrarias (nos sites, é difícil achar o produto como disponível). Se você é assinante do Netflix, basta procurar que o filme está por lá.

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