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O olhar de Lélio #3 – Orson Welles, o cinema genial

O blog está publicando, desde domingo, textos do crítico curitibano Lélio Sotto Maior Jr., que foi retratado na última reportagem da série Perfil da Gazeta do Povo.

A série de posts, intitulada O olhar de Lélio, busca resgatar a presença e a paixão deste curitibano pelo cinema, que cativou uma geração de cinéfilos principalmente nas décadas de 1960 e 70 – incluindo aí o grande Paulo Leminski, de quem era amigo próximo – e até hoje é lembrado como um dos maiores incentivadores da sétima arte por essas bandas . O único problema é que a produção de Lélio é dispersa e não catalogada, o que nos impede de cravar exatamente quando e em que veículo os artigos foram publicados. Mesmo assim, os textos são atemporais e merecem ser degustados com calma.

As belíssimas fotos que acompanham os posts são do colega Marcelo Andrade, da Gazeta do Povo.

O texto de hoje, inclusive, vem bem a calhar: Lélio fala sobre o grande Orson Welles, cujo centenário de nascimento se completa justamente nesta quarta-feira (6).

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Orson Welles, o cinema genial

Orson Welles cometeu a heresia das heresias ou o atrevimento dos atrevimentos, a proposta tão insolente quanto insustentável de um “cinema de arte” americano, feito dentro da indústria e ao mesmo tempo contra ela.

Se bem que na década de 30, cineastas como Sternberg e Stroheim já tivessem feito filmes que iam em frontal desacordo ou conflito com a indústria de cinema americana, nenhum cineasta havia formulado uma revolução tão grande quanto a que propôs o seu Cidadão Kane.

Kane pertence ao cinema americano como um divisor de águas, a ponto de se poder falar de “antes de Kane” e “depois de Kane”, dois momentos historicamente distintos e inconfundíveis do cinema americano.

A prova disso é que o próprio cineasta não conseguiu superar seu record inicial, apesar de ter realizado filmes tão sugestivos e complexos quanto Soberba, A Dama de Xangai e A Marca da Maldade.

Só mesmo no início dos anos 60, ao realizar uma alucinante e alucinatória versão da obra de Franz Kafka, O Processo, Welles conseguiu se recuperar do estigma ou da força quase sinistra de seu Kane inicial.

Porque, na verdade, mais do que uma obra-prima, Cidadão Kane representou quase uma maldição na carreira do cineasta americano, que nunca mais conseguiu estabelecer o mesmo nível de realização artística proposto no seu filme de estreia. Com O Processo, Welles, que é um inventor de primeira, deu o salto qualitativo (quantitativo?) necessário que lhe permitiu, no final dos anos 70, realizar outro marco definitivo da vanguarda fílmica, Verdades e Mentiras, talvez a maior autocrítica já realizada por um cineasta do seu próprio cinema e formulação última do processo engendrado por Fellini em 8 e 1/2, Godard em Duas ou Três Coisas ou por Truffaut em A Noite Americana.  Ou seja, a maior prova de que o cinema já está começando a atingir a sua idade da razão ou maioridade, a ponto de se dar ao luxo de fazer a sua própria confissão existencial ou ontológica, coisa que seria praticamente impensável (imperdoável) há 30 ou 40 anos atrás.

Mas, ao contrário de Fellini, Godard e Truffaut, a “autoconfissão” (irônica e bombástica, comme il faut, em se tratando do Meu Nome é Orson Welles do cinema), antes de dar um ponto final na megalomania conhecida do cineasta terrible, ainda trouxe maior margem de manifestação do seu narcisismo, egocentrismo, genialidade e excentricidade.

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