Há uma “categoria” de filmes que me chamam muito a atenção e são vistos com uma curiosidade redobrada. São o que eu chamo de “filmes de estreia“, aquelas produções que inauguraram, seja na televisão ou direto no cinema, a carreira de cineastas consagrados. Já fiz até um Top 5 sobre isso um tempo atrás, chamado “Debutando em grande estilo“, e escrevi por aqui a respeito das primeiras empreitadas cinematográficas de Steven Spielberg e Christopher Nolan: respectivamente, os ótimos Encurralado e Following.
Gosto de observar estes filmes porque, em geral, como se tratam de diretores até então desconhecidos da indústria ou com pouca margem de manobra junto aos estúdios, o resultado costuma ser bem autoral, sem a presença de um elenco grandioso ou um orçamento multimilionário. Ou seja, os diretores precisam mostrar a que vieram, chamar a atenção do público e da crítica e garantir que a repercussão seja suficiente para que emplaquem novos filmes. Não é fácil, sem dúvida.
Recentemente, tive contato com o material de estreia do cineasta novaiorquino Darren Aronofski, responsável por Noé, uma das estreias mais esperadas deste ano, que contará a conhecida história bíblica tendo Russel Crowe na pele do personagem título. Basta ver o trailer para ter noção da grandiosidade do longa, que teria custado mais de US$ 125 milhões à Paramount Pictures. Noé é a primeira grande produção de Aronofski e, justamente por isso, está a anos-luz de distância do enigmático filme com que estreou sua carreira, Pi.
O título do longa, como você deve imaginar, é uma referência ao símbolo que representa a razão, na matemática, entre o perímetro de um círculo e seu diâmetro (OK, confesso que tive que recorrer ao Google para fazer esse breve apontamento). A trama do filme, escrita pelo próprio Aronofski, gira em torno de um jovem matemático que acredita que tudo no mundo segue um padrão numérico — seja o mercado de ações, o clima e as próprias pessoas.
Acredite, esta é uma maneira muito leviana minha de contar a história, até porque Pi apresenta uma miríade de conceitos, sensações e temas que circulam ao redor do protagonista, um sujeito paranoico e esquizofrênico que luta para não sucumbir à loucura total. É como se David Lynch resolvesse adaptar Kafka. Tanto em termos visuais quanto de trama, o filme é obscuro e claustrofóbico — percepção reforçada pela fotografia em preto e branco de alto contraste. Aqui, já uma série de trucagens gráficas feitas com a câmera ou na mesa de edição que seriam levadas a um novo nível no filme seguinte de Aronofski, Réquiem para Um Sonho (Requim for a Dream, 2000). O exemplo mais claro são os closes e cortes que surgem quando o protagonista toma suas pílulas.
Pi mostra, na prática, o que a atmosfera pode fazer por um filme. Se a produção não fosse rodada da maneira que foi, com a câmera nervosa, a fotografia granulada, o preto e branco explodindo na tela, não teria, certamente, metade do impacto. É um universo particular que acompanhamos e, desde o primeiro momento, percebemos que não podemos esperar um sentido único ao que nos é apresentado. Ao fim, Pi deixará para o espectador mais perguntas do que respostas e, com o subir dos créditos, muitos exclamarão em voz alta um indistinguível “mas que por#$% foi essa??!!”.
Em entrevista ao jornalista Kevin Conroy Scott, no livro Lições de Roteiristas, Aronofski falou um pouco sobre o processo de criação do roteiro de Pi. “Há ideias em Pi sobre as quais provavelmente já estávamos pensando na faculdade ou logo após a faculdade. Quando escrevo um roteiro original, sempre me descrevo como um tecelão; esse é o ofício mais próximo que posso imaginar. Pego muitos fios diferentes de muitos lugares diferentes e tento trançá-los; então a Cabala, a conspiração, a paranoia, a ficção científica e os elementos tipo Além da Imaginação, todos vieram de diferentes lugares. Até mesmo a ideia de um elemento espiritual do Pi veio do meu professor do colegial que dava um curso de matemática espiritual”, diz o diretor.
Quando lançado, o filme estourou na cena independente norte-americana, em 1998 – a única cena em que, certamente, o filme encontraria seu público. Pi rendeu a Aronofski o prestigiado prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cinema de Sundance e também um Spirit Award de Melhor Roteiro. Nada mal pra quem, até então, só tinha quatro curtas-metragens obscuros na bagagem. Depois disso, o diretor emplacou mais quatro filmes que mantiveram o espírito inovador e dark de seu filme de estreia — entre eles, o sucesso Cisne Negro (Black Swan, 2000), indicado aos Oscar de Melhor Filme e Melhor Direção e vencedor da estatueta de Melhor Atriz, para Natalie Portman (merecidíssimo, aliás).
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