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Sessão HQ: John Constantine, cigarros, crucifixos e tintura para cabelo

Lembro que, uns sete anos atrás, estava de bobeira com uns amigos em um shopping de Blumenau quando decidimos ir no cinema. Escolhemos um filme qualquer, que parecia nos interessar, e entramos já com a sessão rolando. Duas horas depois, saí da projeção bastante animado. O filme que tinha acabado de assistir era bastante cool: uma espécie de detetive sobrenatural chutava traseiros de demônios e conseguia se “teletransportar” direto pro andar de baixo, pra bater na porte de Lúcifer em pessoa. Tudo isso embalado por competentes e instigantes efeitos especiais.

O filme em questão era Constantine (2005), baseado nos quadrinhos da Vertigo, da DC Comics. O personagem título é interpretado por Keanu Reeves, que até vai bem no papel do “mago” mais sacana das HQs. O elenco tem outros nomes conhecidos: Rachel Weisz, Shia LaBeouf, Djimon Hounsou, Tilda Swinton e Peter Stormare.

Divulgação.
Keanu Reeves é John Constantine: qualquer semelhança com o hacker Thomas Anderson, de Matrix, é mera coincidência…

Na época que assisti ao filme, conhecia vagamente o John Constantine das HQs. Logo, acabei indo atrás e me tornei fã assumido deste inglês de Liverpool, fumante inveterado e velho conhecedor das artes ocultas. Para quem não sabe, a Vertigo é o selo adulto da DC Comics, por onde foram publicadas as histórias de Sandman, Monstro do Pântano e outros “heróis” obscuros da editora. Foi nas histórias do Monstro do Pântano, inclusive, que Constantine apareceu pela primeira vez, criado pelo gênio Alan Moore, como um mero coadjuvante com a cara do cantor Sting. Logo, o inglês caiu no gosto dos leitores e ganhou sua revista própria, Hellblazer, com histórias barra pesada escritas por Jamie Dellano. Outros escritores consagrados dos quadrinhos já passaram pela revista, como Garth Ennis, Brian Azarello, Warren Ellis e Paul Jenkins – cada um oferecendo sua visão pessoal para Constantine, mas sendo fiel às características que tornaram o ocultista tão adorado.

Nas HQs, o inglês leva a outro nível o título de anti-héroi. John Constantine não pensa duas vezes antes de usar amigos e inimigos para seus próprios fins, sempre apelando para o politicamente incorreto. Muitas das suas histórias começam com o personagem se curando de uma ressaca memorável, em um quarto imundo rodeado por bitucas de cigarro e garrafas vazias de uísque. Ele pode ser considerado uma espécie de mago, mas, ao contrário de outros heróis dos quadrinhos, vence suas maiores batalhas por meio de sua esperteza e incrível habilidade em sacanear os outros – e não lançando feitiços ou usando água benta.

Assim, ocorreu comigo um processo diferente do usual, quando falamos da reação dos fãs a adaptações de histórias em quadrinhos. Normalmente, os leitores xiitas vão ao cinema e saem xingando as várias mudanças feitos pelos executivos de Hollywood, principalmente aquelas levadas a cabo para tornar o personagem mais palatável para o grande público. Eu só fui reagir desta maneira muito depois. Primeiro, adorei o filme. Depois, ao conhecer o “verdadeiro” Constantine, torci o nariz.

Divulgação.
Constantine armado com uma espingarda porreta: aí não dá.

Claro, como já comentei aqui no blog outras vezes, essas são as típicas reações daqueles cinéfilos mais “chatos”, que não perdoam uma palavra fora da linha. Ora, adaptações são isso mesmo: histórias adaptadas para o cinema, uma outra mídia, muito diferente dos quadrinhos. Não dá pra esperar um Sin City – A Cidade do Pecado (Sin City, 2005), toda vez que uma HQ surgir na telona.

De qualquer maneira, o que me chateou mais no filme de Constantine foi a longa deturpação que o personagem sofreu para virar uma espécie de detetive sobrenatural, com direito a parceiro mirim. Primeiro, o visual. Ao invés do tradicional capote amarelado e dos cabelos loiros, temos um Keanu Reeves moreno, de paletó e com uma série de pequenos badulaques anti-demônios, que dariam inveja ao cinto de utilidades do Batman. Não me levem a mal, mas, para quem já leu alguma HQ de Hellblazer, nada é mais irreal do que ver o mago inglês transformado em americano usando uma “escopeta santa” ou um soco-inglês para destruir espíritos do mal.

Outros personagens dos quadrinhos também sofreram maus bocados na mão dos roteiristas, principalmente um dos principais – senão o único – verdadeiro amigo de Constantine, o taxista Chas. No filme, ele vira um garoto implicante que vive enchendo Constantine para ser iniciado nas artes ocultas. Papa Midnight, um dos vilões mais marcantes das HQs, também é “suavizado” para dar uma mão a Keanu Reeves no decorrer do filme.

A adaptação, faça-se justiça, também tem seus bons momentos, se deixarmos de lado as comparações. O roteiro é baseado, em parte, no arco de histórias “Hábitos Perigosos”, escrito por Garth Ennis e um dos mais memoráveis de Constantine nos quadrinhos. Nesta fase, o mago descobre que os maços de Silk Cut fumados todos os dias desde a adolescência acabaram lhe deixando uma herança nada agradável: um câncer de pulmão que, inevitavelmente, irá lhe matar.

Reprodução.
Constantine nas páginas de Hábitos Perigosos, arco que foi levemente utilizado como base para o filme.

Há outras menções aos quadrinhos que deixaram os fãs mais conformados, como a cadeira elétrica utilizada por Constantine (presente nas primeiras edições da HQ) e o dedo médio mostrado para o demônio, no fim do filme – cena que também se tornou emblemática na revista, embora em outro contexto. Outra sequência esperta e sempre lembrada por quem assiste ao filme é a “viagem” de Constantine ao inferno, utilizando para isso um gato e uma bacia com água.

A questão é que, se você nunca leu uma HQ de Hellblazer, provavelmente irá gostar do filme. Se já leu ou é fã, poderá pelo menos assistir para garimpar as referências aos quadrinhos. Ou, assim como ocorreu comigo, aproveitar para buscar as revistas em sebos e conhecer mais a fundo as desventuras do sacana inglês. Sou suspeito pra falar, mas, garanto que você não vai se arrepender.

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