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Como a religião pauta a eleição

Na última semana de setembro de 2010, todas as pesquisas indicavam que Dilma Rousseff (PT) liquidaria a eleição presidencial no primeiro turno. Só bem depois foi possível detectar o que realmente fulminou os prognósticos. Havia um motivo óbvio, o escândalo que derrubou Erenice Guerra (ex-assessora da então candidata na Casa Civil), e outro mais sutil e devastador: uma intensa campanha negativa promovida na internet por lideranças religiosas contra os petistas.

O alvo principal era o posicionamento do partido em relação ao aborto. Na época, um vídeo do pastor Paschoal Piragine, da 1ª Igreja Batista de Curitiba, pedindo aos fiéis para não votar em candidatos do PT chegou a 3 milhões de visualizações no Youtube em cinco semanas. Representantes católicos, como bispo de Guarulhos (SP), Luiz Gonzaga Bergonzini, seguiram a mesma linha de ataques.

Dilma sentiu o baque, mas derrotou José Serra (PSDB) no segundo turno. Passada a disputa, o peso dos temas ético-religiosos continuou crescendo. Em 2012, a religião ajuda a pautar boa parte das eleições municipais.

Maior zebra até agora, Celso Russomanno (PRB) é a zebra na disputa pela prefeitura de São Paulo contra dois nomes de peso, o tucano Serra e o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT). Russomanno tem a campanha chefiada por pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, que controla o PRB. O lastro religioso, somado à fama como apresentador de televisão, mantém sua candidatura em viés de alta.

Em Curitiba, a surpresa é Ratinho Júnior. Como o nome aponta, o Partido Social Cristão de Ratinho é uma legenda ancorada em valores religiosos. Segundo a última pesquisa Datafolha* na cidade, 43% dos entrevistados que se declararam evangélicos pentecostais disseram que vão votar nele, 26% em Luciano Ducci (PSB) e 13% em Gustavo Fruet (PDT).

No ano passado, o PSC lançou polêmica ao se apresentar como o partido da “família”. De qual “família”? Daquela que nasce da equação homem + mulher + amor. O que exclui, por exemplo, famílias de pessoas do mesmo sexo que adotam filhos.
De acordo com a propaganda do PSC, como protagonista da sociedade, é direito dessa família “educar seus filhos com suas ideias e tradições”. O partido também faz um alerta. “Estão querendo censurar e impor à família valores que não fazem parte de sua essência.”

Nas últimas semanas, Ratinho deixou de lado a parte pesada desse discurso e chegou a dizer que tem “amigos gays” que coordenam sua campanha. Russomanno também maneirou o tom evangélico, com receio de afastar-se do eleitorado católico. Tudo parece um jogo de morde e assopra.

Ambos os casos mostram que não há conclusão simples sobre o impacto da religião na política. Lá em 2010, no calor do segundo turno entre Dilma e Serra, perguntei ao doutor em Filosofia da Religião pela Universidade de Londres, Agnaldo Cuoco Portugal, se a atuação dos líderes religiosos nas campanhas é legítima. “No processo democrático, há inúmeros grupos organizados que exercem influência. Os religiosos também têm esse direito”, respondeu o estudioso.

Ele está certo. Errados estão os partidos tradicionais, que não conseguem se colocar como interlocutores da sociedade. Ao não terem capacidade de elevar o nível das campanhas com propostas de políticas públicas decentes, é difícil não acabar refém da abordagem puramente religiosa – embora grande parte dos assuntos inseridos nela, como aborto e casamento gay, não faça sentido em uma eleição municipal.

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