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Como dói demitir um parente

Fábio Pozzebom/ABr
Garibaldi: enfim o potiguar rodou a baiana.

Dói fundo em alguns políticos, lá no fundo mesmo, o cumprimento da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitou o nepotismo nos três poderes. Não, essa não é apenas uma história paranaense. O constrangimento de pôr parentes não-concursados na rua fez o Congresso Nacional passar por uma semana trágica, em que a velha prática do jeitinho tentou falar mais alto.
Felizmente, porém, parece ter sido apenas uma tentativa.

A patuscada começou quando o Senado anunciou, na terça-feira, uma resolução que permitia a manutenção de parentes contratados antes de os atuais parlamentares assumirem os mandatos. Uma jogada óbvia para dar um nó no que determinou o STF, que havia restringido as brechas para os agentes políticos (secretários estaduais e ministros). A reação, puxada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, fez o presidente da Casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN), voltar atrás dois dias depois.

Do outro lado do parlamento, o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), equiparou a infelicidade do colega no tratamento do tema ao lavar as mãos. Disse que desconhecia casos de nepotismo entre os 513 deputados. E que as demissões ficavam por conta dos próprios parlamentares e não da presidência da Casa. Horas depois das declarações, também reconsiderou.

O curioso é que ambos os chefes do Poder Legislativo garantiram não ter informações sobre quantos parentes estavam ou ainda estão contratados. A informação vale ouro. Dados sobre contratações realizadas pelos gabinetes parlamentares só estão acessíveis aos jornalistas por meio de boletins internos – uma ajudinha dos departamentos de recursos humanos, nem pensar.

Só para recapitular, a decisão do STF interpretou que o nepotismo fere o princípio da impessoalidade previsto no artigo 37 da Constituição. Ou seja, a proibição sempre esteve na Carta Magna e foi desrespeitada na cara de pau por quase duas décadas. E por que a insistência no jeitinho?

Primeiro, porque não é moleza chegar para alguém muito próximo e dizer que ele está desempregado. Está aí a explicação da impessoalidade. O marido prefeito não teria liberdade suficiente para demitir a esposa funcionária, mesmo que ela fizesse uma burrada daquelas. É como assinar a demissão e o divórcio ao mesmo tempo.

A segunda explicação é mais complexa. Há políticos que acreditam cegamente que suas famílias se confundem com o Estado. Carregam a crença de que o estamento formado por sua prole é o único qualificado para gerenciar e executar a atividade pública. Sim, é algo quase religioso.

Esses mesmos que se vêem como a personificação do aparato estatal acham que podem tudo, inclusive mudar as regras em momentos convenientes. A reviravolta da semana passada, no entanto, mostrou que há limites. Em uma rara oportunidade, o jeitinho parece mesmo ter perdido para a justiça.

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