Publicado na coluna Conexão Brasília, na edição impressa da Gazeta do Povo:
Lula tem vivido dias bíblicos. Abriu o mar que separava o Rio de Janeiro da Olimpíada. Ceou com os apóstolos do PMDB para selar uma aliança para 2010. Até tentou conciliar Jesus Cristo e Judas ao explicar as complexas coalizões da política brasileira.
Para não incorrer no mesmo erro do presidente, é melhor parar por aqui com as metáforas religiosas. É fato, porém, que Lula parece fazer questão de se colocar acima do bem e do mal. E se ele tem um lado santo, também tem outro bem sombrio.
Não dá para ser injusto. Lula só alcançou a popularidade que tem atualmente porque faz um governo consistente. Enfrentou o dilema social da distribuição de renda, alavancou a economia, reposicionou o Brasil no cenário internacional.
Ao mesmo tempo, fez vista grossa à bandalheira política, ao mensalão. Uniu-se aos oligarcas que combateu no passado. Sustentou José Sarney da presidência do Senado, aproximou-se de Fernando Collor. Sem contar as trapalhadas em Honduras.
Entre ganhos e perdas, Lula é como uma divindade nos rincões do Brasil. Tratamento que dá a ele plenas condições de reformar o sistema político, ajeitar o país de vez. Ao invés disso, parece que o único plano é de curto prazo: eleger o sucessor, ou melhor, a sucessora.
Na mesma entrevista à Folha de S. Paulo em que disse que no Brasil “Jesus teria que se aliar a Judas”, Lula deixou claro que acredita no poder da transferência de votos. Aposta difícil, tanto quanto repetir a multiplicação dos pães. Por quê?
Para virar santidade, Lula fortaleceu-se sozinho. Queimou aliados e o próprio partido. O personalismo fez dele uma árvore tão enorme quanto a própria sombra.
Essa escuridão é muito pouco propícia para a formação de novos líderes.
Afinal, eles foram todos lançados aos tubarões no meio do caminho, como José Dirceu e Antonio Palocci. Até que Dilma nasceu a fórceps.
Da mesma maneira surgiu a prematura aliança com o PMDB. Um dia depois, três governadores peemedebistas (entre eles Roberto Requião) espernearam. Não querem aceitar um trato ungido de cima para baixo, que não respeita assimetrias.
No jantar que amarrou a parceria com o PMDB, porém, Lula pediu alianças nas disputas regionais. Foi enfático: nos estados em que houver dois candidatos da base governista, pode não subir em nenhum. Ou seja, vai carregar os acertos no cabresto.
A jogada afeta especialmente o Paraná.
Ao que tudo indica, o presidente quer porque quer formar um palanque forte para Dilma no estado. Como primeira opção, tem (ou tinha) o senador Osmar Dias (PDT). Mas como o PMDB de Requião não aceita a hipótese e ainda aposta na candidatura de Orlando Pessuti, está armada a encrenca.
Em situações como essa é que está o dilema entre o bem e o mal de Lula. Ao preparar terreno na marra para barganhas e conchavos, o presidente sinaliza que vai desperdiçar o último ano de divindade sem se preocupar em alterar a ordem das coisas na política brasileira. Seria um milagre muito maior – e mais importante – se ele fizesse justamente o contrário.
Afinal de contas, criar a metáfora da aliança entre Jesus e Judas nem é uma gafe tão grande sim. O pecado é trabalhar para que ela exista. Ou melhor, continue existindo.
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