No final dos anos 1980, um personagem de televisão virou mania no Brasil. MacGyver, protagonista da série “Profissão Perigo”, era um herói que bolava soluções mirabolantes para se livrar de todo tipo de enrascada. Só ele era capaz de construir uma bomba a partir de um chiclete mascado (e vice-versa).
“Profissão Perigo” passava dia de semana, depois da Sessão da Tarde. Duas décadas depois, um dos programas mais “cults” da mesma faixa de horário é o julgamento do mensalão, transmitido ao vivo pela TV Justiça. E, por incrível que pareça, o Supremo Tribunal Federal (STF) também virou uma indústria de personagens midiáticos.
O MacGyver da vez é o ministro Celso de Mello. Caiu no colo dele a bomba de decidir, amanhã, se haverá ou não um novo julgamento para 12 dos 25 condenados pelo mensalão – entre eles, o ex-ministro José Dirceu. Ao que tudo indica, ele vai preferir explodi-la a desarmá-la.
Se seguir essa tendência, o mais provável é que o julgamento se prolongue indefinidamente. Segundo previsão do ministro Marco Aurélio Mello, seriam pelo menos mais cinco meses dedicados ao caso. A procuradora-geral da República interina, Helenita Acioli, falou em “anos a fio”.
Em qualquer das opções, o caso chegaria a 2014, ano de eleição presidencial, e completaria a terceira temporada seguida no ar. Talvez seja tempo demais em exposição. Como naquelas histórias em que há tantas reviravoltas que qualquer opção de desfecho perde credibilidade.
Deixando de lado juízos de valor sobre qualquer decisão, entretanto, é interessante parar para pensar sobre os efeitos da superexposição do STF. Na semana passada, enquanto o tribunal se encaminhava para o empate em cinco a cinco em relação ao novo julgamento, os ministros Marco Aurélio Mello e Luis Roberto Barroso, travaram uma discussão interessantíssima a respeito das pressões da opinião pública sobre os juízes.
Barroso, no cargo há três meses, disse que interpreta a Constituição independentemente da pressão da sociedade e das “manchetes de jornal”. Marco Aurélio, 23 anos de casa, respondeu que, “como servidor”, devia “contas aos seus contribuintes”. Os dois têm um pouco de razão.
Desde que o Supremo começou a julgar o mensalão, a transmissão ao vivo das sessões têm sido constante motivo de polêmica. Há quem diga que a prática levou os ministros a se preocupar demais com a própria imagem, a exagerar na argumentação dos votos. O resultado seria o alongamento das sessões e a diminuição do volume de decisões.
Além disso, haveria o desgaste institucional das brigas entre ministros. Pura balela. Especialistas em STF dizem que, com ou sem televisão, sempre houve discussões acaloradas.
A propósito, a TV Justiça completou 11 anos no mês passado. Há um documentário interessante sobre a primeira década de funcionamento do canal. Na produção, o ex-ministro Carlos Ayres Britto diz que o mérito das transmissões ao vivo é despertar a “santa curiosidade” da sociedade.
Faz todo sentido: quanto mais possibilidades de se acompanhar às claras as decisões da maior instância judiciária do país, melhor para a democracia. No fim das contas, todo juiz precisa ser um pouco MacGyver. Saber lidar com a pressão, como disse Barroso, e não ter medo de ser transparente, como colocou Marco Aurélio.