O espaço que acumula mais poder no governo petista transformou-se também no ambiente mais propício a escândalos. De José Dirceu a Erenice Guerra, a Casa Civil foi marcada por crises que por pouco não comprometeram a reeleição de Lula, em 2006, e agora ameaçam o favoritismo de Dilma Rousseff. Lobbies, jogadas políticas e muito dinheiro marcam os bastidores do ministério mais influente da Esplanada.
O formato atual da Casa Civil remete a José Dirceu. Presidente do partido nos anos 1990 e ícone da luta armada contra a ditadura, ele equipou a pasta para trabalhar como uma espécie de primeiro-ministro de Lula. “Ele transformou o que era para ser uma casa em um bunker”, diz o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos.
Segundo ele, a Casa Civil quase sempre teve uma função secundária na República. “A articulação tradicionalmente ficava a cargo do Ministério da Justiça.” Entre os poucos ministros influentes da pasta esteve Golbery do Couto e Silva, “bruxo” do regime militar nos anos 1970.
“É uma escolha que vai de presidente para presidente. Tem os que gostam de administrar e os que gostam de viajar”, avalia o deputado paranaense Affonso Camargo (PSDB), ministro dos Transportes de José Sarney em 1985. No governo Fernando Henrique Cardoso, a articulação política dividiu-se entre os ministros Sérgio Motta (Comunicações) e José Serra (Saúde), enquanto a Casa Civil contou com dois representantes discretos, Clóvis de Barros Carvalho e Pedro Parente.
A partir de 2003, com José Dirceu, toda a coordenação – administrativa e política – do governo concentrou-se na pasta. Tanto que a gota d’água para que o deputado federal e candidato a governador do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, trocasse o PT pelo PV foi a espera de uma hora para conseguir uma audiência com Dirceu. As crises, no entanto, acentuaram-se em 2004.
Na época, gravações divulgadas pela imprensa mostraram que Waldomiro Diniz, então assessor da Casa Civil e braço direito de Dirceu, havia cobrado propina do bicheiro Carlinhos Cachoeira, em 2002, para financiar as campanhas de petistas como Benedita da Silva (RJ) e Geraldo Magela (DF). O escândalo motivou a instalação da CPI dos Bingos – Diniz foi afastado e, no ano passado, condenado por improbidade administrativa.
As acusações desencadearam outras investigações, que levaram à CPI dos Correios e ao pagamento de “mesada” para parlamentares votarem a favor do governo no Congresso Nacional, o mensalão. O esquema, segundo denúncia formal do ex-procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, era chefiado pessoalmente por Dirceu. Encurralado, o ministro pediu demissão em junho de 2005, voltou ao cargo de deputado, mas acabou cassado pelos colegas em dezembro.
Com menos poder político e mais tarefas administrativas, como a gestão do Programa de Aceleração do Crescimento, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, foi deslocada para a Casa Civil. Levou como braço direito Erenice Guerra, com quem trabalhava desde o governo de transição, em 2002 (leia mais na matéria ao lado). Ambas protagonizaram o primeiro escândalo pós-Dirceu.
Em 1998, Erenice foi acusada de montar um dossiê sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a esposa Ruth e ministros da gestão do PSDB. Os dados reunidos foram organizados paralelamente ao Sistema de Controle de Suprimento de Fundos (Suprim), que regula as despesas da gestão Lula. Pelas características, as informações seriam usadas para intimidar o PSDB durante as investigações da CPI dos Cartões Corporativos, que investigou irregularidades nos gastos do governo petista.
Esvaziada, a CPI não aprofundou o caso. Dois anos depois, Dilma deixou a pasta para candidatar-se a presidente e deixou Erenice em seu lugar. Agora é Erenice quem vira foco de um escândalo ainda maior, que supostamente envolve nepotismo, tráfico de influência e corrupção.
Para Reinhold Stephanes (PMDB), deputado federal e ex-ministro dos governos Ernesto Geisel, Fernando Collor, FHC e Lula, a Casa Civil é mais suscetível a escândalos pelo seu formato atual. “Sem fazer juízo de valor, o fato é que o poder corrompe. E a Casa Civil hoje tem muito poder.”