Uma coisa parece ter ficado clara nas manifestações de Sete de Setembro pelo Brasil afora: protestos iguais aos de junho nunca mais vão se repetir. Acabou a espontaneidade. Talvez até o encanto.
A percepção vem do acompanhamento in loco das duas grandes manifestações realizadas em Brasília em junho e da que ocorreu no último sábado. Na primeira (17/6), 10 mil pessoas participaram da histórica ocupação do teto do Congresso Nacional. Tudo parecia surreal, mas essencialmente autêntico.
Era nítida a presença majoritária de estudantes, entre 15 e 25 anos, que saíram de casa não para representar um grupo, mas para expressar a si mesmos. Qual era o recado? Mostrar indignação e, literalmente, pisar sobre as cabeças dos políticos.
Três dias depois, o público quadruplicou. Subir no Parlamento já não era mais uma barreira a ser quebrada. A esmagadora maioria percebeu que já havia feito a sua parte, que o simples fato de encher as ruas de gente já era uma mensagem por conta própria.
Foi então que um pedacinho da manifestação decidiu depredar o Palácio do Itamaraty. Não era um grupo representativo, mas conseguiu assustar o resto. Era o fim da fase de degustação dos protestos.
Todas as grandes cidades brasileiras passaram pela mesma guinada. Um dia depois da depredação do Itamaraty, houve quebra-quebra no Centro Cívico, em Curitiba. No Rio de Janeiro e em São Paulo, a violência cresceu e o número de manifestantes caiu, dando lugar aos “black blocks”.
Como a opinião pública em tempos de Facebook voa a jato, a revolta se voltou contra a revolta. Ontem, em entrevista à Folha de S. Paulo, o escritor e jornalista norte-americano Chris Hedges, que é apoiador do movimento “Occupy Wall Street”, avaliou que “entregar o movimento ao ‘black block’, ou deixar que eles o sequestrem, afasta as massas e transforma o movimento em marginal, exatamente o que o Estado quer”. Em julho, o sociólogo espanhol Manuel Castells, talvez o maior especialista sobre as marchas de indignados pelo mundo, havia diagnosticado a mesma coisa.
O vandalismo funcionou como uma vacina para o impacto das manifestações contra os políticos. Com o ingrediente violência, ficou fácil polarizar a questão: se você é a favor dos protestos, é a favor do quebra-quebra. O resultado foi o esvaziamento das ruas no último sábado.
E a partir de agora, como é que fica? Não fica, porque não há futuro para os “black blocks”. Ao mesmo tempo, a falência dos protestos não significa que a indignação deixou de existir de uma hora para outra.
O legado das manifestações é a sinalização de que as pessoas cansaram da ineficiência dos serviços públicos e que querem que os seus representantes tomem jeito e resolvam esse problema para ontem. Com ou sem protestos, é uma opinião não vai mudar de uma para outra. Até porque baixar a tarifa de ônibus e contratar médicos estrangeiros estão longe de ser respostas suficientes.
A ficha dos políticos também não caiu – vide o caso do deputado-penitenciário. Com as manifestações em alta, as pessoas pelo menos extravasavam suas decepções. Agora elas guardam para consumo interno, o que funciona como uma espécie de bomba-relógio.
Os protestos de junho ficaram no passado, mas nada impede que eles renasçam mais sofisticados de uma hora para outra. E, em 2014, a mistura entre eleição e Copa do Mundo tem tudo para ser tão imprevisível quanto implacável.
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