Publicado na coluna Conexão Brasília, na edição impressa de hoje da Gazeta do Povo:
Adriane Galisteu deu um presente aos eleitores brasileiros. Ao voar com dinheiro público, escancarou uma das maiores aberrações do Congresso Nacional. Traduziu a farra das passagens à linguagem do povo, que enfim entendeu o tamanho da mordomia proporcionada a deputados federais e senadores graças ao suor dele próprio, o povo.
Não, a apresentadora não é mártir. Mas também não tem culpa no cartório, afinal não tinha como saber de onde o ex-namorado parlamentar tirava os bilhetes de avião que ela recebia de presente. A culpa dela é similar à dos brasileiros: elegem maus representantes, mas não podem ser penalizados para sempre por isso.
Pois o presente de Adriane ainda não foi totalmente desembrulhado. Nesta semana, a farra das passagens será colocada em pratos limpos com a votação do projeto de resolução que sugere uma série de restrições ao uso do benefício na Câmara dos Deputados. Será a hora dos que defendem a mordomia mostrarem a cara.
E a verdadeira prova de fogo para que os eleitores tirem as suas conclusões. A 18 meses das eleições de 2010, nada melhor do que testar os parlamentares. Será que eles vão aceitar pagar as viagens de parentes e amigos com dinheiro do próprio salário?
Difícil de acreditar. A criação de novas regras para as passagens, que limitaram a utilização para o próprio deputado e um assessor, gerou um motim na Câmara. Como quase sempre nesses casos, a multidão de revoltosos tem identidade: o baixo clero.
O surpreendente, contudo, foi ver nomes de certa relevância como Ciro Gomes (PSB-CE) defenderem com unhas e dentes a manutenção dos benefícios. A “causa” fez o marido de Patrícia Pillar perder a compostura.
No embalo de Ciro, o baixo clero volta a agir como um sindicato de deputados (nada contra os sindicatos de trabalhadores, por assim dizer, aqueles que trabalham). Os deputados-sindicalistas formam um grupo unido, sempre firme na luta para manter os direitos adquiridos e na busca de novas conquistas para a categoria. Barram, por exemplo, qualquer reforma política que mude as regras eleitorais que os perpetuam no poder.
Todos sabem identificar quem dá as cartas no Congresso (Temer, Gabeira, Mercadante, Sarney), mas ninguém tem na ponta da língua uma personalidade do baixo clero. Entre amanhã e quarta-feira, contudo, eles não terão escapatória.
Por mais invisíveis que sejam, nada foge ao painel eletrônico. O nome deles ficará lá, como a foto de um carro flagrado por um radar. Ao eleitor, cabe guardar na memória quem votou no quê. Afinal, 2010 está logo ali.