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Povo inconveniente

Divulgação
Praça dos Três Poderes: cadê o povo daqui?

Quando concebeu a Praça dos Três Poderes, o urbanista Lúcio Costa desejava que o espaço fosse como Versalhes, na França. “Não um Versalhes do rei, mas um Versalhes do povo, tratado com muito apuro”, justificou. No meio dos palácios que abrigam os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ficaria a área mais nobre, destinada às manifestações populares.

Há oito dias Barack Obama visitou Brasília e a praça foi fechada. Quem queria ver o norte-americano subir a rampa do Planalto teve de ficar a exatos 240 metros de distância, cercado em um gramado ao lado do edifício do Supremo Tribunal Federal (STF). Trocando em miúdos, o país aceitou fechar seu espaço público mais nobre para satisfazer a segurança de um estrangeiro.

Está bem, a visita de Obama foi um marco e certos efeitos colaterais (ainda por cima no mesmo dia em que os Estados Unidos deram sinal verde para a guerra contra um país árabe) são sempre esperados. Constrangedor mesmo, de verdade, é constatar o isolamento que os poderes nacionais mantêm da praça, ou melhor, do seu próprio povo. É só prestar atenção no que aconteceu dentro do STF e do Congresso Nacional na semana passada.

Na quarta-feira, o Supremo invalidou a aplicação da lei da Ficha Limpa para as eleições de 2010. O texto nasceu de um projeto de iniciativa popular com mais de 1,6 milhão de assinaturas. Por seis votos a cinco, os ministros entenderam que as regras ferem o artigo 16 da Constituição, o qual estipula que mudanças na legislação eleitoral só têm eficácia se forem promulgadas um ano antes do pleito.

Sem entrar em aspectos técnicos, é curioso analisar o tom de alguns posicionamentos. O ministro José Antônio Dias Toffoli questionou o caráter popular da lei, já que ela acabou sendo assinada pelos líderes partidários. Já Gilmar Mendes ressaltou que a “iniciativa popular não tem o condão de violar a Constituição”.

A Ficha Limpa, contudo, é uma lei complementar que responde a uma demanda do próprio texto constitucional ao tratar da vida pregressa do candidato como critério de inelegibilidade. Funcionou mais ou menos assim: nos 21 anos posteriores à promulgação da Constituição os congressistas não se coçaram para formular essa lei. Ela só começou a andar, em 2009, por pressão popular.

Não é o único exemplo recente de como as pessoas do mundo real são encaradas como seres de outro planeta em Brasília. Nas comissões que tratam da reforma política na Câmara e no Senado, o ambiente é de clube privado. Parlamentares pensam em regras eleitorais que tratam do seu próprio interesse e o eleitor que se vire para entender o que eles decidiram na frente da urna eletrônica.

“Por que não quer se ouvir a opinião pública?”, indagou Itamar Franco (PPS-MG) à imprensa ao sair da última reunião entre senadores. Instantes antes, ele e os colegas discutiram nove (!?) formatos diferentes de sistemas para as eleições proporcionais. Os votos se distribuíram entre sete opções, a maioria ainda mais complexa que o modelo atual.

O fato é que ninguém se entende e nesta semana o mesmo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral que formulou a Ficha Limpa começa a coleta de assinaturas para um projeto de reforma política a partir da iniciativa popular. Sim, a sensação de aborrecimento nos palácios é a mesma: “lá vem esse tal povo de novo”.

Lá se vão quase 51 anos da fundação de Brasília e o sonho de Lúcio Costa, aquele de um Versalhes popular, ainda é só um sonho.

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