Esqueça a Lava Jato. O verdadeiro tsunami capaz de inviabilizar o governo Dilma começou na última quarta-feira, quando o equipe econômica anunciou a redução da meta fiscal (poupança feita pelo governo para gerenciar a dívida pública). Pode parecer uma bobagem tecnocrata, mas não é.
A decisão de diminuir a meta de superávit primário de R$ 66,3 bilhões (1,1% do PIB) para R$ 8,7 bilhões (0,15% do PIB) é um golpe na credibilidade do ajuste fiscal proposto por Dilma. O que leva à conclusão de que o país vai demorar mais para voltar a crescer. A previsão inicial era que as coisas melhorassem a partir de 2016, com chance de a petista ter algo para mostrar até 2018.
Agora, há sinais de que a recuperação pode se arrastar indefinidamente. Há tendência de PIB negativo para o ano que vem e até para 2017. Na semana passada, depois do anúncio da redução da meta, a Bovespa caiu para menos de 50 mil pontos e o dólar passou dos R$ 3,30 e chegou a atingir o maior valor desde 2003.
Em resumo, Dilma corre o risco de gastar todo o segundo mandato tentando corrigir problemas do primeiro. Até certo ponto, o brasileiro tem couro grosso, consegue se adaptar à crise. Mas uma crise sem perspectiva de acabar é demais para a paciência de qualquer povo.
Nesse ponto os problemas econômicos se misturam com os políticos. Não parece ter sido à toa que, enquanto o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, suava para se justificar com o mercado (na quinta-feira à noite falou com 1,4 mil investidores estrangeiros e brasileiros em conferência organizada pelo JPMorgan), Lula e Dilma acenavam para a busca de uma saída costurada com Fernando Henrique Cardoso. Rebobinando a fita, o mesmo FHC teria garantido uma trégua para Lula em 2005, quando uma ala tucana defendia o impeachment do então presidente por envolvimento com o mensalão.
Naquela época, contudo, a economia mundial bombava e puxava a brasileira para cima. Havia ainda na memória as terríveis crises do segundo mandato de FHC, que levaram o desemprego às alturas. O mensalão acabou “perdoado”, em detrimento do dinheiro no bolso e de um pouco de estabilidade.
Prevaleceu o que o especialista em comunicação política Gaudêncio Torquato chama de “geografia do voto”. Segundo ele, os critérios de decisão política da nova classe média brasileira percorrem um mapa imaginário. O bolso cheio garante o primeiro instinto de sobrevivência: saciar o estômago. A barriga satisfeita agrada o coração, que transmite a mensagem de segurança ao cérebro.
Essa lógica, apesar das barbeiragens e pibinhos de Dilma, colaborou para o projeto de poder petista até 2014. O acirramento da disputa eleitoral mostrou, no entanto, que a fórmula estava próxima do esgotamento. E realmente esgotou-se com um semestre de novo mandato, com a queda vertiginosa da popularidade da presidente.
Neste momento, há um impasse em Brasília. Se Dilma cair, a economia melhora? Não é uma resposta simples.
O receituário utilizado pelo time de Levy até agora é idêntico ao que seria aplicado pelos tucanos. O vice-presidente Michel Temer (PMDB) também declarou na semana passada que, caso fosse presidente, manteria o ministro. Quem quer que assuma vai ter de continuar aplicando remédios amargos – e colhendo a impopularidade disso.
Digamos que o impeachment ocorra, que Temer renuncie e que Aécio Neves (PSDB) vença as eleições extraordinárias. A economia vai continuar mal, os tucanos terão colocado suas digitais na confusão e poderão ressuscitar Lula para 2018. Será fácil para os petistas falar em golpe e lembrar os anos dourados do lulismo.
Por isso, a conversa entre Dilma, Lula e FHC é sinal de um armistício. Seja para o governo ou para a oposição, é melhor que a economia não degringole a ponto de todo o quadro político virar um caos. Derrubar Dilma por derrubar acaba sendo secundário para esse jogo.
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