Há pouco mais de dez anos, o Brasil recebeu pela primeira vez na história a visita de um presidente do Irã. Mahmoud Ahmadinejad desembarcou trazendo na bagagem uma língua afiada que negava o holocausto, ameaçava tirar Israel do mapa e declarava que apoiar gays é coisa de capitalista.
“Isso mostra a diversidade das relações internacionais do Brasil”, defendeu o então presidente Lula, um dia antes do encontro oficial em Brasília. Desde 2003, o petista já havia se reunido com representantes de pelo menos outras 11 países que reconhecidamente violavam direitos humanos (Burkina Fasso, Angola, Gâmbia, Guiné Equatorial, Cuba, China, Vietnã, Paquistão, Cazaquistão, Jordânia, Líbia e Uzbequistão).
Nessa salada de “diversidade”, Lula mantinha um interesse especial nas negociações de paz no Oriente Médio. Achava que conseguiria com isso desengavetar o antigo sonho de conduzir o Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Elegeu os iranianos, justamente os agentes mais desestabilizadores da região ao longo das últimas três décadas, para encontrar um atalho.
Sete meses após a visita de Ahmadinejad ao Brasil, foi a vez de Lula ir ao Irã. A relação mudou de nível: em Teerã, ele foi recebido pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. Ahmadinejad deixou o cargo faz tempo, mas ainda é Khamenei quem dá a palavra final sobre todas as questões estratégicas do país.
Lula deixou a agenda coberto de elogios dos persas. Já o New York Times classificou a reunião como uma “cotovelada” do petista em Barack Obama, então presidente dos EUA. Faltava pouco mais de um semestre para o final do mandato de Lula. As peripécias internacionais do ex-presidente pouco afetaram a situação do Oriente Médio – e também a continuidade do PT no poder, que emplacou a eleição de Dilma Rousseff.
Os anos se passaram e, bem, todos sabem o que houve politicamente com Lula. Mas o que o Irã realmente queria com o Brasil? O respaldo de um emergente com ambição internacional para validar seu programa nuclear.
Nesse caso, não apenas do Brasil, mas da Turquia, já governada por Recep Erdogan. Na época, Erdogan cultivava a imagem de oráculo democrático dentre os países muçulmanos. Ele, Lula e Ahmadinejad selaram um acordo tripartite baseado no compromisso de que o enriquecimento de urânio seria feito fora do Irã – o que, no papel, reduziria a ideia de que os persas trabalhavam para desenvolver uma bomba atômica.
Dias depois do encontro entre Lula e Khamenei, o Irã concordou em enviar urânio de baixo enriquecimento (3,5%) a Turquia. Receberia de volta combustível para um reator que seria usado para pesquisas médicas.
Após novas negociações, que passaram diretamente pela gestão Obama, o Irã aceitou em 2015 limitar o enriquecimento de urânio a 3,6%. Donald Trump deixou o acordo lateral em 2018 – cumprindo, aliás, uma de suas principais promessas de campanha no campo das relações internacionais.
O Brasil tem hoje, com Jair Bolsonaro, uma relação política tão distante do Irã quanto a geográfica. Bolsonaro disse na última sexta-feira (3) que o Brasil é “a favor de qualquer medida que combata o terrorismo pelo mundo”, referindo-se à morte do general Quassem Soleimani. Nesta segunda (6), afirmou que vai “entregar terroristas que estiverem no Brasil”.
As reviravoltas nas posturas de EUA e Brasil são só mais uma evidência da obviedade que Trump não é Obama, e Bolsonaro não é Lula. Só o Irã continua sendo o mesmo Irã velho de guerra.
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