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Na natureza nada se perde, tudo circula. Entender e aplicar essa lógica é fundamental para reduzirmos o impacto ambiental dos produtos e materiais que criamos. No entanto, nosso sistema econômico vem ignorando a natureza e seus ensinamentos com graves consequências para o meio ambiente – por exemplo, aquecimento global e perda de biodiversidade, e também para a sociedade como um todo.
A trajetória da maioria dos produtos e materiais produzidos é linear, ou seja, ao invés de circularem se transformando em novos recursos para diversos fins, eles são simplesmente descartados enchendo aterros e oceanos de lixo. Mas nem sempre foi assim, a verdadeira explosão da chamada “throw-away culture” (cultura do descarte), começou há 70 anos.
Antes dos anos 1950, produtos eram muito mais duráveis e reutilizáveis, embalagens, por exemplo, eram vistas como um ativo por fabricantes. Existia uma motivação financeira para recolhê-las e reutilizá-las. Pense nas típicas embalagens de leite, garrafas de vidro reutilizadas diversas vezes.
Na década de 1950, porém, a ideia de descartabilidade foi inventada e estimulada. Propagandas desse período promoviam diversos benefícios de produtos e embalagens monouso. Afinal, eles vendiam uma conveniência e acessibilidade inigualáveis que mudaram em vários aspectos e a curto prazo nossas vidas. A partir daí, embalagens deixaram de ser propriedade do fabricante e passaram a ser propriedade do consumidor com graves consequências para o meio ambiente.
A lógica do descarte vale também para outros tipos de produtos, como roupas das marcas de fast fashion, como o novo fenômeno global Shein, com baixíssimos custos, o que implica em baixa qualidade, baixa transparência em relação às condições de trabalho e um estímulo ao consumo excessivo, que nos motiva a comprar mais e, consequentemente, a nos desfazermos com mais frequência das nossas roupas.
Na nossa economia linear produzimos mais roupas do que podemos de fato usar. Segundo a fundação Ellen MacArthur, a indústria da moda está produzindo duas vezes mais roupas do que nos anos 2000, enquanto o número de vezes que as roupas são usadas cai significativamente. Estima-se que muitas roupas são descartadas após serem usadas de 7 a 10 vezes.
E a situação se replica em diversos setores, de produtos eletrônicos a móveis, porque a mentalidade do descarte é que faz girar a engrenagem da nossa economia linear.
Uma mentalidade circular
Nos nossos artigos anteriores falamos sobre as diferenças entre a economia circular e linear e também sobre um dos principais fundamentos da economia circular: eliminar resíduos e poluição desde o princípio, ou seja, na frase de projetação.
Neste artigo, vamos trazer um outro princípio fundamental da economia circular: “manter produtos e materiais em uso." Ou seja, criar produtos e materiais mais duráveis que possam circular o maior tempo possível. Lembra daquele ditado: "o produto mais sustentável que temos é aquele que já existe?"
Quando fazemos essa afirmação, é claro que não queremos dizer que novos produtos/materiais não serão projetados ou produzidos. O que pretendemos e devemos fazer é agregar valor aos produtos e materiais mantendo-os na economia.
Isto poder ser feito reintroduzindo materiais na cadeia industrial ou na cadeia biológica – ou seja, na natureza. Imagine um material que possa voltar para solo e ajudar a regenerá-lo, como nos mostra o diagrama de borboleta (butterfly diagram).
Ele é uma ferramenta fundamental para compreender a aplicação do modelo da economia circular na prática, pois nos mostra que uma das maneiras de manter produtos e materiais em uso é projetá-los para que possam ser reparados, reutilizados e redistribuídos para novos usuários em sua forma original ou com pequenas melhorias de reparo. Além disso, aqui também entra a economia compartilhada, onde ao invés de possuirmos algo, podemos alugar e compartilhar esse algo com várias pessoas.
Enquanto a cultura do descarte permanece viva e dominante, precisamos lembrar que ela foi inventada e promovida ao longo dos anos. Porém, culturas nunca foram e nunca serão estáticas, elas podem e devem se reinventar para atender novas demandas alinhadas com a prosperidade do planeta, das pessoas e dos negócios.