Leio a manchete do UOL (Grupo Folha):
Em nova polêmica, Damares diz que Elsa, de Frozen, é lésbica.
Qual o tempo verbal desta oração? Damares diz – presente do indicativo.
E qual o adjetivo que caracteriza a “polêmica”? Nova.
Então, o que será que o leitor de manchetes – o tipo mais comum entre os leitores, diga-se de passagem – interpreta a partir desta chamada? Provavelmente, infere que Damares, a Ministra, acaba de causar mais uma controvérsia ao comentar o famoso filme da Disney.
A frase que justifica a manchete consta de um vídeo de 40 segundos, anexado à notícia:
“Por que ela [a princesa Elsa] termina sozinha em um castelo de gelo? Porque é lésbica!”
À ínfima minoria de leitores que sobrevivem à manchete e passam pelo filtro do vídeo, o jornalismo do UOL/Folha reserva uma informação crucial: “a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) voltou a frequentar as redes sociais ontem ao ter um vídeo antigo viralizado”. Pois é: o vídeo é anterior à nomeação da Ministra e registra uma palestra de viés religioso realizada por ela, como pastora, há mais de ano.
Outra prova eloquente de que, em se tratando da grande imprensa, podemos esperar um jornalismo pouco objetivo em relação a Damares Alves. Isso na melhor das hipóteses. Na pior, seguiremos com um assassinato de reputação a conta-gotas; uma seleção de falas descontextualizadas da pastora no passado, para atingir a Ministra do presente. Tem método.
Como 3ª Ministra mais popular do governo Bolsonaro e associada ao público evangélico, Damares se tornou um dos alvos prediletos do establishment midiático elitista, impregnado de preconceito religioso – e que se manifesta de forma cada vez menos velada. Há pérolas de intolerância sendo veiculadas a torto e a direito, como esta do jornalista Gilberto Dimenstein (em artigo no site caça-cliques, Catraca Livre): “nunca será fácil argumentar racionalmente com alguém que acredita ter o poder de falar direto com Jesus”.
Sobre o mérito da declaração
A cacofonia histérica da lacrosfera nas redes faz parecer que a Ministra Damares está empenhada numa patrulha sexual, com contornos de paranoia e fixação. Mas, em última análise, a celeuma se deu por ela afirmar que a protagonista de um desenho infantil é lésbica. Com a palavra, Jennifer Lee, diretora de Frozen, sobre a homossexualidade da sua personagem em eventual continuação do filme: “Não posso prometer que vá acontecer de fato ainda, mas posso dizer que existem sim conversas a respeito” – no final das contas, a fala da pastora Damares não é desconectada da realidade.
A ideologia feminista de Frozen
O prof. Jordan Peterson, provavelmente o maior influenciador do conservadorismo contemporâneo, é um psicólogo clínico especializado em arquétipos. A etimologia desta palavra, que vem do grego, carrega dois conceitos: arkhé, de primeiro, original, antigo; e typos, que significa impressão, marca, molde. O arquétipo é, portanto, um modelo que reúne elementos comuns e experiências universais da civilização humana, formando paradigmas sociais. O interesse de Peterson por arquétipos faz dele um grande conhecedor (e admirador) das narrativas da Disney – recomendo ao leitor suas palestras sobre clássicos como Pinocchio e Rei Leão, disponíveis no YouTube.
E o que diz o especialista sobre Frozen? “Foi produzido por razões ideológicas, como uma película ‘anti-bela adormecida’. Não foi uma tentativa genuína de arte, foi um manifesto ideológico. Uma propaganda repreensível.” O professor argumenta, conceituando com precisão a diferença entre arte e propaganda: “Arte é um processo, ao invés de ser um produto final. Arte é a materialização da exploração humana.”
Deliberadamente, a Disney não balanceou os arquétipos (e os gêneros) em Frozen, forçou a narrativa progressista e desprestigiou elementos riquíssimos da mitologia nórdica que inspirou as primeiras versões do roteiro. A mensagem subliminar do filme é: mulheres não precisam de homens. Ocorre que elas precisam, sim! e os homens, das mulheres. A natureza moldou os gêneros com qualidades complementares que garantem a sobrevivência e prosperidade da humanidade há milênios – e isso extrapola e muito questões de âmbito sexual ou de relacionamento. A interdependência entre os gêneros humanos é um dado da realidade; desconstrui-la pode até ser o politicamente correto hoje em dia, mas não é e nunca será o correto.
Para Jordan Peterson, Frozen é fruto de um “marketing calculado”, numa lógica “hiper-politicamente correta”. Uma pena: a arte a serviço da narrativa feminista se tornou propaganda e perdeu parte do encanto. Afinal, uma mulher superpoderosa absolutamente independente é pura fantasia ideológica (um homem, também).
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