Poucas expressões usadas por presidentes e diretores de empresa me incomodam tanto quanto “Nossa empresa é uma grande família!”. Não especificamente porque é um clichê, pois, eles às vezes encerram grandes verdades, mas porque, cada uma com suas idiossincrasias: empresa é empresa e família é família.
As relações que unem as pessoas em cada contexto são bem diferentes, a começar pela perenidade. Ninguém “sai” de uma família afirmando que está “em busca de novos desafios” ou é desligado dela porque “seu perfil não corresponde mais à nova organização que estamos procurando criar”. Quem nasce em determinada família vai morrer nela, enquanto, na empresa, o período em que os empregados permanecem ligados à organização é ditado pelos interesses de ambas as partes e regido por um contrato de trabalho.
Compreendo que o motivador do discurso de que a empresa é uma grande família, normalmente proferido em ocasiões como o momento de boas-vindas ou eventos comemorativos, pode ser o desejo genuíno de expressar os valores familiares idealizados: um forte sentimento de união e pertencimento, confiança mútua, estreitos laços afetivos, harmonia, de modo a trazer conforto às pessoas – tudo isso reafirmando os vínculos sociais comuns e trazendo a perspectiva de um ambiente protegido no qual a identificação, a relação afetiva com a organização e a fidelidade são esperadas. Contudo, sabemos que a família, como qualquer outro grupo social, pode ser o cenário onde grandes crueldades acontecem e, às vezes, se estabelecem diferenças irremediáveis entre seus membros, de modo que tomá-la como símbolo da convivência harmônica, do respeito às individualidades e diversidades pode ser no mínimo arriscado. Afinal, em momentos críticos que exigirem da empresa a tomada de decisões impopulares, esta máxima pode ser colocada em xeque: onde está a proclamada grande família?
Há muitas alternativas para um acolhedor discurso de boas-vindas ou um emocionante agradecimento após uma grande conquista, tirando proveito, por exemplo, do fato de, ao contrário da família, a empresa poder escolher seus membros e procurar fazê-lo buscando os melhores e complementando que, enquanto a relação entre as partes durar, que ela seja permeada por valores como transparência e respeito mútuo, entre outros.
Este discurso parece-me mais honesto, realista e factível, porque encerra a ideia de que as relações profissionais podem ser quebradas quando não interessar mais a qualquer uma das partes, embora se espere que ela seja longa e profícua. Também indica que essa relação está permeada por relativa liberdade, de modo que os que estão na empresa, teoricamente, comungam da maior parte dos valores da organização e permanecem nela porque desejam.
A verdade é que, qualquer que seja o discurso, o esperado é que ele seja honrado pela prática; sem isso, não adianta falar bonito.
A autora atua na área de Recursos Humanos do Marins Bertold Advogados Associados.
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