Muito barulho por nada: a polêmica sobre a cartilha do casamento de Damares não passou de mais uma tentativa de atrelar a imagem da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a bizarrices ou ao extremismo de ideias.
Ao saberem que o ministério comandado por Damares Alves pretende elaborar uma cartilha do casamento para fortalecer os laços que unem os casais, pais e filhos, a família como um todo, os corneteiros do caos correram para as redes sociais para reclamar da "pastora ultra conservadora" e acusá-la de estar querendo impor ideias morais "deturpadas" ou outras bobagens do gênero.
Por que raios falar em fortalecimento do matrimônio para preservação da harmonia familiar seria ruim? É incrível que o mero anúncio disso tenha virado polêmica, sem que as pessoas sequer tivessem informações suficientes para analisar a proposta.
A princípio o que se noticiou é que seria um guia, voltado aos municípios (ou seja, para os prefeitos distribuírem às famílias) e com instruções de como fortalecer "vínculos conjugais e intergeracionais". São vínculos de uma geração para a outra: pais e filhos, avós e netos, tudo muito claro, intergeracional. Por incrível que pareça conseguiram achar defeito aí. Foi o início da enxurrada de críticas.
Em blogs, na própria imprensa e nas redes sociais teve gente questionando o termo “intergeracional”, que deveria ser substituído por “parentes”, para não causar confusão. E aí eu pergunto: como assim confusão? Parente é que seria um termo confuso, porque pode se referir a um irmão, um primo, alguém da mesma geração, então não é o que foi anunciado.
A cartilha do casamento é para fortalecer vínculos entre as gerações, provavelmente para tentar orientar filhos e netos a respeitarem pais e avós, terem mais paciência com os idosos, e até para explicar aos mais velhos que, também eles, precisam ter um olhar de maior compreensão sobre as gerações que vieram depois.
Teve gente questionando que um ministério considerado "ideológico" não poderia trazer nenhuma boa orientação sobre como manter o matrimônio. A própria classificação de “ministério ideológico” para uma pasta encarregada de demandas tão sensíveis como atender mulheres, crianças, idosos, indígenas e o público LGBT vítimas de violência é que é criticável, porque é pejorativa, tenta desmerecer o trabalho feito por quem está lá.
E por que um ministério que cuida também da família, com especialistas acostumados a falar para pessoas que vivem em relacionamento estável, não teria capacidade de orientar casais com filhos e netos?
O que é a cartilha do casamento
Como o assunto ganhou projeção em forma de difamação, a equipe da Secretaria Nacional de Família trouxe mais esclarecimentos, informando que a intenção da cartilha é ajudar a resolver problemas sociais que podem ser evitados com o protagonismo da família, desde o preconceito até a violência. E chegou a citar que, em muitos casos, até o uso de drogas ou álcool poderia ser evitado se houvesse menos desequilíbrio afetivo nas famílias.
Nem é preciso ser psicólogo, terapeuta ou médico para chegar a essa conclusão. Não tem nada de ideológico aí. Tem lógica, isso sim! Tanto que, felizmente, a imensa maioria dos comentários às postagens da ministra nas redes sociais são de apoio, alguns até trazendo sugestões.
"Manda brasa, ministra! Queremos famílias fortes, estruturadas, casamentos blindados, cônjuges que sejam reciprocamente fiéis, crianças bem educadas em casa, o fortalecimento das figuras paterna e materna, o aprimoramento do senso de 'responsabilidade dos responsáveis', enfim", escreveu um seguidor no twitter.
No meio das mensagens de apoio, as críticas continuaram. Para debochar da ideia de fortalecer vínculos conjugais e intergeracionais colocaram entre aspas o verbo “fortalecer”, como se fosse impossível, através de orientações, ajudar a fortalecer relacionamentos.
Se fosse assim ninguém precisaria buscar psicólogo para tentar resolver problemas da relação com os pais, filhos, marido ou mulher. E também não haveria necessidade de terapias de casal. Psicólogos e terapeutas são especialistas em orientar pessoas para que elas consigam sim fortalecer vínculos afetivos. Sem aspas, apenas com honestidade, amorosidade, respeito e retidão de caráter.
Quem queria achar defeito na cartilha do casamento questionou também o fato de servidores públicos estarem debruçados sobre esse tema em plena pandemia, quando haveria assuntos mais urgentes a tratar. Se tivessem se dado ao trabalho de checar tudo o que já foi feito pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos desde o início da pandemia não teriam passado tamanho ridículo.
Orientações sobre a pandemia via cartilhas
Além de inúmeras ações emergenciais, desde o desenvolvimento de um aplicativo para facilitar denúncias de violência doméstica até a distribuição de cestas básicas para índios, para evitar que eles saiam das aldeias em busca de comida e corram o risco de contrair coronavírus, o ministério também se concentrou em passar orientações à distância para quem estava em casa, lidando com uma série de problemas.
É aí que entram as cartilhas informativas, direcionadas a públicos específicos. Tem cartilha com orientações de como sacar o auxílio emergencial; cartilha para ajudar pais de crianças com deficiência no acompanhamento escolar durante a quarentena; para alertar mulheres sobre como lidar com questões de saúde no período da pandemia; orientações específicas para mulheres grávidas; uma outra sobre prevenção aos acidentes domésticos e guia rápido de primeiros socorros; cartilha ensinando os pais sobre como falar de coronavírus com as crianças; até guia de brincadeiras para a quarentena.
São muitas cartilhas. Destaco ainda uma com orientações para quem lida com pessoas com deficiência e com doenças raras; outra ensinando jovens a lidar com a pandemia e o material informativo voltado ao público LGBT, com orientações de prevenção de contágio; além de uma cartilha de direitos humanos de brasileiros no exterior.
Está tudo lá no site do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos para quem quiser ver. Uma cartilha específica me chamou a atenção, porque foi publicada em parceria com a ONU. Trazia medidas de prevenção à violência contra crianças e adolescentes indígenas venezuelanos acolhidos no Brasil durante a pandemia, falava de direitos de imigrantes e refugiados, tinha dicas de prevenção à Covid-19, informações sobre acesso a políticas públicas e mensagens de proteção a crianças, adolescentes e a pessoas LGBT.
Recentemente saiu mais uma com instruções para auxiliar as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, assunto que demanda especial atenção durante a pandemia. Esse material específico trouxe informações sobre fatores de risco, fatores de proteção, o ciclo da violência, os impactos da violência doméstica e familiar na saúde das mulheres e crianças, mitos, leis e informações sobre como pedir ajuda e sobre a rede de atendimento à mulher.
Ou seja, faz parte do trabalho desse e de outros ministérios, produzir cartilhas informativas. Sempre foi assim, outros governos também faziam. Tem inclusive aquela cartilha polêmica elaborada pelo Ministério da Educação, sob comando do então ministro Fernando Haddad, que foi apelidada de "kit gay", que teve a distribuição suspensa, depois de pronta, tamanha a repercussão negativa.
Naquela época a sociedade se mobilizou contra a distribuição do material anti-homofobia nas escolas públicas, temendo que crianças fossem estimuladas precocemente a falar de sexo e relações homossexuais. O que ocorre agora com a cartilha do casamento não é mobilização contra algo que devesse gerar polêmica pelo tema ou público alvo.
Criticar por criticar a ideia de fornecer informações sobre como lidar com problemas do casamento a pessoas casadas, é cair no vazio da rebeldia sem causa. E esse assunto, especificamente, é tão importante para o bom funcionamento da sociedade que está no Código Civil Brasileiro e até na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A própria ministra Damares foi ao Twitter lembrar o que diz o Código Civil.
Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado”.
E se você se interessa pelo assunto eu antecipo que na segunda-feira, às 19h, vou trazer a Secretária Nacional de Família, Ângela Gandra, para uma conversa ao vivo aqui homepage da Gazeta do Povo, com transmissão simultânea para as redes sociais. A entrevista ficará salva nos perfis da Gazeta nas redes sociais e também será publicada aqui.
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