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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Abuso de autoridade

Abuso de autoridade na CPI e o áudio que não prova nada, mas gerou prisão de depoente

Abuso de autoridade escancarado foi a marca da semana na CPI da Covid no Senado. E pensar que quando foi aprovada a lei de abuso de autoridade, deputados e senadores estavam pensando em intimidar o Ministério Público e o Judiciário! Agora que eles estão no papel de investigadores e juízes caem fácil na tentação de abusar do poder e avançar até sobre a liberdade das pessoas.

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Estamos tão anestesiados pelos discursos vazios de defesa da democracia e de preocupação com ameaças vindas de um governo que supostamente persegue pessoas e ataca instituições que, às vezes, esquecemos de olhar para os outros poderes.

Esta semana vimos que o Estado Democrático de Direito corre, sim, sérios riscos, mas não é do Executivo que surgem as ameaças. Depois de ver o “xerife” Omar Aziz dando voz de prisão para um ex-funcionário do Ministério da Saúde por achar que ele mentiu durante o depoimento, é de se perguntar onde está, afinal, o fascismo que ocupa a mente dos opositores do presidente Bolsonaro desde 2018.

O governo, segundo dizem os inconformados com o resultado das urnas, não só é fascista, mas também, apoiado por fascistas, por gente homofóbica, que julga pela cor da pele, orientação sexual ou classe social. Só que, de repente, esses que gritavam loucamente contra as ameaças imaginárias de tirania, escondidos atrás de uma fantasia de bons moços, deixam cair a máscara e revelam sua verdadeira face.

São eles os tiranos. São eles que desrespeitam a Constituição para agir como bem entenderem. São eles que têm seguidores aplaudindo inquéritos ilegais, censura e prisões arbitrárias. E apoiando uma CPI sem credibilidade, que só alimenta a sanha por holofotes daqueles senadores investigados por corrupção, que incorporaram o xerife.

Inverteram os papéis e agora querem prender quem se atravessar no caminho ou ousar derrubar a narrativa já pronta.

Politização do Judiciário e judicialização da política

O que vem acontecendo no STF e no Senado, na alta cúpula do Judiciário e do Legislativo, é estarrecedor. Bandidos condenados sendo soltos, processos recheados de provas e de confissões de crimes sendo anulados, o maior corrupto do país autorizado a concorrer de novo a um cargo público (e não é qualquer cargo, é o maior de todos, o de presidente da República).

Enquanto isso, juízes e promotores que passaram anos investigando crimes, levantando provas, ouvindo delatores, recuperando dinheiro público e pedindo para a polícia prender os criminosos, agora sofrem difamação e são ameaçados de ir parar no banco dos réus.

No Senado, a CPI circense segue aos trancos e barrancos há semanas, chamando para depor pessoas escolhidas a dedo. O intuito é endossar narrativas contra o governo, de modo a se fabricar um suposto crime de corrupção e atribuir ao presidente ou a um ex-ministro da Saúde a responsabilidade pelas mortes por Covid.

Daí a se apontar o dedo, levantar a voz, bater na mesa, ameaçar de prisão ou efetivamente mandar prender alguém convocado a falar apenas na condição de testemunha é um pulo. E é o que os senadores xerifes estão fazendo. De pulo em pulo os acrobatas de circo vão transformando o picadeiro em cenário de bangue-bangue.

Abuso de autoridade na CPI

Depois das sessões em que os senadores ouviram aquela médica cantora, sem experiência no atendimento a doentes de Covid, falando como se fosse a maior das especialistas ou pesquisadores desconhecidos e de currículo pífio sendo tratados como grandes autoridades sanitárias enquanto aqueles, com larga experiência, prêmios e reconhecimento até fora do país eram desrespeitados e ignorados tivemos uma semana com mais surpresas negativas na CPI.

E eis que o espetáculo circense chegou ao ápice com a prisão daquele homem franzino terrível e perigosíssimo que… mentiu! Pelo menos foi isso que disse o senador Omar Aziz, homem ilibado, probo, de altíssima credibilidade a quem falta espelho, mas sobram impulsos autoritários.

Relembrando: a confusão começou dias antes com o deputado federal Luís Miranda e um suposto revendedor de vacinas, o tal do Dominguetti, os dois suspeitos de estelionato (por motivos diferentes), sendo quase reverenciados, tratados como heróis pelos senadores. Não por todos, é verdade, mas por aquele grupo barulhento, os sete que se acham os donos da CPI, da verdade e do Brasil.

O irmão do deputado, funcionário do Ministério da Saúde (que tambpém se chama Luís Miranda - na verdade, Luís Ricardo Miranda), teria visto pressão atípica para que o governo comprasse um grande lote de vacinas indianas Covaxin.

Nem ele, seu irmão homônimo ou o vendedor fajuto de vacinas Dominguetti, em seus depoimentos, trouxeram algo de consistente, além de acusações de pedido de propina e suposto superfaturamento na compra nunca efetivada.

Até que chegou o dia do depoimento do ex-servidor do Ministério da Saúde, Roberto Dias, acusado de tentar lucrar com a compra das vacinas indianas. Por não falar o que os senadores queriam ouvir, foi acusado de mentir e acabou preso.

Narrativas e relatos

Conforme o relatado por Roberto Dias, seu crime foi ter ido beber chopp com um amigo e encontrado um conhecido que estava acompanhado desse suposto vendedor de vacinas.

Papo vai, papo vem, surgiu a proposta de vender vacinas para o governo, ao que ele, então funcionário do Ministério da Saúde, respondeu com uma sugestão de marcar encontro oficial, no local de trabalho, constando da agenda. E assim foi feito.

Dias negou ter oferecido propina e sequer endossou a narrativa de que foi ele quem marcou encontro com o homem que teria vacinas para vender. Aos gritos de “temos áudio” os senadores Randolfe Rodrigues e Omar Aziz, deram a sentença: “o senhor está mentindo, isso é perjúrio, pode ser preso por mentir à CPI”.

O ponto culminante do teatro foi a ordem de prisão do depoente dada pelo presidente da CPI, Omar Aziz. Roberto Dias ficou cinco horas preso e foi liberado depois de pagar fiança.

O áudio que não prova nada

A conclusão de que o ex-servidor do Ministério da Saúde mentia veio de áudio que seria comprometedor. Só que a gravação não era da voz do servidor se desmentindo, sendo pego com a boca na botija. O tal áudio estava no telefone apreendido daquele fulano, o suposto vendedor de vacinas ouvido dias antes, o Domingueti.

Nessa gravação, o homem (que não é representante do laboratório produtor da Covaxin, já foi desmentido) dizia para uma terceira pessoa que tinha conseguido marcar um encontro com o funcionário do Ministério da Saúde. Só isso. Nada mais. Conseguiu marcar um encontro. Isso é prova de crime?

Os dois, Dias e Dominguetti, efetivamente se encontraram em um restaurante de Brasília e, depois, no próprio Ministério da Saúde, em agenda oficial. A questão é que o governo já confirmou que a negociação não caminhou, não houve a compra da vacina Covaxin.

Mas como o tal do Domingueti disse que o Dias estava aberto a negociar e até pediu propina (um dólar por dose de vacina). Estranhemente, em vez de uma acareação, optou-se pela prisão. Ficou valendo a palavra do acusador, só porque havia um áudio dele “comprovando” tudo.

Perceberam a cortina de fumaça? Peço desculpas por entrar em tantos detalhes, mas muita gente não está acompanhando a CPI, só ouve falar e fica com a ideia de que há sim corrupção comprovada na compra de vacinas. Por enquanto, nada foi provado.

CPI desmoraliza o Senado

O colunista da Gazeta do Povo Rodrigo Constantino resumiu muito bem essa história num breve tweet. “Tem um vizinho aqui que eu não vou muito com a cara. Gravei uma mensagem de outro vizinho, um notório picareta, afirmando que esse vizinho chato é picareta (também). Fui com o áudio na casa dele e perguntei: você é picareta? O vizinho negou. Dei voz de prisão!”

O comentarista de política Kim Paim (que faz parte do time de analistas do novo programa da Gazeta, Hora do Strike) fez um comentário também cirúrgico no Twitter, lembrando o que o presidente da CPI tinha falado antes, sobre o próprio Dominguetti.

“Omar acusou Dominguetti de ser testemunha plantada. Omar mandou prender Roberto Dias, porque o cara deu uma versão diferente da testemunha plantada. Inacreditável."

Kim Paim, comentarista do programa Hora do Strike, no Twitter.

Nas redes sociais, aliás, muita gente se manifestou indignada com esse absurdo. O deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) desabafou.

“Omar Aziz diz que não admite que a CPI vire chacota. Esse circo todo é uma chacota. Só no Brasil que um investigado por desviar 260 milhões da saúde dá voz de prisão para alguém. #CPIdoCirco” 

Deputado federal Carlos Jordy, no Twitter

O investigado por desvio de 260 milhões de reais da Saúde é o próprio presidente da CPI, Omar Aziz, que está sendo investigado em seu estado, o Amazonas. Está, inclusive, com o passaporte retido, o que o impede de sair do país, mas vestiu a fantasia de xerife e atira para tudo o que é lado tentando atingir o governo. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) criticou a investigação no plenário do Senado.

“Não é isso que o Brasil espera do Senado Federal. Quantas vacinas no braço do povo a CPI botou? O que a CPI tem feito pra ajudar o Brasil a sair dessa crise? Quantos empregos a CPI salvou? Tá sendo uma vergonha pra população. É constrangedor ir pra aquela CPI e passar um dia inteiro vendo a testemunha ser torturada por perguntas sem pé nem cabeça, que não têm nenhuma vinculação com Covid. Infelizmente só o tempo vai nos mostrar como essa CPI está fazendo mal ao Brasil.”

Senador Flávio Bolsonaro, em discurso no plenário do Senado.

O que o senador Omar Aziz fez foi abuso de autoridade. Pegou uma "prova" que não é prova (o áudio do Dominguetti) para supostamente confirmar um crime de corrupção, que até onde se apurou, sequer ocorreu. A compra de vacinas superfaturadas, com propina embutida no preço, que caracterizaria esse ato de corrupção, não foi efetivada e o dinheiro público não foi gasto.

A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) também se pronunciou dias atrás sobre a narrativa absurda de “pressão atípica” para compra de vacinas da Índia. Ainda antes do depoimento da prisão arbitrária de Roberto Dias, a deputada escreveu no Twitter.

“O desejo de derrubar Bolsonaro está levando ao abandono da lógica. Não se pode investigar prevaricação, por falta de medidas relativas a um crime, sem investigar se houve crime! Estão pulando etapas! Qualquer ser humano minimamente racional percebe, nem precisa cursar Direito!”

Deputada estadual (SP) Janaína Paschoal, no Twitter

Estamos diante de uma fofoca (mais uma) que virou “prova”. De suposta corrupção ativa não comprovada, que resultou em prisão. De uma acusação, feita por um senador, de que um ex-servidor público mentiu. Pode até ser que a suspeita de tentativa de corrupção se confirme, mas precisa de confirmação, precisa de provas.

E um áudio de um suposto vendedor de vacinas falando para um terceiro que conseguiu agendar um encontro com um servidor público que, depois, viria a lhe oferecer propina, não é prova. Por enquanto, além do assassinato de reputações e de um claro abuso de autoridade, conseguiu foi a desmoralização do Senado.

Ah, sim. Tem algo ainda mais grave: a CPI está conseguindo ameaçar de verdade o Estado Democrático de Direito, ao destruir um dos pilares mais importantes de um país livre, que é a garantia do direito de defesa a qualquer pessoa acusada do que quer que seja.

Não deixam os depoentes falarem e, quando deixam, dizem que a pessoa mentiu e mandam prender. Essa CPI já foi longe demais. Parece que haverá recesso. Os senadores devem voltar para os seus estados de origem. Perto da população hão descobrir o que o cidadão comum pensa de tanto abuso, de tanto deboche justo com quem paga os impostos para sustentar o Senado e pagar o salário dos senadores.

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