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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Hipocrisia desmascarada

O “antirracismo reverso” do PT de Curaçá, na Bahia

O "antirracismo reverso" do PT de Curaçá (BA) foi escancarado antes do episódio de "racismo reverso" da rede de lojas Magazine Luíza, mas não ganhou repercussão por um único motivo: neste caso os lacradores não estavam defendendo negros, e sim, ofendendo. A militância virtual, então, preferiu ficar calada e tentar deixar o assunto morrer. Não deu certo.

O episódio lamentável em que uma petista xingou um policial negro de "macaco" e, depois de presa, recebeu apoio oficial do partido, que tentou minimizar o ocorrido, aconteceu na véspera do anúncio do processo de seleção de treinees exclusivo para negros, que deu o que falar.

Por causa da decisão da rede de lojas de impedir que brancos se candidatem a vagas no novo programa de treinamento da empresa surgiu a polêmica do “racismo reverso” – uma teoria de que, para compensar discriminação racial contra negros, promove-se a exclusão de brancos (e até de outras raças), como foi o caso.

Embora o assunto pareça esgotado, uma vez que até o Ministério Público do Trabalho (MPT-SP) rejeitou denúncias de racismo contra o Magazine Luíza alegando que não houve violação trabalhista, mas sim uma "ação afirmativa de reparação histórica", resolvi voltar a ele por causa da expressão "racismo reverso", algo que muitos disseram nem existir. E "antirracismo reverso" existe?

Foi isso que me ocorreu de pronto quando soube do caso de filiados de um partido que se diz antirracista, prega repúdio (com razão) a quem tem atitudes racistas, mas diante de uma cena de racismo protagonizada por uma militante defende a agressora, e não, o negro que foi agredido.

"Racismo reverso"

Antes de entrar no caso do “antirracismo reverso” do PT de Curaçá quero fazer três considerações ainda sobre a história do Magazine Luíza. A primeira é que, gostando ou não da iniciativa, ela é inconstitucional. A constituição brasileira é bem clara no artigo 7°, sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais. Um dos itens desse artigo proíbe a “diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. "Admissão" e "cor" são palavras-chave que o Magazine Luíza e o MPT-SP preferiram ignorar.

A segunda consideração que acho importante fazer é que a intenção da loja pode até ser boa, mas da forma como foi feito torna todos os negros ainda mais vulneráveis, já que em vez de promover união, gera discórdia, provocando novo tipo de discriminação ao mesmo tempo em que atrela aos futuros trainees a eterna desconfiança sobre suas reais capacidades.

E a terceira coisa a considerar é mesmo a discussão sobre “racismo reverso”, que veio a reboque. Nas redes sociais houve gritaria, com muita gente dizendo que “racismo reverso” não existe. Aqui no Brasil, que é um país muito miscigenado, talvez não existisse mesmo até esse episódio do Magazine Luíza. Agora existe. Quantos brancos, índios e orientais pobres, que poderiam se interessar pelas vagas, não se sentiram discriminados ao saber que não poderiam sequer se candidatar às vagas só por causa da cor da pele? Quantos negros não terão sentido alegria apenas por saber que isso deve estar ocorrendo?

Para se ter noção do perigo que é promover isso, sugiro pesquisarem sobre episódios de racismo de negros contra brancos nos Estados Unidos, onde a questão racial é mais delicada. Eu mesma já vivi a experiência de estar lá, por desconhecimento sentar ao lado de um negro no metrô e ele levantar com raiva como se aquilo fosse uma provocação, para depois sair resmungando que jamais aceitaria ficar ao lado de um branco.

Não nos cabe julgar, mas se a gente não quer esse tipo de situação aqui não dá para aplaudir iniciativas que excluem os brancos, mesmo que eles nunca tenham desrespeitado um negro, fazendo despertar sentimentos negativos em relação a quem sequer pediu para ser privilegiado numa seleção de trabalho.

"Antirracismo reverso"

Permito-me arriscar essa expressão estranha para tentar definir pessoas que supostamente não eram racistas e passaram a ser, por conveniência ideológica. Vamos aos fatos vividos na cidade de Curaçá (BA).

A polícia foi chamada para atender um caso de violência doméstica. Ao chegar, tenta apartar a briga entre uma mulher e sua companheira. Quando o policial, que é negro, consegue imobilizar a agressora ela direciona toda a sua raiva para ele e começa a xingá-lo de "macaco". A cena foi filmada, está inserida no vídeo que está no topo da página.

"Macaco", grita a mulher quando já estava sendo conduzida para o camburão. "O quê?", pergunta o PM negro. E ela repete: "macaco".

Na delegacia descobriram que a mulher era filiada ao PT, partido que vive levantando a bandeira de defesa das minorias, entre elas a dos negros discriminados por causa da cor da pele. Mas para defender a militante presa por xingar um policial negro de macaco, os dirigentes partidários esqueceram quem era vítima e saíram em apoio à mulher que ofendeu o PM.

O caso teve pouca repercussão até o anúncio de que o advogado do policial que vai processar o presidente do PT de Curaçá por causa de uma nota de apoio à agressora, identificada como Libânia Maria das Torres.

O mais impressionante de tudo isso é que quando a imprensa local noticiou o caso, no dia 18 de setembro, ninguém sabia da ligação da mulher com o Partido dos Trabalhadores. O PT poderia simplesmente ter ficado de fora dessa história ou, quando a filiação partidária dela veio à tona, ter feito o que se esperaria de um partido que vive chamando para si a luta pelos direitos dos negros e de outras minorias: se pronunciado a favor do policial, repudiando a atitude claramente racista da militante e dizendo com todas as letras que o partido não compactua com o racismo.

Mas o que fez o diretório municipal do PT? Não só saiu em apoio à filiada racista, emitindo nota de solidariedade a ela, como ainda tentou justificar a ofensa, minimizando o racismo, ao dizer que chamar PMs de "macaco" naquela região da Bahia é algo normal, porque seria um apelido usado para policiais desde os tempos do cangaceiro Lampião.

Talvez fosse o caso de proibir a perpetuação de histórias do Lampião como fizeram com o filme E o Vento Levou, que foi retirado do ar porque mostrava cenas de escravos para retratar o que acontecia na época em que se passa o romance.

Um caso bem parecido com esse da Bahia já tinha acontecido em 2017 em Parnaíba no Piauí, onde uma mulher também foi presa por xingar de "macaco" um policial negro que foi atender chamado de ocorrência de uma briga familiar. A justiça acabou liberando a mulher da prisão, mas ela foi processada por injúria racial. Ninguém tentou acobertar a ofensa como se fosse um mero palavreado local.

O dirigente do PT de Curaçá deveria ter considerado que a mulher que ele resolveu defender não se intimidou nem quando começaram a gravar a cena. Ela repetiu o xingamento mais de uma vez, aos berros. Não era uma um apelidinho carinhoso para tentar abrir diálogo com o representante da lei e da ordem que estava ali trabalhando, a serviço do Estado e da comunidade local. Não era parte da cultura nordestina como quiseram fazer parecer. Era desprezo mesmo por uma pessoa de outra raça.

Hipocrisia desmascarada em nota oficial

Ao defender uma militante racista o PT local derruba a máscara da preocupação com a discriminação racial e veste a carapuça do corporativismo e da solidariedade partidária.

Segue a íntegra da nota, com destaque para as palavras "luta" e "racismo" exata

A presidência municipal do Partido dos Trabalhadores – PT de Curaçá vem, de público, manifestar seu apoio à companheira Libânia Torres, por saber da sua caminhada de luta e de respeito às pessoas. Em todos os sentidos. Nós, do Partido dos Trabalhadores de Curaçá, reconhecemos a grandeza de suas lutas e, creditamos as palavras que foram ditas não a racismo, mas à cultura nordestina e Curaçaense, herdada de Lampião, de chamar policiais de Macaco. Ao mesmo tempo, lamentamos o acontecido e reafirmamos o nosso respeito e solidariedade a ela e sua família."

O texto é assinado por Júlio Cézar Lopes, presidente municipal do PT na cidade e candidato a vereador. Ele ainda quer voto! E você, o que acha disso tudo? Quem minimiza uma injúria racial, esquece a vítima e se solidariza com o agressor racista merece voto e vaga na Câmara de Vereadores ou processo? Eu estou com o policial e com os advogados dele: repudio racismo e discriminação de qualquer tipo e acho que quem tenta acobertar um racista comete crime igual.

*Depois que o vídeo publicado nesta coluna já estava gravado a executiva estadual do PT da Bahia se pronunciou sobre a nota do presidente do diretório municipal do partido em Curaçá, repudiando a justificativa dada por ele para defender a militante racista. Não mencionou, porém, qualquer punição ao dirigente partidário ou à filiada presa por racismo. A nota, emitida seis dias após o episódio, quando a repercussão negativa já era grande, pede desculpas ao policial ofendido, chama de anacrônica a citação de Lampião e diz que "o PT da Bahia designará o caso supracitado às instâncias e aos órgãos partidários responsáveis pela a devida apuração".

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