Recentemente circulou nas redes sociais um vídeo em inglês de uma mãe americana mostrando o brinquedo que a filha pequena ganhou de presente de aniversário: uma bonequinha, personagem de um desenho de sucesso (Trolls), que dá risadas quando recebe um aperto na barriga ou entre as pernas. A narração no vídeo é de alguém claramente incomodado.
“Eu sei que alguns de vocês podem achar que não é algo importante, mas eu tenho filhos e acho isso errado. A boneca faz um som estranho quando você toca as partes íntimas dela. Para mim, são sons sexuais. É perturbador.”
Aproveito o caso da boneca americana para trazer uma reflexão sobre o quanto temos nos calado diante de situações perturbadoras como essa e o quanto esse silêncio faz mal às nossas crianças e adolescentes.
O caso dessa mãe, que tornou pública sua preocupação com o que o brinquedo fazia, é exemplar por dois motivos. Primeiro, porque escancara os absurdos a que nós, consumidores, estamos sujeitos. Por outro lado, por mostrar também como hoje em dia as pessoas têm voz, podem reclamar e conseguir fazer pressão por mudanças, por mais que às vezes se sintam impotentes.
No vídeo da mãe americana, que você pode assistir no Twitter do senador Sam Parker (um dos muitos que compartilharam a indignação), ela mostra que a caixa da boneca trazia apenas a informação de que, apertando o botão da barriga, a bonequinha dava risadas. Não havia qualquer aviso sobre o outro botão, no meio das pernas da boneca, o que significa que a pessoa que comprou o presente nem imaginava que isso acontecia - prova da nossa vulnerabilidade enquanto consumidores.
Mas vale focar no poder da indignação que traz resultados. O vídeo da mãe americana gerou um abaixo-assinado exigindo a retirada da boneca das lojas. Já estava com 260 mil assinaturas quando o fabricante decidiu fazer o que as pessoas pediam e recolher o brinquedo de volta à fábrica, prometendo inclusive substituir as bonecas que já tinham sido compradas. Ainda assim o abaixo-assinado segue firme e ultrapassou meio milhão de adesões.
Erotização precoce de crianças e adolescentes
Esse assunto é uma boa oportunidade para lembrarmos de dezenas de outras situações em que tentam impor, especialmente às meninas, uma erotização precoce, desde o mercado da moda até o da música.
Como os adultos normalmente se calam, a oferta de produtos impróprios para crianças ou pré-adolescentes vai crescendo e de repente, parece que sempre foi assim: meninas de 8 ou 10 anos usando decotes insinuantes, shortinho cavado, até sandálias de salto; cantando músicas com letras impróprias para menores e dançando coreografias no mínimo constrangedoras.
A rebote disso tudo vêm as fábricas de brinquedos, reproduzindo os figurinos que as meninas estão usando em bonecas de corpos sedutores ou até colocando botões em locais escondidos de bonequinhas bem mais infantis, produzindo sons inconvenientes como "Ah" e "Oh"...
É de se perguntar se não há exagero nisso tudo, se não chegamos a um limite. Será que os adultos não estão sendo muito permissivos com a indústria do entretenimento? Até que ponto a banalização do sexo e do corpo da mulher não expõem ainda mais nossas meninas à violência sexual?
Trazendo essa discussão para a atualidade: quando um youtuber com milhões de seguidores mirins se propõe a ensinar novas jogadas de um game de sucesso entre os meninos e, no meio do vídeo, diz coisas do tipo: "vamos colocar a personagem na posição de fazer neném", isso é normal?
Ou quando esse mesmo youtuber decide aconselhar uma adolescente que mandou uma mensagem para ele falando que estava em dúvida se deveria sair com um rapaz que ela mal conhecia, mas por quem se sentia atraída; e ele, o youtuber, responde dizendo para ela seguir seus instintos, sem ouvir os mais velhos ou se preocupar com o que os outros poderiam dizer? Deveríamos mesmo ficar quietos? Achar que isso não causa nenhum prejuízo na formação emocional de alguém muito jovem?
No caso do influenciador digital houve um movimento grande nas redes sociais, de mães e pais indignados, que até fez com ele retirasse alguns vídeos do ar. Mas teve gente defendendo ardorosamente o "produtor de conteúdo" irresponsável, que até pouco tempo nem se dava ao trabalho de informar indicação de faixa etária para os vídeos que publicava.
São provavelmente pessoas sem filhos ou que não acompanham as bobagens ditas em alguns canais voltados para o público infanto-juvenil. Seriam as mesmas pessoas que, diante de um caso de abuso sexual contra uma adolescente, por exemplo, tentam minimizar a culpa do agressor dizendo que a vítima estava de mini-saia, portanto numa atitude provocadora?
Chegamos a um ponto em que é preciso posicionamento. A sociedade não pode se calar, precisa discutir os limites da erotização precoce e da banalização do corpo da mulher, porque isso deixa as meninas mais vulneráveis e muitos abusadores, mais à vontade para cometer seus crimes.
Músicas e coreografias
O caso da música é cruel. Além das letras impróprias para menores, há muitas vezes uma coreografia completando o pacote da erotização. Criança adora cantar, dançar e repetir passos ensaiados. Na inocência, faz gestos indecentes sem sequer saber do que se trata. Muitos adultos acham graça e, assim, criticar tudo isso é que começa a parecer absurdo.
Imagine alguém se opor à dancinha da moda num pré-carnaval, ainda que ela simule movimentos do ato sexual! Vão alegar que são adultos dançando. Mas é imprescindível considerar que vivemos na época da exposição escancarada, em que tudo é filmado, aparece na televisão e nas redes sociais ao vivo. As crianças assistem e saem imitando.
Normalmente os próprios cantores fazem as dancinhas eróticas ou contratam bailarinos para as gravações de clipes e até para subir ao palco e ensinar o público durante shows. Isso começou nos anos 90 com música e a coreografia da “boquinha da garrafa”.
Era chocante, mas as pessoas foram driblando o constrangimento e aderindo ao remelexo em público. Com o sucesso daquela, outras bandas vieram, mais e mais letras e dancinhas foram surgindo, invadiram os bailes funk e foram parar em todas as festas, até nas infantis.
E agora? Quem vai proteger a infância e a juventude, se nós, adultos, não estivermos atentos a tudo isso e começarmos a nos manifestar contra o que achamos errado? São coisas para se pensar.
Boneca Poppy
No caso da boneca americana que dá risadinhas e suspiros quando tocada nas partes íntimas, a solitária mãe indignada conseguiu um feito e tanto. O vídeo dela viralizou e o fabricante reconheceu que houve uma falha de projeto e recolheu todo o estoque das lojas.
Conforme explicado pela porta-voz da fábrica à imprensa americana, o tal botão no meio das pernas teria sido desenhado para reagir quando a boneca fosse colocada na posição sentada, mas reconhecendo que isso poderia ser entendido como inapropriado a fabricante decidiu retirar o brinquedo das lojas.
A Hasbro, fabricante da boneca Poppy (personagem do filme Trolls) é uma gigante no ramo de brinquedos, a terceira maior do mundo, atrás da Lego e da Mattel. Alguns dos produtos da empresa, que está prestes a completar 100 anos, fazem sucesso estrondoso entre as crianças, como os bonecos Transformers e o jogo de tabuleiro Monopoly (versão original do popular Banco Imobiliário, da Estrela).
Aqui do Brasil bonequinhas da mesma coleção estão à venda em lojas online, com indicação para a faixa etária a partir de 3 anos, mas não o modelo que gerou polêmica nos EUA. Consultada, a assessoria de imprensa da Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente informou que não recebeu até o momento qualquer denúncia a respeito de venda do brinquedo em lojas brasileiras.
Denúncias podem ser feitas pelo Disque 100, mesmo canal para denunciar violência contra crianças, mulheres, idosos ou violação aos direitos humanos.
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