Na última terça-feira (14) o jornalista Bernardo Caram publicou matéria na Folha de São Paulo que foi desmentida pela principal fonte da notícia, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal - aquele apelidado no ano passado de Mickey da Previdência por causa de sua voz engraçada, decorrente de um problema de nascença nas cordas vocais, que lembra a do personagem da Disney.
Bruno Bianco não apenas desmentiu a informação divulgada pela Folha de que o governo autorizou a recontratação de demitidos durante a pandemia com salário mais baixo, como acusou o jornal de ter publicado “fake news”.
“Nunca vi tamanho absurdo! Conversamos ontem com a @folha, explicamos que nossa portaria PROÍBE a redução de salário – dentro das condições autorizadas pela Constituição – e mesmo assim o jornal vem com uma grande #fakenews na capa. Triste para a sociedade e para o jornalismo”, escreveu o secretário no Twitter junto com a publicação de um vídeo em que desmente a reportagem e explica por que é falsa a notícia do título e da capa do jornal.
Considerando que é contra isso que Alexandre de Moraes diz também lutar (seja lá qual for sua definição de “fake news”), é de se perguntar se o ministro vai mandar a polícia federal prender Bernardo Caram, como tem feito com outros acusados de divulgar o que o magistrado julga serem notícias falsas.
A pergunta é só uma provocação. É claro que isso não vai acontecer por um único motivo: a notícia da Folha foi para denegrir o governo e não os ministros do STF ou a Suprema Corte, então pouco importa a Alexandre de Moraes.
O inquérito sob sua responsabilidade - que seu colega de toga Marco Aurélio Mello classificou de “inquérito do fim do mundo”, a população chama de “inquérito da censura”, mas que o Supremo, parte dos políticos e da imprensa insistem em chamar de “inquérito das fake news” -, só existe para investigar e punir produtores de notícias contra os integrantes do STF (não necessariamente falsas, mas isso é mero detalhe).
Onde está a falsidade da notícia?
Vamos aos fatos. A reportagem de Bernardo Caram, que foi um dos destaques na capa da Folha de São Paulo nesta terça-feira (14) trazia o título: “Governo autoriza recontratação de demitidos durante a pandemia com salário mais baixo.” Era uma notícia sobre a portaria assinada justamente pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal, e publicada no Diário Oficial da União naquele mesmo dia.
A portaria autoriza as empresas a recontratarem, enquanto durar o estado de calamidade pública, funcionários demitidos sem justa causa durante a pandemia, mesmo que a demissão tenha ocorrido há menos de 90 dias – o que, em condições normais, é proibido. Mas isso “desde que mantidos os mesmos termos do contrato rescindido” (Art 1° Portaria n° 16.655).
O que induziu o repórter a escrever o contrário no título foi o parágrafo único deste mesmo artigo da portaria, que diz que “a recontratação de que trata o caput poderá se dar em termos diversos do contrato rescindido quando houver previsão nesse sentido em instrumento decorrente de negociação coletiva.”
Ocorre que isso é uma prerrogativa constitucional, que não poderia ser alterada por lei, portaria ou decreto nem mesmo em momentos extraordinários como o atual. Quando trabalhadores aceitam, coletivamente, uma redução de salário, e esta aceitação é reconhecida pelo sindicato da categoria, é a decisão dos trabalhadores que prevalece. Não seria a portaria de Bianco que mudaria isso.
A Folha optou pelo título genérico que faz parecer que as empresas estão livres para recontratar todo mundo pagando menos, como se fosse um golpe orquestrado entre governo e empresários maldosos contra os trabalhadores. Não à toa o Mickey da Previdência decidiu levantar a voz, gravar vídeo e publicar nas redes sociais sua indignação contra o jornalismo que induz a erro.
No vídeo Bianco mostra o trecho da Constituição de 1988, onde está prevista há 32 anos “a irredutibilidade do salário, salvo disposto em acordo ou convenção coletiva”. Ou seja, isso não foi uma decisão de agora.
“O governo não permitiu redução de salário em hipótese alguma. Nós fomos absolutamente expressos e respeitamos, como sempre fizemos, a Constituição Federal”
Bruno Bianco Leal, secretário especial de Previdência e Trabalho, em vídeo no Twitter
No final do vídeo o secretário pede permissão para se aventurar no Jornalismo e dá quatro sugestões de pautas ou novas manchetes para o jornal.
"Folha, caso você queria dizer algo sobre acordo de trabalho em convenção coletiva pode dizer o seguinte: Durante o governo Sarney a Constituição autorizou recontratação com salário menor por meio de acordo e convenção coletiva."
"Mais uma ideia, Folha: Governo Bolsonaro autoriza recontratação com preservação de salários."
"Uma terceira ideia pra Folha aqui, que pode ser uma manchete correta e não uma manchete falsa: Constituição autoriza redução de salário desde 1988 com acordo ou convenção coletiva."
"E ainda, para que não faltem ideias à Folha, uma quarta sugestão: Constituintes autorizam sindicatos a reduzir salários em 1988", diz o secretário no vídeo.
Bianco finaliza dizendo: "Faço um desafio. Folha de São Paulo, procurem constitucionalistas, procurem especialistas. Não façam isso, porque isso é muito ruim, isso não informa, isso desinforma. Isso não faz bem para o Brasil, isso não faz bem para os brasileiros."
A Folha de São Paulo não publicou errata sobre o assunto. Já Alexandre de Moraes, acredito, continua atento ao que ele classifica como “fake news”: aquelas publicações inconvenientes, ainda que verdadeiras, sobre ministros do STF, como as assinadas pelo jornalista Osvaldo Eustáquio que, semanas antes de ser preso, noticiou que o escritório de advocacia da esposa dele, Alexandre de Moraes, atende políticos do PSDB condenados por corrupção em tribunais superiores.
Esse jornalista, todos sabem, ficou dez dias trancado numa cela da polícia federal sem sequer saber o motivo da prisão, teve suas ferramentas de trabalho apreendidas (celular e computador) e, desde que foi solto, está impedido de publicar qualquer coisa na imprensa e até mesmo em seu canal do YouTube ou redes sociais.
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