Voto feminino, o aniversariante do dia 3 de novembro, não deveria ter passado despercebido, até porque completou idade redonda nesse ano: nove décadas de muita saúde! Mas em dia de eleições nos Estados Unidos, a mais disputada de toda a longa história democrática americana, a competição por espaço nas notícias e pelo interesse do leitor seria padrão Trump X Biden.

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Eis que venho, então, com um dia de atraso, lembrar dessa história que nos trouxe ao Brasil de 2020, um país com quase 148 milhões de eleitores, que teria 77,6 milhões a menos caso as mulheres não tivessem conquistado direito ao voto. Alguém consegue imaginar 77,6 milhões de brasileiros desprezados nas eleições? Brasileiras, para ser bem precisa, que estariam alijadas do processo político.

Se você fez as contas aí, percebeu que as mulheres não são apenas um número expressivo, mas a maior parte do eleitorado. 52,49% são mulheres, enquanto os homens são 47,51%, segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em percentual parece pouco, mas a diferença entre um grupo e outro é de mais de 7 milhões de votos. E o eleitorado feminino tem ainda uma peculiaridade significativa em relação ao masculino: o grau de instrução.

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As mulheres são a maioria entre os eleitores de nível superior completo: 60,9%, contra 39,1% dos homens. Isso também acontece com os eleitores que começaram, mas abandonaram ou ainda estão cursando uma faculdade (55% a 45%) e com os que terminaram o ensino médio (55,4% a 44,6%).

Fonte: TSE

Os homens passam a ser a maioria nas faixas de nível médio incompleto (50,8% a 49,2%), ensino fundamental completo (50,4% a 49,6%) e ensino fundamental incompleto (50,7% a 49,3%). Em tese quem estuda mais, vota mais consciente.

Hoje é impensável imaginar que mais da metade da população fosse ignorada, simplesmente não pudesse opinar na hora de escolher quem seriam os representantes nos parlamentos e nos governos. Mas até 1930, na época dos nossos avós ou bisavós, só os homens podiam votar.

História do voto feminino

1930 foi um ano bem agitado na política brasileira, ano de revolução e golpe de estado, quando Getúlio Vargas assumiu o poder para vingar um eleição perdida para Júlio Prestes sob acusação de fraude. Numa espécie de revolução paralela, sem armas, as mulheres ganharam o direito de escolher seus representantes, quando o Senado aprovou, no dia 3 de novembro, a lei que instituiu o voto feminino.

O problema foi a ascensão de Getúlio Vargas ao governo federal, implantando uma ditadura que suspendeu as atividades parlamentares. Com tudo isso acontecendo, o projeto do voto feminino ficou parado. Só dois anos depois, em 1932, a lei foi finalmente promulgada.

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Quem chegou até aqui deve estar lembrando também de outra revolução, a Constitucionalista, de 1932. O voto feminino também está atrelado a ela. Os revoltosos de São Paulo lutaram com a polícia de Getúlio para exigir que o presidente convocasse uma Assembleia Nacional Constituinte para votar uma nova constituição.

Mesmo tendo perdido a guerra, os paulistas conseguiram que o governo convocasse eleições para a Assembleia Constituinte. Foi então que as mulheres entraram em cena, não só votando, mas também se candidatando. E o Brasil elegeu sua primeira deputada federal, a médica paulista Carlota Pereira de Queirós.

Mulheres na política

Esse foi o início da participação feminina na política nacional. Pode-se dizer que o Brasil começou a mudar a partir dali, já que havia finalmente alguém efetivamente representando as mulheres na hora de pensar políticas públicas.

Um pequeno exemplo: essa primeira deputada constituinte, Carlota Queirós, chamou outra mulher para ajudar a dar sugestões para a nova Constituição: a zoóloga Bertha Lutz, que já era conhecida não por ser filha do cientista Adolfo Lutz ou por seus próprios estudos de animais.

Bertha era muito ativa na luta por direitos jurídicos da mulher. Tinha representado o Brasil numa Assembléia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos anos antes e foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. Trabalhando junto com a deputada Carlota, ajudou a inserir nas discussões temas que homens talvez jamais cogitassem, como a regulamentação do trabalho feminino, a igualdade salarial e a proibição de demissão de mulheres por causa de gravidez.

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É por essas e outras que é importante não deixarmos a data da aprovação do voto feminino passar em branco. É preciso honrar a lutas dessas mulheres, bem como o trabalho dos homens que abraçaram a causa, aprovaram o voto feminino, abriram as portas da política para as mulheres e permitiram, 90 anos atrás que as necessidades de toda a população passassem a ser ouvidas.

Primeira eleitora do Brasil

Uma última pinçada na história me obriga a dizer que a pioneira entre as eleitoras no Brasil foi uma professora de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Celina Guimarães Vianna teve a ousadia de se inscrever como eleitora assim que aprovaram uma lei estadual (Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927) permitindo o voto feminino, três anos antes que o próprio Senado aprovasse.

O Rio Grande do Norte foi, aliás, o primeiro estado a estabelecer que não haveria distinção de sexo para o exercício do sufrágio. E Celina, não apenas a primeira eleitora do Brasil, mas de toda a América Latina.

Para terminar esse artigo deixo um convite às mulheres eleitoras. Estamos a menos de duas semanas das eleições municipais. As mulheres ainda são em número bem menor na corrida pelas prefeituras e câmaras de vereadores, mas nas urnas podem fazer muita diferença.

Não é preciso votar em mulher para se ver representada, mas é importante que votem com consciência, o que significa escolher candidatos que se mostrem comprometidos com causas que também as mulheres julgam importantes. Valorize a história do voto feminino, valorizando o seu voto.

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