A notícia parecia exemplar: o Senado aprovou na última quarta-feira (10) algo que a Câmara já tinha aprovado em dezembro e que faz do Brasil um dos primeiros países de todo o continente a assinar uma Convenção Interamericana contra o Racismo.
A questão é que esse documento, elaborado durante uma Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2013, foi entregue a 35 países das Américas e até hoje só 5 assinaram e ratificaram a assinatura – o que é necessário para ter força de lei.
Por que será que quase ninguém assinou? Os países não signatários seriam a favor do racismo? É claro que não. Aparentemente há 29 nações americanas mais preocupadas com o teor de alguns dos parágrafos da Convenção do que o Brasil e os 5 países que constam como signatários.
Questões embutidas nas entrelinhas do texto abrem brecha para a possibilidade de criação de cotas raciais na política e no Judiciário, o que fere regras, leis ordinárias e até a Constituição de vários países, incluindo o nosso. Por isso deveriam ter sido motivo de grande debate no Congresso.
Os poucos que se dispuseram a isso ficaram isolados, sob a pecha de não terem empatia pelas vítimas de discriminação racial. É sempre o mesmo ataque contra quem quer discutir assuntos delicados de forma honesta.
Antes de detalhar os problemas no texto da Convenção antirracismo que pode impor cotas raciais em outras esferas públicas, além das universidades, vale a pena discutir a redundância dessa proposta da OEA.
Histórico do esforço internacional contra o racismo
A intenção de compactuar em âmbito internacional com um acordo em que os governos se comprometem a adotar medidas efetivas de combate ao racismo não é de hoje. Em 1965 vários países, de todos os continentes, assinaram um documento se comprometendo a prevenir, eliminar, proibir e punir todos os atos e manifestações racistas.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foi elaborada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e entrou em vigor no Brasil há mais de 50 anos, através do Decreto Lei 65.810/1969.
Com o passar das décadas a Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu elaborar outro acordo, exclusivo para os países das Américas. Em 2013, os representantes presentes à Assembleia Geral da OEA na Guatemala se encarregaram de redigir esse novo documento.
A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância tem 9 páginas com propostas que, se aceitas, viram lei e precisam ser respeitadas por todos os signatários, ainda que em seus países haja outras leis que se contraponham ao que está dito ali.
Dos 35 países das Américas apenas 12 assinaram o documento ao longo dos últimos 8 anos (Brasil, inclusive). Ocorre que só 5 ratificaram a assinatura, etapa fundamental para que o acordo passe, efetivamente, a vigorar.
O Brasil será o sexto a confirmar a assinatura da Convenção, junto com as ilhas caribenhas de Antiqua e Barbuda (que, apesar de serem ilhas separadas formam um único país), o México, a Costa Rica, o Equador e o Uruguai.
Nem Canadá e Estados Unidos, então sob a presidência de Barack Obama, assinaram o documento. Cuba e Venezuela, idem, o que significa que os ícones da governança de esquerda, que se diz a dona da pauta racial, estão juntos com os países mais desenvolvidos do continente na discordância com o texto.
Armadilha
Onde estaria o empecilho, afinal, para que todos os países das Américas assinassem a Convenção Interamericana contra o Racismo? A previsão de criação de cotas raciais está explícita no texto?
Num olhar rápido a tal Convenção, com força de lei, parece um documento lógico e super bem-vindo: proíbe e pune discriminação racial de qualquer tipo, incluindo injúria (que muitos consideram um crime menor, mas pode deixar traumas imensos para a pessoa ofendida).
O documento proíbe também a publicação, circulação ou difusão, inclusive na internet, de materiais racistas ou racialmente discriminatórios que defendam, promovam ou incitem o ódio, a discriminação e a intolerância a grupos ou pessoas apenas em função da raça. E, claro, prevê punições severas a quem pratica violência física contra outra pessoa por motivos raciais.
O problema é que o texto incluiu alguns pontos que podem interferir em questões internas dos países e se sobrepor a legislações locais, inclusive eleitorais, afetando até a forma de governo. As democracias, por exemplo, pressupõem eleições livres com igualdade de chances na disputa entre os candidatos.
A Convenção prevê que os países signatários criem meios para que representantes de todas as raças tenham espaço em seus sistemas políticos e jurídicos, de acordo com o percentual de cada raça na população.
Esta parece ter sido a razão para quase nenhum país aprovar o documento, que, repito, tem força de Emenda Constitucional e passa a valer como lei máxima do país a partir da ratificação da assinatura.
Cotas raciais na política e Judiciário
Entre os pontos dúbios o mais controverso é o artigo 9. Embora não mencione cotas raciais expressamente, dá a entender que os signatários da Convenção farão de tudo para abrir vagas nos parlamentos e tribunais a pessoas de todas as raças representadas na população.
“Os Estados Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta Convenção.”
Artigo 9 da Convenção Interamericana Contra o Racismo
Na Câmara dos Deputados, que aprovou a Convenção em dezembro, os deputados do Partido Novo levantaram a dúvida, além de citar a baixa aceitação do documento pelos países membros da OEA, tentando abrir os olhos dos colegas para que analisassem melhor o texto justamente do artigo 9.
Marcel van Hattem (NOVO-RS) foi um dos que alertaram que o Brasil pode vir a ser obrigado a adotar uma política de cotas por raça no próprio Congresso, nas Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores e no Judiciário.
Já pensou nisso? Negros e índios não precisarem de votação expressiva para se tornar vereador, deputado ou senador? Ou de nota alta em concursos para juiz?
Como o Brasil é um país miscigenado, é de se supor que descendentes de chineses ou japoneses, nascidos no Brasil e que se digam discriminados por causa de raça, também possam no futuro entrar para a política ou para o Judiciário através de cotas.
Onde ficam nossa legislação eleitoral e as regras dos concursos públicos? E a soberania do Brasil para decidir sobre questões internas como essas?
Não espanta que um deputado do PCdoB (Orlando Silva-SP) e um senador do PT (Paulo Paim-RS) estivessem à frente da aprovação desse texto na Câmara e no Senado. Os partidos de esquerda costumam se dizer os legítimos representantes das minorias. Teriam mais chances de atrair candidatos negros e índios, beneficiando-se da conquista de eventuais vagas às custas apenas de cotas raciais.
Na Câmara, o Novo foi o único partido a fechar questão e votar unido contra a Convenção. Como o partido tem uma bancada pequena na Câmara e não tem senadores, acabou sendo voto vencido. A aprovação no Senado na última quarta (10) foi por maioria de votos.
Lei ou conscientização
Outro ponto que vale mencionar é que o Brasil já tem leis rígidas contra racismo e se ele ainda existe (a gente sabe que existe) é porque falta a aplicação da lei e falta conscientização.
Campanhas massivas reforçando a beleza da miscigenação brasileira e uma mudança de olhar sobre essa questão também nas escolas poderiam ser mais efetivas do que incluir o nome do Brasil num tratado internacional mal escrito para o qual poucos países deram bola.
Como a proposta foi aprovada, resta ficarmos de olho para ver se não estamos entregando de bandeja nossa soberania para escolher, pelo voto popular, através da opção apontada pela maioria (e não por causa de cotas) os representantes que queremos nos parlamentos. Certamente não é por causa da cor da pele que decidimos em quem votar, até porque isso seria uma atitude racista.
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