Houve aglomeração de ministros atrás de Bolsonaro durante o pronunciamento dele após o pedido de demissão de Sérgio Moro. Mas não foi a falta de distanciamento social entre eles e o fato de estarem quase todos sem máscara em plena pandemia de coronavírus que chamou a atenção e sim o cenário mesmo. Se era para dar ares de força, mostrando um time unido, talvez não tenha funcionado.
A fisionomia da ministra Damares Alves, que por vezes, parecia esconder-se atrás do presidente, era triste. Nelson Teich, recém-empossado na pasta da Saúde, aparentava estar atônito. Paulo Guedes, o único de máscara, estava bem à frente, olhou várias vezes para o chão, para o relógio, e chamou a atenção por estar sem sapatos! Talvez trabalhe descalço, tenha ido empurrado, às pressas. Visivelmente não queria estar ali. Para falar a verdade, os ministros refletiam a imagem de parte considerável do Brasil: um país atônito, triste, desnorteado.
Fala do presidente
Bolsonaro partiu para o tudo ou nada: desmentiu Sérgio Moro ao dizer que nunca pediu a ele informações sobre o andamento de qualquer investigação da polícia federal; assumiu que quis indicar o superintendente da PF, mas disse que, por lei, esta é uma incumbência do presidente da República e não do ministro da Justiça e Segurança Pública; até questionou os nomes escolhidos por Moro para a equipe do Ministério, criticando que eram todos de Curitiba (onde o ministro morava e trabalhava, por isso tinha tantos conhecidos para indicar). E ainda revelou supostas conversas de bastidores do governo, insinuando que Moro o pressionou a indicá-lo para o STF, coisa que o ex-ministro nega.
Com seu discurso o presidente conseguiu a proeza de provocar nova divisão no país, abrindo agora um racha entre seus próprios eleitores. Depois de se livrar de governos que transformaram a política em caso de polícia, o Brasil precisava não só de honestidade, mas de pacificação e união. Está no meio de uma pandemia, diante de uma nova crise econômica (que é mundial, mas já mostra as caras por aqui). Não há espaço para mais divisão e turbulência.
Repercussão
Se a intenção do presidente era medir força com Sérgio Moro já existem pistas de quem saiu ganhando. Não foi 7 a 1, mas no Twitter, rede social preferida de quem acompanha política, foi uma goleada pró-Moro. No meio da tarde, apenas três horas depois que o próprio ministro anunciou sua demissão, a rede social registrava 1 milhão e 700 mil menções a Moro contra míseros 97 mil mensagens com a palavra Jair.
Às 15h o ranking das tendências de assuntos mais comentados no Brasil apontava o sobrenome do agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública (Moro) em primeiríssimo lugar, citado em 1 milhão e 720 mil postagens. O nome Jair estava em 17° na lista, citado por apenas 97 mil internautas. Logo depois caiu para 18°, superado pela expressão "Grande Dia", que estava sendo usada pelos opositores declarados ao governo, numa alusão à forma como o próprio presidente costuma celebrar seus feitos no mundo virtual.
Impossível ler tudo que escreviam, mas pelo que observei em algumas centenas de citações aos dois, Moro dava outra goleada: citações positivas X citações negativas. Se fosse considerar assim talvez eu devesse somar as palavras ou expressões que ocupavam do segundo ao quinto lugar da lista, atrás da citação campeã (Moro), todas elas referindo-se a Bolsonaro: #ForaBolsonaro, #bolsonarotraidor, #TchauQuerido e #BolsonaroEnlouqueceu. E ainda tinha a alcunha pejorativa Bozo, em 7° lugar e mais uma, um pouco mais abaixo no ranking, em 9° lugar entre os assuntos do momento: a palavra "Presidente", esta com cerca de um milhão de citações.
Aqui o presidente briga consigo mesmo, há os que o amam; aqueles ainda esperançosos, mas já se sentindo traídos; os desencantados e os inimigos mortais. Ou seja... as menções a "Presidente" mesclam apoio, a chance da dúvida e repúdio. Mas ainda assim, a soma de todas essas citações juntas não chegava a 1,5 milhão de pessoas falando de Bolsonaro, quando Moro tinha, lembro de novo, 1,7 milhão de referências àquela altura.
Parece bobo se prender a uma rede social onde só se pode digitar textos de até 280 caracteres, o que impede grandes argumentações a favor ou contra quem quer que seja, mas acho o melhor termômetro do momento. E é bom lembrar que este é termômetro que o próprio presidente costuma usar para testar como anda sua popularidade.
Analisar, portanto, a turbulência no Twitter no dia da demissão de um dos ministros mais fortes do atual governo, de certa forma embasa o que penso. Moro já era considerado herói pela maioria dos brasileiros e há pesquisas recentes provando isso.
O ex-juiz da Lava Jato, que prendeu políticos e empresários corruptos e, como ministro da Justiça e Segurança Pública, conseguiu redução inédita nos índices de criminalidade, foi hoje alçado ao Olimpo.
Saiu com dignidade, reafirmando o lema que ele mesmo levou para dentro do ministério da Justiça: faça a coisa certa. Não há dúvidas de que se quiser sair candidato mais para a frente terá enorme apoio popular.
Futuro do governo
Bolsonaro, que segundo Moro tentou interferir na polícia federal e em investigações, está com a imagem arranhada. Vai precisar se explicar muito e mostrar retidão para manter o apoio popular. No Congresso o estrago já está feito. O presidente já não tinha uma base forte e agora Rodrigo Maia tem argumentos para aceitar levar adiante até pedido de impeachment.
O governo está sitiado e as perspectivas são ruins, porque se Bolsonaro quiser se manter no cargo provavelmente terá que aceitar apoio de mercenários da velha política, ceder cargos em troca de votos, seja para aprovar ou reprovar o que for. É tudo o que sempre disse combater e que seu eleitor não quer. Outra saída seria a renúncia, o que não parece rondar sua mente nem em momentos de pesadelo como o atual.
Não queria finalizar este artigo sem lembrar que a grande diferença entre os países desenvolvidos e todos os demais é a força e o respeito às instituições. O caso PF, Moro e Bolsonaro deixa bem claro que ainda temos muita estrada pela frente até podermos nos colocar no grupo dos desenvolvidos.
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