Espiral do silêncio, falsas maiorias, notícias deturpadas e ondas de ódio são alguns dos fenômenos da internet que o Brasil tem experimentado com frequência cada vez maior. É tanto fato distorcido, tanta tentativa de manipular a opinião pública, tanta gritaria, acusações, campanhas de cancelamento que é natural muitos estarem preferindo se calar por medo de também serem alvo de ataques.
O problema é que é exatamente isso que os manipuladores dos fatos querem: o silêncio de quem pode questionar e trazer o contraditório para o debate. Quanto mais gente quieta, mais eles gritam impondo suas narrativas para fazer parecer que são maioria, quando na verdade não são.
Diante das distorções de fatos recentes relacionados a estupro e racismo, e tudo o que aconteceu depois, e das informações que estão surgindo, é prudente acender o sinal de alerta sobre o perigo de cairmos na conversa de quem produz notícias falsas ou na espiral do silêncio, o que também favorece os fabricantes de notícias e deturpadores dos fatos.
Espiral do silêncio
O fenômeno da espiral do silêncio não é teoria da conspiração e sim uma tese das ciências políticas, estudada e descrita há 50 anos pela filósofa política alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Ela explicou por que muitas pessoas se calam diante de fatos que parecem clamar por opinião, mesmo quando têm convicção de suas ideias, percebem que não estão sozinhas e sabem que estão amparadas pelo bom senso, inclusive pela Ciência, pelas religiões.
A filósofa analisou os meios de comunicação de massa na década de 1960: rádio, jornais e a televisão, ainda no início. O que ela concluiu pode perfeitamente se estender à internet, o maior meio de comunicação do século XXI e que engoliu todos os outros, ampliando a comunicação à enésima potência, para o bem e para o mal.
Satélites, antenas, cabos e fibras garantiram a disseminação de informações a uma velocidade absurda e abrangência jamais vista, mas trouxeram um porém: ao transformar todo mundo em comunicador, abriram margem para a divulgação de notícias não apuradas e interpretações erradas dos fatos. Isso faz com que as ideias de Elizabeth Neumann possam ser ampliadas.
A pensadora constatou que as pessoas têm uma intuição ou um sexto-sentido que indica qual é a tendência da opinião pública, mesmo sem ter acesso a pesquisas de opinião. Percebeu também que têm medo de ficar isoladas socialmente por isso se autocensuram, evitando expressar opiniões que considerem minoritárias, por causa desse medo de sofrer o isolamento da sociedade ou do círculo social mais próximo.
Segundo ela, quanto mais uma pessoa acredita que a sua opinião sobre determinado assunto está próxima da opinião da maioria, mais ela tende a expor o que pensa publicamente. E se a opinião pública mudar, essa pessoa passa a ter menos vontade e menos coragem de falar o que pensa.
Na época em que Elizabeth Neumann estudou o fenômeno, as maiorias falavam e as minorias recolhiam-se ao silêncio. Qualquer observador atento sabe que isso mudou com a internet. Com o fenômeno das "bolhas", a tendência é seguirmos pessoas que pensam como nós, o que traz a falsa impressão de que a maioria fala dos mesmos temas e segue a mesma linha de raciocínio.
Somado a isso, há características específicas da internet, como o compartilhamento, os algoritmos de entrega de mensagens, os perfis falsos e as redes de "robôs" atuando de forma programada, que induzem a falsas impressões de maioria.
Nem sempre as ideias que viralizam, que viram memes e entram para a lista de assuntos mais comentados no momento são as da maioria. Podem ser as de uma minoria articulada, barulhenta, que usa estratégias de divulgação até desonestas para dar projeção a determinados temas.
A tática de grupos radicais é a de forçar uma espiral do silêncio, constrangendo quem pensa diferente a ponto de impedir o confronto de ideias. Isso é estratégia das ditaduras. Isso sim é método nazista e fascista, de quem quer impor seus projetos a qualquer custo.
Outra coisa que já existia no passado, mas foi muito ampliada pela internet, é o fenômeno das notícias fabricadas com a intenção de destruir reputações, impor um pensamento único e tirar o espaço do contraditório.
A internet pode sim potencializar as minorias de tal forma que elas, por vezes, pareçam maioria. Ao mesmo tempo pode fazer a verdadeira maioria ficar quieta. É a chamada maioria silenciosa, que normalmente prefere não se meter em briga. Pelo que vimos nas últimas semanas há uma espécie de espiral dos silêncio às avessas, onde a maioria prefere se calar achando que é minoria, porque a algazarra feita pela minoria é grande demais e fica parecendo que aquele é o pensamento predominante.
Falsas maiorias
Quem não lembra da história do azul e rosa, em que uma fala da ministra Damares numa festa fechada na época do governo de transição no final de 2018 foi tirada de contexto e gerou nas redes sociais uma onda de rebeldia contra um costume de décadas, que existe no mundo inteiro.
A opinião da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos de que meninos vestem azul e meninas vestem rosa é predominante na sociedade, isso é cultural. E o que está por trás daquela fala também é predominante. Não é preconceito. As pessoas acreditam na biologia e sabem que meninos nascem meninos e por isso são tratados como meninos desde pequenos. E meninas são tratadas como meninas pelo mesmo motivo biológico.
Isso não quer dizer que pais ou mães vão, no futuro, rejeitar uma eventual opção do filho ou da filha pela homossexualidade ou até pela mudança de sexo. Mas lembram como foi? Vazaram o vídeo da ministra para a internet, taxaram a fala de preconceituosa e todo mundo saiu publicando foto com a cor contrária para contestar.
Disseram que homens, se quiserem, vestem rosa e mulheres vestem azul, o que é verdade, mas fingindo não fazer o que todo mundo faz: na hora de preparar o quarto do bebê, com raríssimas exceções, a decoração é azul, as roupinhas são azuis, tudo é azul para meninos e rosa para as meninas.
O movimento nas redes sociais na época fez parecer que ninguém concordava com lençóis ou tip tops azuis ou rosa, que ninguém diferenciava meninos de meninas desde pequenos. Meses depois estavam todos os hipócritas celebrando o outubro rosa e o novembro azul.
Essa sensação de maioria rebelde surgiu, porque muitos incautos caíram na narrativa fraudada e a imensa maioria das pessoas preferiu ficar quieta para não se meter em polêmicas ou cair em discussões desnecessárias. Só que a espiral de silêncio alimentou a ideologia de gênero, que ganhou força a ponto de dois anos depois algumas escolas estarem se sentindo obrigadas a mudar a língua portuguesa, dizer coisas como "obrigadE pela atenção".
Patrulheiros ideológicos avançam sobre a língua portuguesa: não passarão!
A justificativa para aderir à onda da "linguagem neutrE" é a de promover inclusão, evitar o preconceito e educar para a diversidade, mas gera mais revolta e indignação do que empatia e respeito, como imaginam seus idealizadores.
É aqui que eu entro no ponto central desse vídeo: a internet tem o poder de calar maiorias e dar voz a minorias; não as minorias que precisam de voz, mas aquelas que roubam a defesa de algumas causas para si como se fossem delas o monopólio das virtudes e só elas praticassem o bem e defendessem os mais fracos.
Isso acontece por causa de outro fenômeno da internet, que parece engolir a sociedade: a criação de notícias falsas ou da deturpação das verdadeiras.
Notícias falsas, omissão e deturpação de fatos
A manipulação dos fatos induz a erro e faz todo mundo andar junto, quem quer impor sua pauta a qualquer custo e a parcela da população que preza pelo diálogo em busca de soluções para os problemas do mundo. Parte daqueles que talvez fossem fadados a cair na espiral de silêncio decide falar e agir, mas não diz exatamente o que pensa, entra justamente na onda contrária, porque foi induzida a acreditar que esta era a postura correta.
Para ficar claro: quando uma notícia é deturpada fazendo parecer que alguém foi vítima de um estupro por exemplo, quando na verdade o suposto abusador é que foi vítima de um golpe, a tendência inicial é todo mundo acusar o homem de estupro e tomar partido da suposta vítima. A menos que a narrativa seja logo desmascarada, como no caso do jogador Neymar, poucos ousarão esperar mais evidências para emitir opinião.
Quando há um crime hediondo como uma agressão que resulta em morte, mas divulgam criando uma suposta motivação que não se configura real, como no alegado caso de morte por racismo na briga entre um cliente e seguranças de um supermercado, quem é que vai contestar? Num primeiro momento parece assassinato intencional e por motivo torpe e a sentença está dada antes mesmo do início das investigações.
Agora que novos detalhes deste e de outro caso (o do "estupro culposo") estão surgindo, fica a pergunta: haverá uma espiral de silêncio posterior às ondas de ódio, ao vandalismo, aos linchamentos virtuais e aos cancelamentos? Quem julgou antes da hora vai admitir publicamente o erro e voltar atrás, pedir desculpas?
Em risco agora estão as verdadeiras vítimas, inclusive as minorias que os produtores de fake news, os deturpadores de fatos, os corneteiros das redes sociais dizem proteger. Na próxima notícia sobre um caso real de racismo ou de estupro a desconfiança vai vir à tona. E sobre as vítimas reais, de racismo e estupro, vão pairar dúvidas. Cabe perguntar: quem é que os deturpadores de fatos estão protegendo, afinal? Os negros verdadeiramente vítimas de agressões só por serem negros? As mulheres efetivamente estupradas?
João Alberto e Mariana Ferrer
As últimas notícias sobre os casos João Alberto e Mariana Ferrer servem como reflexão para quem agora vê que embarcou em canoa furada ou se deixou engolir pela espiral do silêncio quando deveria ter falado o que pensa.
Já se sabe que um dos seguranças que mataram o cliente do Carrefour depois de provocados para uma briga faz parte do enorme grupo de brasileiros que o IBGE classifica como pardo. Foi um crime de racismo? Pardo contra negro? Ou mais um caso terrível de despreparo de quem deveria garantir segurança aos trabalhadores e frequentadores de um estabelecimento comercial?
O caso Mariana Ferrer, que está em sigilo, em fase de recursos, foi divulgado por quê? E por quem? Agora se sabe que a própria Mariana expôs tudo em redes sociais, e que foi isso que levou o Intercept a tornar público um trecho da audiência. Sabemos que o site criou um tipo penal que não existe, o tal do "estupro culposo", que incendiou a internet.
O Intercept já se retratou reconhecendo que isso não constava do processo e jamais foi dito pelo advogado do réu, pelos promotores ou pelo juiz do caso. Disseram que a intenção era “ajudar as pessoas a entenderem” o que, segundo eles, foi a razão da sentença que absolveu o acusado. Omitiram a informação de que o réu foi absolvido por falta de provas.
Uma perícia feita no vídeo do julgamento mostrou que as imagens da audiência foram editadas para fazer parecer que Mariana foi vítima de um complô de machistas tentando proteger o homem que ela acusa de estupro. A perícia levantou que em duas audiências que duraram mais de três horas o juiz interveio 37 vezes e o promotor, 14 vezes, sempre interrompendo o advogado do réu, porque ele sim, no papel de defensor do acusado, tentou acuar a Mariana.
Caso Mariana Ferrer: juiz afirma que vídeo foi manipulado e que não há menção a estupro culposo
É um caso para a OAB e para a Justiça resolverem, não para o tribunal da internet, onde pessoas são induzidas a interpretações erradas com notícia fabricada e fatos deturpados, incitadas a endossar o discurso de ódio e a abraçar campanhas de cancelamento a quem se opõem a tudo isso.
O estrago causado pela notícia do tal estupro culposo vai além das intrigas de internet ou de brigas ideológicas. É criminoso. Pense no juiz, no promotor e nas famílias deles, que estão sendo hostilizadas desde que o caso se tronou público. Pense nas vítimas reais de estupro, agora questionadas se foram mesmo estupradas ou inventaram denúncias.
No caso de racismo, que não ficou provado ser racismo, pense nos negros que sofrem racismo de verdade? Será que os movimentos de ódio ajudaram a criar mais empatia ou fizeram aumentar a raiva dos verdadeiros racistas, que existem sim, mas são minoria. O Brasil não é um país de maioria racista. É uma nação de pardos, mestiços e miscigenados.
Quantas pessoas não foram acusadas de machistas ou racistas simplesmente porque se calaram sobre esses dois casos? E foram desrespeitadas por seu legítimo direito de optar por ficar caladas, porque não queriam embarcar em narrativas mal explicadas. É muito julgamento precipitado, muita acusação leviana.
Está mais do que na hora de cada um avaliar como tem se posicionado nas conversas de família, com amigos e colegas de trabalho; refletir sobre o perigo do chamado comportamento de manada, antes de ter todos os elementos para emitir opinião. O perigo de julgar, sem ter acesso às fontes primárias de informação.
É importante avaliar seriamente também o risco de ficar quieto quando algo nos incomoda, de cair na espiral do silêncio e dar ainda mais espaço para quem quer calar opositores, dividir a sociedade, espalhar ódio, plantar a vingança e até estimular vandalismo e agressões indo contra tudo o que diz defender, que é a paz e a justiça social, a empatia e respeito pelo diferente.
Nesse exato momento há uma agenda de desconstrução da sociedade em andamento, com narrativas atacando a família, os bebês que ainda nem nasceram, a religião. E tentando monopolizar a luta justa de determinadas parcelas da população (negros, mulheres, homossexuais), mas sem consultar essas pessoas, sequestrando a causa pra si e prejudicando as reivindicações legítimas.
É desonesto querer taxar todo homem de estuprador, todo branco de racista, dizer que todo mulato vítima é negro e todo mulato agressor de negros é branco. Não podemos nos calar.