Você já deve ter ouvido algumas vezes a expressão "novo normal". Ela começou a ser usada há poucas semanas nas redes sociais para referir-se a mudanças que devem ser incorporadas à nossa rotina depois que retomarmos as atividades que tínhamos antes do surgimento do coronavírus. E passou a invadir também os jornais para descrever o que já está acontecendo nos lugares onde governos começam a afrouxar as regras de isolamento social.

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Foi mais ou menos sobre isso que o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo falou nos poucos minutos em que teve a palavra naquela reunião que se tornou famosa pelos palavrões. Ele comentou sobre o que já se especula acerca do "novo normal" na área em que atua, as relações internacionais; sobre quem terá mais espaço para crescer e onde deve se situar o Brasil no mundo pós-pandemia.

Falando assim parece que foi uma fala deslocada do contexto, onde a bronca foi a tônica, mas não. Como a maioria dos presentes à reunião, Ernesto Araújo mostrou-se alinhado com o presidente, apenas usou outra linguagem e tratou do tema que lhe diz respeito. Se a curiosidade para saber exatamente o que o ministro disse for muita sugiro que avance o texto, mas peço licença para, antes, fazer uma introdução.

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O que é o "novo normal"?

Aqui mesmo na Gazeta do Povo há vários artigos e reportagens falando sobre alterações na rotina em países que já começaram a reabrir a economia, como as barreiras de acrílico entre carteiras escolares na Coreia do Sul e mesas de restaurantes em Nova York. São pequenas mudanças com grande impacto sobre a forma como nos relacionamos.

Outro exemplo: usar máscara na rua. Aqui no Brasil costumávamos ver esse hábito oriental como exótico e até exagerado, mas o costume lá do Japão - onde, há muito, as pessoas têm preocupação extrema com poluição ou risco de contágio de doenças - agora é normal em países de todos os continentes. E deve seguir assim por um bom tempo, pelo menos até que exista vacina contra o cornoavírus.

Muitas situações levantadas para a vida após a pandemia de Covid-19 ainda rondam o campo das hipóteses, mas nem por isso são desprezíveis. A questão ambiental talvez seja a mais comentada, ao menos nas trocas de mensagens e postagens em redes sociais, afinal foram os ambientalistas os primeiros a notar que havia um "novo normal" na natureza, embora esse, talvez (e infelizmente), seja apenas temporário.

O isolamento social provou o óbvio: quando a humanidade se desloca menos, reduz a queima de combustíveis e a qualidade do ar melhora; quando mais gente fica em casa, há queda drástica no consumo de uma série de produtos e serviços e, desta forma, preservam-se os recursos naturais do planeta.

A economia sofre prejuízos parada e não pode ficar assim eternamente, mas é fato que com fábricas e empresas fechadas e grande parte dos trabalhadores em casa, a poluição diminuiu a tal ponto que até animais como tartarugas marinhas começaram a aparecer em lugares onde há muito não eram vistos - como na baía de Guanabara, conforme registrou um morador de Niterói, no Rio de Janeiro.

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Pode ser que o mundo do trabalho encontre uma fórmula melhor de funcionamento após a pandemia, em que ao menos parte dos trabalhadores consiga fazer o serviço de casa, diminuindo os deslocamentos, os gastos, o consumo e a poluição. Se isso acontecer teremos prolongada a alegria de ver a natureza se recompondo de décadas de destruição e consumo exagerado dos recursos naturais.

Possíveis mudanças na rotina de órgãos públicos

Na minha última coluna em vídeo, publicada na segunda (25), eu entrevistei a deputada estadual de São Paulo Janaína Paschoal. É dela outra análise de algo que pode vir a ser o "novo normal", neste caso para as sessões plenárias dos parlamentos. Segundo Janaína, pelo menos na Assembleia Legislativa de São Paulo, as discussões virtuais têm sido mais ricas simplesmente porque há muito mais deputados presentes. E com mais debate a tendência é aprovarem leis melhores.

É óbvio que isso está acontecendo, porque todos estão em casa e praticamente não têm desculpa para se ausentar. Mas, na opinião da deputada, essa experiência do trabalho legislativo à distância, que já resultou em muita economia, com luz, água, assessores, até cafezinho, pode inspirar mudanças na forma como os deputados trabalham. Fiquemos atentos para ver quem leva essa discussão adiante, especialmente focando em economizar recursos públicos!

Ernesto Araújo e o "novo normal" das relações internacionais

Vamos então à fala do ministro Ernesto Araújo naquela fatídica reunião ministerial, anunciada como devastadora para o governo, porque seria a prova definitiva de que o presidente Bolsonaro tentou interferir no trabalho da Polícia Federal. Não vou entrar no mérito do vídeo nem da reunião como um todo ou do inquérito comandado pelo ministro do STF Celso de Mello, porque não é esta a proposta do artigo.

Entendo que Bolsonaro, Weintraub e Ricardo Salles tenham roubado a cena e poucos dos que viram o vídeo, incluindo jornalistas, tenham se atentado para a fala de Ernesto Araújo. É claro que estava todo mundo interessado nas falas do presidente da República, especificamente sobre as questões de segurança, que poderiam revelar se ele cometeu ou não um crime. E que os palavrões roubaram as atenções e as manchetes. Mas para mim a fala do ministro das Relações Exteriores sobre o mundo pós-pandemia foi das mais interessantes.

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"Eu acho fundamental que essa dimensão internacional não seja apenas uma adaptação do Brasil ao cenário internacional, mas que ela leve em conta a capacidade que o Brasil tem hoje de influir no desenho de um novo cenário internacional", disse o ministro assim que assumiu o microfone.

"Eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições e tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial. Outro dia na conversa do presidente com o primeiro-ministro da Índia o indiano disse que vai ser tão diferente o pós-coronavírus quanto o pós-segunda guerra. Eu acho que é verdade."

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores, durante reunião ministerial de 22/04.

E o ministro continua: “Assim como houve um Conselho de Segurança que definiu a ordem mundial, cinco países no pós-segunda guerra, eu acho que vai haver uma espécie de Conselho de Segurança, nós temos a oportunidade de estar nele e acreditar na capacidade de o Brasil influenciar e ajudar a formatar um novo cenário."

"E esse cenário tem que levar em conta o seguinte: estamos aí revendo os lucros de 30 anos de globalização. Vai haver uma nova globalização. O que aconteceu nesses 30 anos? Houve uma globalização cega para o tema dos valores, para a quebra da democracia e da liberdade. Foi uma globalização que, a gente está vendo agora, criou um modelo em que o centro da economia internacional é um país que não é democrático [China], que não respeita os direitos humanos."

“Essa nova globalização acho que não pode ser cega. Tem que ser uma estrutura que leve em conta, claro, a dimensão econômica, mas também essa dimensão da liberdade e dos valores. E da mesma maneira, acho que o plano [do presidente Bolsonaro] está apontando pra isso na nossa dimensão nacional. Também não pode ser um plano cego para aquilo que nos traz o projeto do presidente, que é não simplesmente a eficiência, a pujança e o crescimento econômico, mas a liberdade, o combate à corrupção, a reinvenção do Brasil livre dessas mazelas."

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A reflexão mostra como pode vir a ser o "novo normal" do Brasil no mundo globalizado, mas com a globalização também vivendo uma nova era. A fala não saiu da cabeça do ministro. Com certeza retrata o que já está sendo discutido entre os diplomatas das várias nações com quem o Brasil está alinhado. Relações comerciais devem mudar não só por questões políticas, mas também por necessidades que vão surgir depois da pandemia. Na parte da produção de alimentos o Brasil tem destaque e pode vir a crescer.

Nesse momento em que muitos de nós trabalhamos em casa, e mesmo quem seguiu trabalhando como antes viu a rotina mudar, é importante começarmos a refletir sobre como será nossa vida e a vida no mundo quando a pandemia passar para estarmos preparados para essa realidade diferente, que já bate à porta.