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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Infância sob ameaça

O filme Cuties e a sexualização precoce de meninas

O filme Cuties e a sexualização precoce de meninas é um desses temas dos quais não há como fugir ou deixar para discutir outra hora, ainda que pareça repetitivo voltar a um assunto tratado recentemente nessa coluna.

Na semana passada falei sobre a boneca americana que suspira e ri ao ser tocada nas partes íntimas para destacar o absurdo de uma fábrica de brinquedos projetar um botão entre as pernas de uma boneca. E não é só porque ela é destinada a crianças a partir de 3 anos. É uma boneca! Mas, por acaso, é destinada a crianças a partir de 3 anos!

Será que o idealizador da boneca não imaginou que associar toques naquela região do corpo a sons de prazer condicionaria a criança, desde muito pequena, a achar normal (e gostoso) ser tocada nas partes íntimas? Que mente adulta não enxerga como uma aberração algo assim?

A reação foi tão forte que a boneca foi recolhida das lojas nos EUA e, até onde se sabe, nem chegou ao Brasil. Mas temos nossas tragédias diárias por aqui. E o bombardeio sobre a infância é incessante. Por isso insisto no tema.

Filme "engraçadinho"?

Mal tínhamos sido informados da tragédia da menina de 10 anos estuprada pelo tio, que engravidou e sofreu uma série de outras violências depois, e já estávamos recebendo a notícia do novo filme da Netflix, Cuties, algo como "Graciosas" ou "Engraçadinhas" em português, mas que foi traduzido como "Lindinhas".

Ainda não se sabe muito sobre o roteiro, mas não tem nada de gracioso, engraçadinho ou lindinho no material de divulgação do filme. A foto que circulou nas redes sociais mostra meninas de 11 anos em poses de conotação sexual, absolutamente questionáveis para a idade. Mais questionável ainda é que isso se destine ao público adulto!

Decidi falar de mais este caso de erotização precoce imposto à sociedade, porque de novo eles expõem as meninas, alvos mais frequentes de pedófilos e estupradores. O cartaz do filme é um convite descarado à imaginação de quem tem atração sexual por corpos de crianças ainda em formação.

Não dá para achar normal que meninas de 11 anos sejam fotografadas de shortinho cavado, agachadas, de pernas abertas, ou fazendo biquinhos e curvas com o corpo para simular poses de conotação sexual. E que essas fotos sejam espalhadas aos 4 cantos do planeta para atrair audiência para um filme em que crianças são as protagonistas.

São crianças! Ainda que estejam entrando na fase em que são chamadas de pré-adolescentes, isso não significa que tenham idade para se insinuar sexualmente para quem quer que seja, ainda mais para adultos.

Se o Brasil inteiro se revoltou ao saber que uma menina de 10 foi estuprada, não tem como aceitar que seja natural ver as de 11 num papel vulgar, como se fossem dançarinas de cabaré tentando seduzir o público masculino. Pois era essa a imagem passada pelo cartaz de divulgação do filme da Netflix.

E tinha mais insinuações. Veja a descrição original do filme Cuties: “Amy tem apenas 11 anos e fica fascinada por um grupo de dança. Para se enturmar, ela começa a explorar a própria feminilidade e desafia as tradições da família.”

Reação forte e imediata

A personagem Amy é negra, filha de uma família que imigrou do Senegal para a França. A imagem das amigas brancas do grupo de dança da escola também é apelativa. É claro que a reação negativa foi imensa, não só aqui, mas também nos EUA, onde o mesmo material de divulgação estava circulando.

Um abaixo-assinado online pedindo a retirada do filme do catálogo da Netflix atingiu em poucos dias perto de 300 mil assinaturas. A operadora de streaming não se rendeu e mantém a estreia prevista para setembro.

Engraçado que recentemente, por conta de pressões do movimento Black Lives Matter, a HBO tirou do ar um clássico do cinema “E o Vento Levou”, porque ele retratava cenas de escravos, algo que na época da história era comum. Era de se esperar que depois desse episódio, um filme que explora a sexualização de uma criança negra também causasse repúdio e sequer fosse aceito por uma operadora. Ou expor a escravidão do passado é reprovável, mas o estímulo à pedofilia no mundo atual, não?

Como eu disse a empresa mantém a previsão de estreia do filme, que já foi lançado (e até premiado) na França. Mas a Netflix americana acabou reconhecendo que o material de divulgação foi infeliz e publicou um comunicado pedindo desculpas e lamentando profundamente “a arte inadequada usada na divulgação”.

Segundo o texto, o cartaz e a descrição do trailer dão uma ideia errada do que é o filme. A descrição foi atualizada e agora a sinopse, que está inclusive disponível no YouTube da Netflix Brasil, diz: "Aos 11 anos, Amy começa a se rebelar contra as tradições conservadoras da família e encontra seu lugar num grupo de dança da escola."

É menos apelativo do que o resumo anterior, que falava em "exploração da feminilidade" como forma de desfiar a família, mas não foi suficiente para acalmar o público que se preocupa com a proteção da infância.

Nos EUA a reação de horror à forma provocativa com que o filme foi divulgado fez com que ele acabasse sendo classificado para maiores de 18 anos. Seria uma confissão de que o filme é destinado a atrair a atenção e o interesse sexual de adultos por crianças?

Fato é que as meninas expostas na tela e nos cartazes de divulgação são pequenas, tem 11 anos. É natural que se faça um filme para o público adulto com dançarinas crianças se insinuando em poses consideradas eróticas?

Estrago já está feito

Mesmo com a mudança do material de divulgação, aquela outra foto que tinha sido publicada antes e chocou a opinião pública é uma cena do filme. Numa rápida busca na internet eu encontrei essa mesma foto publicada em 280 blogs e veículos de imprensa do mundo inteiro. As meninas já foram expostas.

Print de parte da tela após busca pelo cartaz de divulgação de CutiesPrint de parte da tela após busca pelo cartaz de divulgação de Cuties (Foto: Cristina Graeml)

Quantos pedófilos não terão visto o cartaz? Quantos não verão o filme? Quantos não sairão à procura de meninas de 10 ou 11 anos estimulados pela cena? Quem vai proteger a infância? Quem vai defender só o lado comercial ou artístico da obra?

Para não terminar esse artigo de forma pessimista e derrotista, digo que se você está do lado da proteção às crianças, há algumas coisas a fazer, além, claro, de boicotar o filme e conversar com adolescentes sobre por que ele não deve ser visto.

Reclamar publicamente nas redes sociais funcionou nos EUA (ainda que parcialmente). Pode funcionar aqui também. Há ainda a opção de assinar a petição online americana, que você pode acessar aqui, ou criar uma nova pedindo a retirada do filme do catálogo da Netflix Brasil.

Por enquanto a maior reação negativa de brasileiros está sendo dar um dislike no trailer do filme no YouTube da Netflix Brasil, como já fizeram mais de um milhão de pessoas, contra apenas 27 mil que curtiram o trailer.

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