Tratamento precoce sequer deveria ser assunto de discussão muito menos em meio a uma pandemia. Médicos podem ter divergências de análise, mas se há algo que há décadas é ponto passivo na Medicina é a certeza de que, quanto antes uma doença for diagnosticada e tratada maior será a chance de cura do paciente.
Estranhamente na pandemia de Covid-19, a primeira da era da informação, logo nos deparamos com o “Fique em Casa até ter falta de ar”, ou seja, deixe para se tratar mais tarde. Pediram para a população esquecer tudo o que havia sido dito até então sobre buscar diagnóstico e tratamento aos primeiros sintomas. Espalharam tamanho pânico que até pacientes de outras doenças pararam de ir ao médico e, portanto, de se tratar. Muitos morreram por isso.
Está certo que a pandemia chegou ao Brasil de forma repentina e no início, em março de 2020, era preciso um certo tempo para organizar os hospitais a fim de que pudessem receber pacientes graves em grande número. O Brasil inteiro conhece o problema crônico da falta de leitos no SUS, especialmente em UTIs, e ficou evidente que se o contágio era inevitável, seria válida a tentativa de segurar doentes em casa para atrasar possíveis internações em algumas semanas.
Naquele momento eram desconhecidos o percentual de casos que se agravavam e a letalidade da doença. Outro ponto importante: sequer haviam sido testados medicamentos que já se sabia serem eficientes contra vírus causadores de outras gripes ou até de outras doenças para tentar descobrir se funcionariam contra a Covid. Não se tinha ideia de quanto tempo levaria para um eventual tratamento eficaz surtir efeito e o doente liberar a vaga no hospital.
Apenas dois meses depois, porém, a orientação das autoridades de saúde sobre o momento certo para procurar ajuda médica já havia mudado. Em maio o Ministério da Saúde passou a aconselhar que pessoas com qualquer sintoma de gripe buscassem ajuda médica imediata e até publicou um protocolo para tratamento precoce, baseado nas primeiras evidências que surgiam em pesquisas com algumas medicações. Seguir ou não é decisão médica.
A questão do tratamento, porém, passou a dividir os médicos e a sociedade de tal forma que hoje o que existe é uma confusão generalizada na cabeça dos pacientes. Embora o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira tenham emitido pareceres reforçando a autonomia médica, a politização do tratamento precoce se alastrou, invadiu os consultórios e a vida dos profissionais de saúde e dos pacientes.
Doentes querem tratamento precoce
Há meses venho conversando com médicos especialistas em várias áreas: da infectologia e epidemiologia à clínica médica, da pediatria à geriatria. Entrevistei vários deles, muitos são médicos e pesquisadores. Cheguei a organizar e mediar dois debates sobre tratamentos de Covid-19 aqui mesmo neste espaço.
- Debate inédito: médicos a favor e contra o uso de hidroxicloroquina
- Do caos para UTIs vazias: a experiência do uso de remédios na fase 1 de Covid-19
Talvez por isso seja comum leitores me procurarem por e-mail ou mensagens nas redes sociais pedindo o contato de profissionais que prescrevem o tratamento precoce. Quase sempre relatam o mesmo: eles ou algum parente estavam com sintomas de Covid, foram a um posto de saúde e receberam apenas prescrição de dipirona e paracetamol, mas queriam um segundo parecer médico.
Existe uma confusão: dipirona e paracetamol também são remédios para tratamento precoce de sintomas de gripe, embora combatam apenas as consequências dela (febre e dor de cabeça). Mas é justo que pacientes queiram buscar profissionais que indiquem outro tratamento, com antivirais, vitaminas, anti-inflamatórios ou mesmo antibióticos, a fim de evitar a proliferação do coronavírus no organismo e o agravamento dos sintomas.
Injusto é pessoas leigas, apenas por serem avessas a este ou àquele político que recomendou este ou aquele tratamento, se intrometerem na saúde e na doença dos outros. Quando foi que passamos a achar normal que nossa opinião pessoal devesse se sobrepor à do médico de um parente, amigo, vizinho ou até desconhecido? Por que raios um doente deveria ser pressionado a não ouvir seu médico de confiança e dar ouvidos a gente que nunca leu um único estudo científico na vida?
Médicos são pressionados a não tratar pacientes
A Medicina e a Ciência agem de forma acelerada desde o começo da pandemia e, no mundo interligado de hoje, é também rápida a troca de informações entre médicos e pesquisadores sobre o que está sendo usado aqui ou na China, estudado na Rússia ou na Argentina, e sobre os resultados obtidos em locais que vão dos países da África ao primeiro mundo.
Testa o tratamento que for, quem assim avaliar recomendável. Desde que se respeite a ética médica de prescrição de remédios considerando que os prováveis benefícios sejam maiores que os possíveis danos à saúde (quando houver risco de efeitos colaterais), qual é o problema? Esta sempre foi a regra que rege a Medicina.
E na luta contra o inimigo, no meio de uma guerra, o lógico é utilizar a artilharia disponível, medindo riscos em comum acordo com todos os envolvidos. Parte da comunidade médica, porém, decidiu apegar-se à necessidade de estudos “duplo cego randomizados”, que jamais foram exigência para uso de medicações no combate a outras doenças.
Pense aí. Que outra vez na sua história de vida você ouviu alguém dizendo para não se tratar de alguma doença, porque o remédio prescrito não tinha comprovação científica nível A? Essa discussão simplesmente não faz sentido.
É uma escolha médica deixar o paciente de Covid-19 à base apenas de dipirona e paracetamol, e atacar o coronavírus mais tarde com intervenções bruscas, caso a Covid avance, mesmo sem a certeza de ganhar a batalha. O paciente deve ter o livre-arbítrio de procurar outro profissional, se preferir não "pagar pra ver" se a doença se agrava.
Infelizmente a guerra política invadiu a doença alheia e leigos resolveram peitar pesquisadores e médicos sem experiência de atendimento a pacientes de Covid resolveram questionar as decisões dos que estão na linha de frente.
Outros tantos que estão na linha de frente, mas não acreditam nos estudos já disponíveis ou nas evidências clínicas e preferem esperar por resultados mais robustos, resolveram expor colegas acusando-os de irresponsáveis por prescrever o kit de remédios do protocolo do Ministério da Saúde.
Nesta guerra era óbvio que a população ficaria dividida a ponto de ter gente chegando ao cúmulo de aderir a abaixo-assinado na internet pedindo a proibição do tratamento precoce, como se o tratamento escolhido pelo vizinho fosse de alguma forma prejudicar a si próprio ou à sua família.
Há quem diga que defender tratamento precoce é pregar contra o uso de máscaras, o distanciamento social e até contra a vacina. Essa talvez seja a associação mais descabida de todas. Os médicos a favor do tratamento logo nos primeiros sintomas têm defendido a vacinação e medidas para evitar o contágio. A imensa maioria até já se vacinou.
E quem disse que o simples fato de uma pessoa defender o tratamento imediato de doença signifique que, não estando contaminada, ele queira sair por aí como se não houvesse amanhã se expondo ao risco de contrair o vírus? Ou não queria se vacinar em busca de imunidade?
Oposição política ao governo questionando as ações do Ministério da Saúde é do jogo, mas a população fazendo pressão sobre profissionais de saúde ou mesmo um médico pressionando o Conselho Federal de Medicina para que volte atrás e retire o apoio à autonomia médica é algo sintomático de uma sociedade doente. Infelizmente isso está acontecendo de verdade.
Com tanto barulho médicos do mundo inteiro, que há meses vêm testando medicações e terapias, colhendo bons resultados empíricos (baseados em observação clínica), aumentando o número de pacientes atendidos, salvando vidas, avançando nos estudos e na guerra contra a Covid-19 estão sendo apontados como vilões por uma parcela que quer impor sua própria narrativa científica e seus remédios de estimação.
Onde buscar informação científica
Só a hidroxicloroquina, remédio mais estudado até o momento no combate à Covid-19, já tem mais de 263 trabalhos publicados em revistas científicas, sendo 191 revisados por pares. 214 deles foram submetidos a comparações com grupos controle. Está tudo publicado na página c19study.com para facilitar as consultas. Infelizmente, poucos se dão ao trabalho de acessar e abrir os estudos para conhecer as conclusões.
Entre pesquisas referentes a tratamento precoce com a medicação a maioria aponta resultados com níveis de evidência científica suficientes para convencer, só no Brasil, mais de 10 mil médicos a indicar a medicação para seus pacientes.
Esta mesma página divulga os países que usam hidroxicoloroquina, sozinha ou combinada a outros remédios, no tratamento de Covid-19 logo nos primeiros dias de sintomas. Basta olhar o mapa abaixo para saber que os 10 mil médicos brasileiros não estão sozinhos na opção pelo tratamento precoce.
A mesma página que divulga esse mapa e todos os 263 estudos já publicados sobre hidroxicoloroquina no combate à Covid-19 também mostra, logo no topo, os links de acesso a estudos sobre ivermectina, vitamina D, vitamina C, zinco, remdesivir e outros remédios. Recomendo o acesso.
Esqueça suas convicções políticas. Esqueça qual político defendeu o que em relação a tratamento de Covid-19. Tratamento é assunto médico e não político. Leigos jamais deveriam estar opinando sobre isso, apenas seguindo as orientações de seu médico de confiança.
E para quem estiver preso às recomendações de sociedades médicas que se posicionaram contra o protocolo do Ministério da Saúde para tratamento da fase 1 de Covid-19, talvez valha a leitura do último documento produzido pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Em 43 páginas respondendo a perguntas do procurador Ailton Benedito de Souza, do Ministério Público Federal de Goiás, que resolveu investigar a postura da SBI contra o tratamento precoce, o presidente da entidade, o infectologista Clóvis Arns, mantém sua posição de sempre.
Ele continua se declarando contra o uso de antivirais, vitaminas e zinco para tratamento na fase inicial da doença e defendendo que remédios para dor de cabeça e febre são suficientes, com monitoramento de problemas respiratórios através do uso de oxímetro. E anexa vários estudos que comprovam a ineficácia dos remédios indicados pelo Ministério da Saúde para o combate à fase 1 de Covid-19, sem considerar ou mencionar todos os outros que mostram o contrário.
Ao final, na página 40, diz que “sendo a Covid-19 uma doença viral e, portanto, da área da infectologia, sente-se a SBI na obrigação de contribuir com recomendações quanto ao diagnóstico, tratamento e prevenção como fizemos no documento "Atualizações e Recomendações sobre a Covid-19" publicado em 9 de dezembro de 2020” [contrário ao tratamento do protocolo do Ministério da Saúde]. Mas enfatiza o óbvio.
“A prescrição de tratamento para todas as doenças do Brasil, inclusive a Covid-19, é direito e responsabilidade do médico prescritor, o qual pode ou não seguir nossas recomendações, assim como ocorre nas outras especialidades médicas.”
Clóvis Arns, presidente da SBI, em resposta a questionamentos do MPF-GO
Ou seja, a SBI, maior inimiga do protocolo de tratamento precoce sugerido pelo Ministério da Saúde e adotado por milhares de médicos, reconhece que a autonomia do médico está acima de tudo. Em outras palavras: em assunto de médico e paciente não se mete a colher.
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