Como você se sentiria se fosse uma adolescente interessada por Ciências Exatas (ou tivesse uma filha adolescente com esse interesse), ao saber que a maior universidade do país, a USP, está abrindo vagas para meninas de 14 a 17 anos entrarem para um grupo de estudos e interagirem com mulheres cientistas? Parece estimulante, não?
O negócio soa ainda mais atraente por ser gratuito, com aulas e experimentos online, solução perfeita em tempos de pandemia, e sem a exigência da realização de provas, nem mesmo o pedido de análise de notas para admissão. Imagino que a maioria das meninas ficaria louca para se inscrever.
Pois o programa existe, está com inscrições abertas até 7 de junho e oferece 600 vagas. Só que a prioridade é para jovens negras, pardas ou índias e estudantes de escola pública (80% das vagas).
E para pleitear a participação nesse programa para meninas não precisa ter nascido menina, basta dizer que se identifica com o sexo feminino. A título de inclusão, o programa da USP gera segregação e ainda limita o espaço das mulheres.
Projeto Astrominas, cotas e ideologia de gênero
O projeto da USP, idealizado por acadêmicas da área de Ciências Exatas, tem o sugestivo nome de Astrominas e traz uma ideia interessante: dar a estudantes com afinidade por Ciências Exatas a chance de passar três horas por dia, durante as férias de julho, interagindo pela internet com mulheres cientistas.
O programa inclui palestras, experimentos, debates e rodas de conversa, com o objetivo de despertar ainda mais o interesse das meninas pelas Ciências e, quem sabe, no futuro próximo atrair essas jovens para os cursos da Universidade. As áreas de interesse vão da Astronomia à Oceanografia, passando pelas Ciências Atmosféricas, Matemática, Química, Física, Geofísica e Geociência.
Não são poucas as vagas, são 600. Imagino que a universidade esteja esperando um número de inscrições muito grande, porque programou fazer um sorteio ao vivo para definir quem serão as felizardas.
Sim! A escolha das ocupantes das vagas será por sorteio, tudo aparentemente projetado para oferecer oportunidades iguais a meninas e moças ainda em processo de descoberta do que podem fazer quando chegarem ao mundo adulto, independentement do histórico escolar ou do conhecimento já adquirido.
O fato de não haver seleção sequer através de provas ou notas reforça a ideia de que o programa é realmente aberto a qualquer garota interessada em Ciências.
O problema é que a própria página de inscrição do Astrominas, que se divulga como um projeto para "empoderar" meninas, já explica que não precisa ser menina para se inscrever. Basta se identificar com o "gênero" feminino e já estará na disputa por uma das vagas.
Há outras limitações, além da ideologia de gênero. Se a interessada não for preta (é preta mesmo que está escrito na página de divulgação do projeto e não, negra) ou se não for parda, indígena ou estudante de escola pública, terá chance bem menor de entrar para o programa.
A meninas brancas ou orientais, alunas de escolas particulares, foram reservadas só 20% das vagas, ou seja, essas jovens "diferentes" podem concorrer a apenas 120 das 600 vagas. Isso se não tiverem que disputar com quem nasceu homem, mas se identifica como mulher.
Suponho que meninos "pretos", pardos, índios e estudantes de escola pública, que se identifiquem como meninas, entrem na disputa para uma das 480 vagas destinadas a essas outras categorias priorizadas no programa, mas não há detalhes especificando isso na ficha de inscrição.
Ideologia de gênero: inclusão que exclui
Acho prudente explicar melhor meu raciocínio para não ser mal interpretada. Muita gente olha programas assim como se fossem inclusivos e capazes de abrir os olhos da sociedade para parcelas da população que sempre foram discriminadas e esquecidas.
Concordo que seja necessário combater a discriminação e o preconceito e que todas as pessoas devam ter oportunidade de estudar para conquistar espaço na sociedade. Mas será que o jeito mais eficiente de incluir alguns é excluindo outros?
Nem quero entrar na discussão da política de cotas, que acaba fazendo muitos estudantes chegarem à universidade sem sentir o gosto do esforço recompensado, da conquista por mérito. Quero falar da ideologia de gênero, que já provocou muito prejuízo a mulheres no esporte e parece estar seguindo o mesmo rumo no meio científico da USP.
Em outro artigo recente falei do movimento de algumas feministas de várias partes do mundo criado para combater a ideia de "gênero". Elas redigiram uma Declaração da Mulher com Base no Sexo, pedindo para órgãos como a ONU pararem de usar a palavra gênero em documentos oficiais quando estiverem se referindo a sexo feminino ou sexo masculino.
A declaração descreve o mal que a ideologia de gênero está causando às mulheres. Quando a sociedade começa a se acostumar com a ideia de que ser homem ou ser mulher é uma imposição cultural e não, biológica, banaliza-se a necessidade de privacidade em espaços femininos, como banheiros, por exemplo.
Esporte e Ciência
O caso dos esportes é peculiar, porque esporte exige competição. Não é à toa que as categorias feminina e masculina são separadas. Homens são mais fortes, mais rápidos, têm mais capacidade pulmonar e não competem em condições de igualdade quando são aceitos em campeonatos femininos.
Isso não tem qualquer relação com preconceito, discriminação, homofobia ou transfobia. Mesmo que se sintam mulheres e até pareçam mulher, por ter feito terapia hormonal ou cirurgia de mudança de sexo, atletas trans não deveriam participar de competições esportivas femininas por questão de justiça com as atletas mulheres.
A testosterona, hormônio masculino, dá estrutura ao corpo do homem desde o nascimento, garante musculatura, força nos ossos, tudo é diferente. Impossível competir como iguais, ainda que a carga de testosterona tenha sido reduzida de forma artificial com a introdução de hormônios femininos. O corpo humano é formado desde a barriga da mãe e nada apaga esse passado biológico.
Nos Estados Unidos, onde as atletas trans começaram a competir com mulheres, várias modalidades do esporte feminino correm o risco de acabar. Jovens atletas femininas de ponta, que treinam desde crianças, estão desistindo de competir em atletismo, ciclismo, halterofilismo e box, por exemplo.
O amor pelo esporte não morreu, mas falta motivação. Há casos de competições locais onde há naos mulher nenhuma consegue chegar ao pódio, sempre ocupado por musculosas atletas trans.
Diferença cerebral entre homens e mulheres
Você já deve ter ouvido falar a respeito de pesquisas comprovando que o cérebro masculino é maior, o que não necessariamente quer dizer que homens sejam mais inteligentes que mulheres. Mas... E se forem?
Se um dia a Ciência provar que uns tantos gramas a mais representam maior facilidade para a matemática ou a física, não terá sido desleal dar espaço em um grupo de ciências destinado a meninas para quem tem cérebro maior por questões biológicas e, talvez por isso, mais condições naturais de desenvolver habilidades no campo científico?
Num programa para estimular mulheres a estudar ciências exatas e, eventualmente, seguirem carreiras que ainda são predominantemente territórios masculinos, vagas de meninas deveriam mesmo ser entregues a estudantes trans?
Essa parcela da população, uma minoria, precisa de apoio não só porque sofre com questões existenciais intensas, mas porque não está dissociada da espécie humana e todos os seres humanos merecem respeito.
Mais lógico do que dar vagas de mulheres para pessoas trans, seria abrir vagas para todos, homens, mulheres e trans, na proporcionalidade que têm entre a população em geral.
Fica a reflexão. Será que o Astrominas vai atrair ou espantar as meninas das ciências exatas? O assunto é polêmico e trago para o debate, porque debater nos faz progredir. Qual a sua opinião sobre um programa que promete "empoderar" mulheres, mas dá vagas de mulheres para as trans, além de segregar as candidatas por cor de pele, raça e pelo tipo de escola que frequentam?
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