A Lei Paulo Gustavo, aprovada no Senado nesta terça (15), é mais um duro golpe no projeto de governo escolhido pelos brasileiros em 2018, nas urnas.
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Uma das promessas do então candidato Bolsonaro era democratizar a cultura, acabando com a farra do dinheiro público que, na era dos governos do PT, bancava produções de artistas famosos em detrimento daquelas idealizadas por talentos desconhecidos, que efetivamente precisam de ajuda governamental para alavancar seus projetos e carreira.
Quem já tem fama pode perfeitamente atrair patrocinadores privados para montar um espetáculo ou bancar suas próprias produções até receber o retorno dos investimentos através da arrecadação da bilheteria.
Como era de se esperar, foram esses famosos que reclamaram de forma estridente quando a torneira fechou, após a equipe de cultura do governo atual ter modificado as regras da Lei Rouanet.
Foi tamanha a choradeira e a pressão sobre políticos, que a turma antes beneficiada pelos milhões da Secretaria Nacional de Cultura conseguiu que deputados e senadores apresentassem um projeto para driblar a Nova Lei Rouanet. Eis que surgiu a Lei Paulo Gustavo.
Lei Paulo Gustavo é uma armadilha para os cofres públicos
A Lei Paulo Gustavo pode jogar por terra todo o trabalho de reformulação da Lei Rouanet, elaborado pela Secretaria Nacional de Cultura do governo Bolsonaro para distribuiu melhor os recursos federais para a cultura.
Aprovada no Senado nesta terça (15) e festejada pela esquerda, pela classe artística em geral e pelos lulistas, em particular, a lei Paulo Gustavo tira do governo federal o controle sobre quais projetos serão beneficiados pelo dinheiro público.
Não estamos falando de qualquer mixaria. São R$ 3,8 bilhões do governo federal passíveis de repasse para estados e municípios, que, estes sim, terão a responsabilidade de decidir quem e quais projetos artísticos serão beneficiados.
Estranhamente (ou não), a lei que leva o apelido do ator, morto de Covid no ano passado, passa como um rolo compressor sobre a Nova Lei Rouanet, aprovada semanas atrás, em fevereiro, e que trouxe mudanças significativas na distribuição de verbas públicas para a cultura.
- Leia mais: Lei que libera R$ 3,8 bilhões para a cultura, com cotas LGBT, segue para sanção de Bolsonaro
Nova Lei Rouanet
Um único exemplo diz muito sobre as mudanças previstas na Nova Lei Rouanet: a redução no limite do cachê pago aos artistas, de 45 mil reais para no máximo 3 mil.
Parece pouco como valor remuneratório para uma temporada inteira, com vários shows ou várias noites de apresentação teatral, mas esse é o cachê pago por artista para cada apresentação.
A gritaria de cantores e atores famosos fez parecer para a sociedade que o governo estava jogando todos na sarjeta. Ninguém divulgou a alegria geral entre os pequenos artistas, ainda desconhecidos do público. Quem é que não ficaria feliz por ganhar 3 mil reais por dia durante uma temporada de apresentações?
Se um ator ou músico fizer 10 apresentações serão 30 mil pagos só em cachê, fora o dinheiro público que pode ser usado para patrocinar a montagem de uma peça, um show, ou para pagar aluguel de um teatro ou bancar as gravações de um filme.
Basta ter o projeto aprovado, dentro das novas regras, e captar recursos junto ao empresariado, exatamente como era feito antes. O empresário que patrocinar um projeto cultural pela Nova Lei Rouanet tem o mesmo valor repassado aos artistas descontado do imposto de renda devido.
O governo, através de renúncia fiscal, garante que aquela arrecadação vá para a cultura em vez de ser aplicada em outras áreas, como saúde, educação ou segurança pública, por exemplo.
Sabendo que, com as mudanças na Lei Rouanet, o governo prometia acabar com a farra com do dinheiro público para artistas consagrados, um grupo de senadores articulou para acelerar a votação da Lei Paulo Gustavo, que já tramitava no Congresso desde a morte do ator, em maio de 2021.
Artimanhas para asfixiar o governo federal
O apelido de Lei Paulo Gustavo, foi estratégico para se aproveitar a comoção popular em torno da morte do artista, que era muito querido do público e foi uma das vítimas fatais da Covid no auge da segunda onda da pandemia.
Senadores petistas, com apoio de um senador do PROS e outro do MDB, prepararam essa armadilha para o governo. A Lei Paulo Gustavo possibilita que o dinheiro da Cultura vá direto para os governadores e prefeitos gastarem como bem entenderem. Tira do governo federal o controle sobre a escolha dos projetos patrocinados com dinheiro público.
É muito parecido com o que foi feito durante a pandemia na área da Saúde, não por força de lei, mas por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), provocado por partidos políticos de oposição.
O STF transformou o governo federal num mero distribuidor de verbas públicas. O poder de decisão ficou com governadores e prefeitos, mesmo que o governo federal se opusesse às medidas adotadas nos estados e municípios.
Aqui vale um parênteses: os deputados e senadores de oposição gostaram de ver governadores e prefeitos sem problemas de caixa, decidindo sozinhos o destino de cada centavo do dinheiro federal e ainda com o bônus de permitir que a culpa por eventuais erros recaísse sobre o governo federal, que "não fez nada na pandemia" ou "só tentou atrapalhar".
Gostaram tanto dessa brecha, que passaram a trabalhar para tirar mais poderes do governo federal. Antes mesmo de aprovarem essa Lei Paulo Gustavo, fizeram um primeiro teste, também agora, em março.
O Senado aprovou um projeto de lei apelidado de "SUS da Educação", que, da mesma forma, tira poder de decisão do governo federal (no caso, do MEC) para decidir sobre projetos e ações para a área de Educação e dá mais poderes a estados e municípios.
O "SUS da Educação" foi aprovado no Senado e, em breve, vai para votação final na Câmara dos Deputados.
Repercussão
Apesar da euforia da esquerda e da classe artística, a Lei Paulo Gustavo, aprovada por 74 dos 81 senadores, repercutiu muito mal entre o eleitorado conservador, sempre atento às manobras parlamentares, especialmente no Senado.
Trago alguns comentários do Twitter para dar ideia de como os senadores que quiserem tentar a reeleição terão trabalho para conseguir votos este ano. O eleitor não é bobo, nem está distraído como muitos políticos pensam.
Houve quem associasse o "liberou geral" da Lei Paulo Gustavo à polêmica da semana: o filme de Danilo Gentili, patrocinado pela antiga Lei Rouanet em 2017, que está em cartaz agora em plataformas de streaming com classificação de apenas 14 anos, apesar de uma cena repugnante, que normaliza a pedofilia.
Muitos apontaram o Centrão como desarticulador da política cultural do governo federal, já que, se fossem mesmo aliados do presidente, teriam votado contra o projeto. O senador Flávio Bolsonaro, que tinha sido contra o projeto na primeira votação, depois votou a favor, não foi poupado das críticas.
Com a votação da Lei Paulo Gustavo ficou evidente, para muitos, que os partidos de Centro não são governo, apesar de haver integrantes do governo que são de partidos de Centro.
Em dezembro a ministra Flávia Arruda (PL-DF), da Secretaria de Governo, por exemplo, já havia articulado pela aprovação do projeto na Câmara à revelia do que queria a equipe da Cultura do próprio governo. O projeto passou na Câmara em dezembro e agora, em março, no Senado.
Finalizo com os questionamentos sobre a destinação que será dada à montanha de dinheiro agora liberada para cair direto nos cofres de estados e municípios, sem interferência do governo federal ou de regras definidas em leis anteriores.
Estejamos atentos a quem vier nos pedir votos, sempre lembrando como eles próprios votaram nesta e em outras vezes em que interesses de uns poucos se sobrepuseram aos interesses da coletividade. O presidente da República ainda pode vetar essa lei ou partes dela. Será que vai? As redes sociais estão fazendo pressão.
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