Marcha da Família Cristã pela Liberdade é um título que por si só não deveria gerar qualquer tipo de reação negativa num país eminentemente cristão e, até onde se saiba, ainda livre. Infelizmente o Brasil já não é mais o berço de um povo pacífico e tolerante. E também já não é mais tão livre como um dia foi.
Embora as liberdades individuais ainda estejam todas descritas e previstas na Constituição, a toda hora são atacadas seja por autoridades, por grandes empresas de tecnologia ou por militantes de correntes políticas adeptas da imposição à força de suas narrativas ou seu projeto de poder.
Isso explica, em parte, o que aconteceu na Marcha da Família Cristã pela Liberdade em Curitiba no último domingo (11), em que pessoas jogaram objetos do alto dos prédios nos manifestantes que caminhavam pacificamente na rua.
Uma senhora de 73 anos que estava na marcha foi parar no hospital com uma lesão na cabeça, ainda não se sabe se atingida por um dos objetos. E uma mulher que atirava pedras de gelo e frutas congeladas do 13º andar de um prédio foi presa por tentativa de homicídio.
Manifestação "Antifas" X Marcha da Família
Por que em plena pandemia, em maio de 2020, quando o Brasil estava entrando no pico da primeira onda de Covid, manifestantes que se autointitulavam antifas ou "pró-democracia" puderam sair às ruas e protestar à vontade contra o governo?
E por que agora, durante o pico da segunda onda, famílias cristãs foram rechaçadas por organizar marchas em defesa da liberdade? E mais do que isso: por que foram agredidas, ainda que não tenham provocado qualquer arruaça ou depredação de patrimônio? Que ideologia é essa?
Que humanidade existe em quem apoia protestos onde os manifestantes praticam vandalismo, como aconteceu no ano passado, para protestar contra um fascismo que não existe e "salvar" uma democracia que não está sob ataque? Qual a empatia de quem recrimina ou até agride famílias que estão na rua marchando de forma pacífica?
Saber do absurdo ocorrido em Curitiba nos tira da zona de conforto. Não dá mais para ficar calado. Calar é consentir. A que ponto chegou o ódio provocado pela ideologia cega! Esses defensores da divisão da sociedade ultrapassaram todos os limites. O ódio pode até matar.
Manifestações pelo Brasil
A Marcha da Família Cristã pela Liberdade aconteceu em várias cidades do país como mostram os vídeos publicados nas redes sociais. Alguns deles estão inseridos na versão desta coluna em vídeo, que você pode ver clicando no play da imagem no topo da página.
Houve muitas carreatas e até passeatas com distanciamento calculado, com pessoas marchando em fileiras e colunas, lembrando um desfile de Sete de Setembro, como aconteceu na cidade de Aquidauana, no interior de Mato Grosso do Sul.
Em quase todos os vídeos é possível ver que não havia aglomerações e que a maioria das pessoas estava de máscara. Ainda assim, como foram às ruas vestindo as cores do Brasil, o que é associado a apoio ao presidente (e também por falarem em nome da liberdade religiosa, algo que Bolsonaro defende), foram alvo de deboche e de discursos de ódio na internet.
Pior do que isso forma os ataques físicos às famílias que participaram da marcha em Curitiba. Aqui a manifestação começou com uma carreata e depois parte dos manifestantes seguiu a pé por ruas do centro e bairros vizinhos, seguindo um carro de som.
Era uma marcha tranquila até que pessoas do alto de prédios começaram a jogar tomates, ovos, pedras de gelo e objetos maiores contra quem estava na rua. Jogaram frutas congeladas sobre os manifestantes.
Não foi qualquer moranguinho, atiraram até maracujá transformado em gelo. Uma senhora de 73 anos caiu, foi socorrida com a cabeça sangrando, levada para o hospital e precisou até levar pontos.
A polícia prendeu em flagrante uma mulher que foi vista atirando um saco de gelo e frutas congeladas do 13º andar de um prédio bem em frente ao ponto onde essa senhora caiu. Agora os policiais investigam se ela foi atingida por algum desses objetos, todos jogados de uma altura de 40 metros.
Pessoas como alvo
Abro parênteses aqui para relatar uma experiência pessoal. Uma vez, voltando da faculdade a pé, fui atingida no ombro por uma pedra de gelo atirada de um prédio. Não tenho ideia de qual altura veio aquilo. Só sei que trinta anos depois ainda lembro a dor absurda que senti, como se eu tivesse sido atingida por um tijolo.
Não é preciso muito estudo de Física para saber que a força do impacto de um objeto em queda livre ao colidir com outro objeto ou com uma superfície é enorme. Se atingir alguém na cabeça pode até matar.
O advogado da mulher presa por atirar gelo e frutas congeladas sobre os manifestantes da Marcha da Família espalhou a versão de que a senhora de 73 anos pode ter tropeçado, caído e machucado a cabeça na queda. O álibi da cliente seria um vídeo filmado do alto do prédio, que não mostra nenhum objeto atingindo ninguém na rua na hora da queda.
O vídeo, de qualidade ruim, também não mostra a senhora tropeçando. Ela apenas perde o equilíbrio de repente e cai (confira na versão da coluna em vídeo no topo da página). Cabe à polícia descobrir o que realmente aconteceu.
Mesmo que a idosa tenha desequilibrado do nada ou tenha efetivamente tropeçado, seja porque se assustou com os objetos atirados do alto ou por qualquer outro motivo, ainda assim os objetos foram atirados.
Pelo que disseram os participantes da Marcha da Família em Curitiba, não foram um ou dois, mas vários objetos vindos do alto.
Ideologia cega e ódio gratuito
A questão que trago é: por que esse ódio? Qual o problema de pais com seus filhos, avós com seus netos, cristãos protestarem por liberdade? E qual o problema de protestarem durante a pandemia, se estão ao ar livre, respeitando protocolos?
Em nenhuma das cidades onde houve a Marcha da Família as manifestações estão proibidas. Por que, então, essas pessoas não poderiam mostrar nas ruas a insatisfação com uma decisão do STF que proibiu cultos e missas? Por que não podem reclamar que um direito garantido na Constituição foi ignorado?
E aqui vale lembrar que ninguém estava protestando por querer participar de cultos com igreja cheia como antes da pandemia. Também não reclamavam das restrições de uso de apenas 25% da capacidade máxima das igrejas e desde que todos os presentes estivessem de máscara, distantes entre si e seguindo os demais protocolos sanitários.
Isso tudo tinha sido aceito mesmo sendo restrições maiores do que aquelas impostas ao uso dos ônibus, por exemplo, que seguem lotados. Já falei disso em vídeo anterior. A Marcha da Família Cristã pela Liberdade era contra a restrição total à liberdade de culto.
Por que tanto ódio a quem luta por liberdade? Por que agir de forma rancorosa a pessoas religiosas que querem receber sacramentos e seguir suas práticas de fé? Protestar é legítimo, faz parte da democracia. Protestar por liberdade, então, deveria ser uma causa de todos.
Mesmo quem não concorda com essa causa específica, que acha que não tem problema nenhum proibirem cultos, porque tanto faz rezar em casa ou na igreja (esse é, aliás, o argumento mais comum e típico de quem não entende o que é uma liturgia religiosa ou não entende a força da oração coletiva), deveria respeitar quem pensa diferente.
Tentativa de homicídio
Especificamente sobre o que aconteceu em Curitiba, mesmo que a polícia chegue à conclusão de que a senhora de 73 anos não caiu por ter sido atingida por uma fruta congelada ou por uma pedra de gelo, insisto que ainda assim as frutas e as pedras foram jogadas.
Até acredito que quem atirou objetos sobre pessoas indefesas na rua, lá embaixo, provavelmente tinha a intenção apenas de dispersar a manifestação, mas assumiu o risco de atingir alguém e até de matar.
As perguntas que ficam são: vale destruir a própria vida, carregando para sempre a culpa por provocar a morte ou uma lesão grave em alguém que você nem conhece só para defender uma ideologia?
Vale chegar ao cúmulo de agredir cristãos, famílias inteiras, só porque eles vêem no presidente um aliado na defesa das liberdades? Pouco importa a motivação da marcha. É legítimo atacar os outros, porque gostam de rezar, de vestir verde e amarelo ou porque acreditam que vale a pena lutar pela liberação dos cultos?
É caso de vida ou morte? De matar ou morrer? O atentado não foi só contra a vida daquela senhora, foi contra a vida de algumas dezenas de outras pessoas que estavam ali: homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos. Foi tentativa de homicídio, como disse a própria polícia.
Na cadeia, a mulher que atirou pedras de gelo e frutas congeladas sobre manifestantes, uma psicóloga de 52 anos, militante feminista conforme fotos que postava nas redes sociais, deve estar finalmente pensando no que fez. E os que estão livres, ainda dominados por esse ódio a quem tem opiniões diferentes, quando vão parar para pensar?
Para reflexão
Termino compartilhando palavras sábias de um leitor da Gazeta do Povo, Carlos Miguel, que me escreveu um e-mail no fim de fevereiro comentando um assunto diferente, em referência ao tema de um outro vídeo que gravei. As reflexões trazidas por ele, porém, cabem muito bem aqui.
"Penso que estamos vivendo tempos difíceis, onde o mal, revestido de aparência de bem, ataca as mentes e os corações dos seres humanos. Tempos difíceis. Vamos precisar de muito valor, muita coragem para enfrentá-los."
"Parece haver no mundo um propósito de destruir tudo o que as pessoas têm como valor, quer seja seu credo, sua linguagem, seus conceitos, sua moral e sua liberdade de expressão. Sem isso, o que é o ser humano? Eu hoje não me sinto livre para expressar o que penso, mesmo sendo de forma respeitosa."
Carlos Miguel, leitor da Gazeta do Povo
É como muitos de nós estamos nos sentindo, com menos liberdade, inclusive de expressão. Já não temos liberdade para falar o que pensamos, justamente por causa da agressividade de quem tem opinião contrária, por causa dos patrulhamentos, das campanhas de cancelamento, da censura imposta pelas redes sociais e até pelo STF.
"Respeitar não deveria significar concordar. E não concordar não deveria significar desrespeitar. Sem essa liberdade como vamos perpetuar e consolidar nossos valores, nossos conceitos, já que estes, para se perpetuarem, necessitam ser manifestados diariamente, sem medo, livremente?", desabafa Carlos Miguel.
"Quando começamos a ter medo de nos manifestarmos, estamos no caminho da perda desses valores, da perda de nossas reservas morais. O medo paralisa a mente, com isso, o homem não pensa e endurece seu coração, tornando-se insensível e indiferente."
Insensível e indiferente. Eu não consigo ficar insensível aos cristãos em marcha, atacados com tomates, ovos, gelo e frutas congeladas, xingados e ridicularizados nas redes sociais.
Tampouco fico indiferente a um ataque vil, covarde e criminoso como o cometido pela militante feminista de forma gratuita contra pessoas indefesas (muitas delas mulheres, que as feministas dizem representar); pessoas que apenas caminhavam na rua em nome de um valor: a liberdade.
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