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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Família

Parte dos jovens não quer ter filhos e perde uma das mais ricas experiências humanas

Parte dos jovens não quer ter filhos e perde uma das mais ricas experiências humanas. Sem saber, abre mão, inclusive, de se permitir percorrer um belíssimo caminho de evolução pessoal, o que, por si só, provoca mudanças para melhor em toda a humanidade.

Cheguei a esse tema através de uma reportagem da revista eletrônica espanhola Aceprensa, especializada em temas de tendências sociais. O texto dizia que parte considerável dos chamados millennials não quer ter filhos. São pessoas que nasceram às vésperas da virada do milênio, nos anos 1980 e 1990, e hoje estão na faixa dos 20 aos 40 anos de idade.

E tem gente mais jovem também, nascida depois do ano 2000, que hoje está entre a adolescência e a juventude, já falando isso: “não quero ter filhos”. A revista cita uma pesquisa feita nos EUA em 2018 pela Pew Research Center com adultos entre 18 e 49 anos. 37% daqueles que ainda não eram pais disseram que pretendiam continuar assim, sem filhos. É mais de um terço de uma geração inteira.

Na Austrália o censo de 2016 revelou que 30% das mulheres entre 30 e 44 anos não tinham filhos e metade delas afirmava que não pretendia ter. É uma tendência mundial, que merece ser discutida. É ou não preocupante que de 10% a 30% dos nossos jovens simplesmente não queiram ter filhos?

A reportagem a que eu me referi começa de forma perturbadora, relatando a experiência vivida por uma mãe de 3 filhos que caminhava com eles na rua quando um homem, sem nenhuma sensibilidade, soltou uma crítica: “Você é louca. Você não tem vergonha de ter tantos filhos para serem escravos do capital?”

Além do susto dessa mãe, da surpresa com a falta de educação e a arrogância do homem, imagino também a estranheza que deva ter causado ouvir um pensamento desses, de que todo mundo que nasce vai virar “escravo do capital”!

O artigo não menciona a idade do homem que fez a crítica à maternidade, mas eu arriscaria dizer que é alguém mais velho julgando não as crianças, mas os millennials, justamente a geração que parece estar se deixando "escravizar pelo capital". Por que faço essa associação?

Em pesquisas feitas em vários lugares do mundo, um percentual muito grande dos jovens diz que filhos iriam atrapalhar os planos de ganhar dinheiro, desenvolver uma carreira de sucesso e ficar rico. São projetos de vida focados apenas no capital financeiro.

Pode ser também que o homem que se incomodou ao ver uma mulher com três crianças fosse mais jovem, ele próprio um desses que não querem ter filhos, porque focam o olhar nos problemas do planeta. Ele, no caso, estaria preso aos problemas do capitalismo, mas há outros mencionados com frequência.

Derrotismo, vitimismo, egoísmo e individualismo

Vasculhei outros veículos de imprensa, blogs e os comentários que os jovens fazem nas matérias quando o assunto abordado é esse. Há uma lista meio recorrente de justificativas para não querer deixar descendentes. Muitos dizem não querer "fabricar novos poluidores" ou "novos tiranos do planeta" ou "novas vítimas de injustiças".

É um discurso derrotista e vitimista. Derrotista, porque pressupõe que não há solução para os problemas do mundo. E vitimista, porque quem diz essas coisas está jogando toda a culpa das mazelas atuais nas gerações passadas, como se só os mais velhos fossem responsáveis por poluição, pelos excessos do capitalismo que geram injustiças, e até por governos tiranos.

Os jovens de 20 e poucos anos, ou os adultos na faixa dos 30 ou 40, são a maior parte dos eleitores. Eles têm também o poder de promover mudanças através da política, além de liberdade para consumir menos, economizando os recursos naturais do planeta e reduzindo a poluição.

Quando olham para o mundo enxergando apenas as mazelas, um lugar injusto e poluído que não merece ter novos habitantes, é como se estivessem se colocando na posição de salvadores do planeta, mas a partir do olhar de vítimas. E, assim, eximindo-se da responsabilidade de mudar suas próprias atitudes, enquanto exigem que os outros também mudem, para que as próximas gerações encontrem um lugar melhor para viver.

Não estou querendo julgar pessoas que não querem ter filhos, porque acham que o planeta se tornou inviável. Quero apenas mostrar a incoerência do discurso. Será que jovens preocupados em não ter filhos por causa dos problemas atuais do mundo alguma vez pensaram no que passou na cabeça dos avós ou dos bisavós deles, que viveram em tempos de guerras mundiais e de fome generalizada?

O que seria dos atuais millennials se os pais deles não tivessem nascido, porque os avós julgaram que o mundo pós-guerra era irrecuperável e seus filhos viriam para ser vítimas da opressão ou novos agentes de degradação? Talvez o planeta estivesse melhor do que está, mas nós não estaríamos aqui para saber.

Outra série de justificativas recorrentes entre jovens e adultos convictos a não ter filhos também é bastante preocupante, porque carrega uma carga enorme de egoísmo, individualismo e falta de altruísmo, que é justamente olhar para o próximo, sem considerar interesses particulares - algo essencial para a evolução humana.

Dizem não querer filhos, porque filho tomaria muito tempo, atrapalharia planos de viagens, não permitiria a eles "curtir a vida" ou impediria realizações como as já mencionadas, de ascensão profissional e financeira.

O discurso é até repetitivo: filho dá despesa, dá trabalho demais, dá preocupação, tira a liberdade. Para quem tem filhos dói ouvir isso, porque a maternidade ou paternidade são uma experiência única, de ganhos muito maiores que essa lista infindável de aparentes perdas.

Que viagem, balada, promoção profissional ou quantia em dinheiro permite explorar as profundezas do amor incondicional ou a capacidade de abnegação plena? Filhos não são só a ordem natural da vida, mas a chance de evolução humana.

Tirando as exceções de quem foi pai ou mãe sem planejar e não assumiu a responsabilidade, todo mundo que tem filho esforça-se para se tornar uma pessoa melhor, para que o filho tenha bons exemplos. É como se o centro da vida deixasse de ser nosso próprio umbigo e passássemos a orbitar em torno do filho, que é mais frágil e precisa de proteção, orientação e carinho. Só por causa disso, o mundo fica melhor.

De novo, quero ressaltar que não há aqui qualquer julgamento a pessoas que não querem saber de ser mães ou pais. Cada um é livre para fazer o que quiser da própria vida e precisa ter suas opiniões e vontades respeitadas. Mas reflexões como essa são importantes para que tenhamos a consciência da necessidade de trocar experiências com as gerações mais novas, de permitir que ampliem o olhar, quem sabe até reconsiderem ou reformulem ideias pré-concebidas.

Por mais que digam que o mundo está super povoado, as pessoas são resultado do grande milagre da vida e a vida humana não pode acabar, tem valor inestimável, inclusive para mudar o que está errado. A humanidade já evoluiu muito. Mesmo com todos os problemas atuais, nunca se viveu tanto e tão bem.

Quem diz que ter filhos implicaria em sacrificar o tempo ou economias tem razão. Investe-se mesmo muito tempo e dinheiro na criação e na educação dos filhos. Mas falando assim, fica parecendo que nenhum pai ou mãe tem carreira de sucesso ou uma vida pessoal feliz, o que não é verdade.

Ainda que filhos pequenos limitem a vida dos pais por alguns bons anos, a alegria de acompanhar um ser humano em desenvolvimento substitui plenamente qualquer prazer passageiro e solitário. Há relatos e mais relatos, na vida real e na internet, de pais revelando a riqueza de experimentar o amor incondicional e a satisfação de se descobrirem capazes de assumir a responsabilidade pela criação e pela educação de um novo ser.

Isso sem falar na constatação geral já mencionada acima, de que filhos nos fazem querer ser melhores para que possamos dar bons exemplos, o que permite a correção de vícios e atitudes, além da prática da paciência, tolerância e respeito pelas diferenças.

Extremismo assusta

Chega a ser assustador ver iniciativas que estimulam jovens a abrir mão de constituir uma família para usar isso como moeda de pressão sobre governos, ainda que a intenção seja boa. É o caso do movimento No Future, No Children - que significa Sem Futuro, Sem Crianças.

Original do Canadá, o movimento reúne jovens que, mesmo querendo, se comprometem a não ter filhos, a menos que seus países reajam às emergências globais. Tem mais de 10 mil inscritos com idades entre 15 e 26 anos. A ideia dessa iniciativa foi da jovem canadense Emma Lim, que se disse horrorizada com as conclusões do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Segundo a Greta Thumberg do Canadá, só vale a pena ter filhos se houver certeza de que estarão seguros. Será que não seria mais eficiente se esses jovens, em vez de apenas fazerem pressão com cara de birra, se envolvessem em iniciativas específicas, assumindo por exemplo o compromisso de abrir mão de sonhos de viagem para evitar a queima de mais combustível de avião, enquanto exigiam uma contrapartida do governo de seus países?

Falo tudo isso sem sequer entrar na discussão sobre a importância de ter filhos para resolver questões previdenciárias, que são igualmente preocupantes, já que a manutenção das aposentadorias dos mais velhos depende de jovens trabalhadores da ativa e, se não houver crianças nascendo e jovens trabalhando, não há como pagar aposentadoria a quem já envelheceu.

Também deixo de lado a alegação de que filhos podem vir a suprir carências emocionais dos pais na velhice, porque estariam sempre por perto, fazendo companhia. Se houvesse essa garantia, não haveria tanto abandono de idosos em casas de repouso.

A questão crucial é mesmo olharmos para o que pensam e dizem os mais jovens e refletirmos se não vale a pena conversar mais com eles ou melhorar o diálogo, para mostrar que abdicar de filhos significa abrir mão daquela que talvez seja a maior das experiências humanas.

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