Patrulhamento ideológico e banimentos: estamos vivendo uma Nova Idade Média? É o que me ocorre diante das recorrentes exigências da turma que se diz politicamente correta.

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A notícia, meses atrás, de que o filme E o Vento Levou tinha sido retirado do catálogo da HBO por retratar a escravidão que ocorria na época em que a história se passa, algo que hoje não é aceito, trouxe a lembrança do Index Librorum Prohibitorum – lista de livros proibidos pela Igreja Católica na Idade Média, que impedia o acesso a determinados conhecimentos, considerados perigosos pelos bispos.

Eles acreditavam que ler obras de filósofos, teólogos, pensadores, cientistas e escritores incentivaria pensamentos de protesto contra a igreja ou liberais demais para a época. Vetavam obras dos líderes do protestantismo Lutero e Calvino, mas também de Copérnico, Galileu, Darwin, Maquiavel, Voltaire, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Montaigne, Descartes, Montesquieu, Kant, Pascal, Spinoza, Rousseau, Locke, Diderot, Zola, Balzac, Flaubert, Nietzsche, entre tantos outros.

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Ainda não chegamos nesse nível de jogar tudo no mesmo balaio, mas o que temos visto acontecer na rabeira de movimentos como o Black Lives Matter e LGBTI remete mesmo a uma Nova Idade Média, com inquisidores dispersos, mas unidos no propósito de ampliar a lista de proibições para muito além da literatura.

O caso do veto recente a um dos maiores sucessos comerciais na história do cinema, por suposta complacência com o racismo, talvez tenha sido o lançamento do Index Prohibitorum padrão terceiro milênio, que inclui produtos de novas mídias, como se o ser humano de hoje não fosse evoluído o suficiente para entender um relato histórico e ver, na lembrança das atrocidades cometidas do passado, ainda mais motivos para repudiar o que é errado.

Trago duas notícias para reforçar minha tese de que o patrulhamento ideológico está impondo à humanidade um novo Index Prohibitorum: empresas estão mudando marcas e nomes de produtos, porque eles passaram a ser considerados politicamente incorretos e, na Inglaterra, a Associação Médica Britânica recomendou aos médicos evitar chamar mulheres grávidas de "mães" em respeito a transexuais que querem ser ou são mães adotivas, mas não podem gerar um filho.

Patrulhamento ideológico

Vamos por partes, começando pela censura ao filme E o Vento Levou. Se relembrar que existiu escravidão no passado, mostrando isso num filme de época, é proibido por ser ofensivo aos negros de hoje, o que dizer de filmes que mostram mulheres em condição de submissão, até de exploração sexual, ainda que pelos próprios maridos, com quem se casaram à força por ser esse o costume local ou da época?

E o que falar dos filmes, fotos, livros que mostram judeus em campos de concentração nazistas e tantas outras atrocidades cometidas contra minorias ou mesmo contra maiorias, mas com menor poder ou força, como é o caso das mulheres? Isso não é ofensivo às mulheres ou aos judeus de hoje?

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Vamos tirar todos os filmes de guerra, de costumes ou de época dos catálogos de exibição? E os filmes que mostram criminosos em ação, tráfico, consumo de drogas, nada disso é perigoso de se mostrar? Séries sobre Pablo Escobar, Al Capone, Hitler, Mussolini, Stalin, Lênin, Trótski ou filmes sobre Che Guevara, Lula, Marighela... Vamos proibir tudo?

O Index Librorum Prohibitorum já tinha uma versão pós-contemporânea com livros e autores, entre os quais Monteiro Lobato, por exemplo, esse homem de ideias inapropriadas como a de criar uma personagem negra que trabalhasse na cozinha de uma fazenda só porque isso era comum e aceito em outros tempos.

Para os censores atuais pouco importa que a personagem da Tia Anastácia fosse considerada e tratada como parte da família e retratasse um costume de época. Monteiro Lobato é censurável e a leitura de seus livros deve ser reprovada.

Quanto aos nomes de produtos, onde já se viu um fabricante americano de arroz querer homenagear um negro que trabalhava na cozinha de uma propriedade produtora e fazia uma receita maravilhosa de arroz? Uncle Ben era negro, como mostra a própria imagem nos pacotes de arroz, então não pode ser marca nem nome de produto, porque isso denigre sua imagem. Aliás, é melhor não usar o verbo denegrir, porque é preciso clarear as ideias em prol da maior aceitação das diferenças. Ou clarear também não pode ser dito, pelo mesmo motivo?

Em resumo: para a patrulha que resolveu fazer pressão sobre o fabricante de arroz, Uncle Ben não pode ser nome de marca e a imagem do cozinheiro negro Ben, chamado de "tio" não deve estar nos pacotes de arroz, porque isso de alguma forma reduz o homem que inspirou a marca do produto a um mero cozinheiro explorado pelo patrão, ainda que ele estivesse sendo reconhecido (e eternizado) como o autor de uma receita incrível que tornava o arroz maravilhoso ao paladar.

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Melhor chamar só de Ben, sem foto, e deixar esse senhor cair no esquecimento, porque vale mais ser esquecido do que lembrado como cozinheiro de uma fazenda que tinha negros na cozinha. Só para lembrar, é de esquecimento mesmo que vive o Index Prohibitorum.

Index Proibitorum Pós-Contemporâneo

A forma de falar está na lista dos patrulhadores também. Como eu mencionei antes, na Inglaterra a Associação Médica Britânica já sugeriu aos médicos não chamarem mais as gestantes de “mãe” em respeito às transexuais que querem ser ou já são mães adotivas, mas não podem engravidar. As mães que carregam seus filhos na barriga que se danem e esperem nove meses até ter o bebê nos braços para terem o privilégio de serem chamadas pelo que são!

Mundo afora há várias outras expressões sendo desaconselhadas ou proibidas por motivos diversos que se resumem ao “politicamente correto”. Eu já mudaria esse termo, porque nem sempre política é associada a algo correto, mas é melhor não falar disso também. Alguém pode querer tachar de "politifóbica" essa minha linha de raciocínio.

A língua portuguesa é forte candidata a ter o vocabulário esquartejado, com várias palavras e expressões entrando para o Index Prohibitorum por imposição da patrulha ideológica.

Esse idioma tão rico, derivado do latim, que aqui no Brasil ainda mistura termos herdados do tupi-guarani, de dialetos africanos e de línguas de outros tantos povos que imigraram pra cá, já tem verbos, adjetivos, artigos e pronomes pessoais sendo banidos de textos impressos ou digitalizados e do vocabulário falado.

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Tem um exército, pequeno, mas barulhento, tentando impor inclusive uma nova forma de falar para empurrar goela abaixo a tal da ideologia de gênero, que vai contra tudo o que diz a Ciência. Ciência, aliás, que essa turma diz tanto prezar, ao menos nos embates online durante a pandemia de Covid-19.

Mas essa parte, a da linguagem proibida ou modificada para agradar certos grupos minoritários que querem se impor à força ou à base do grito, prefiro deixar para comentar outro dia, porque rende um artigo à parte.

Na contramão das proibições, libertinagem

Antes de encerrar a análise de hoje quero lembrar que os apoiadores dessa Nova Idade Média não estão preocupados com a moral, os bons costumes, o respeito ao ser humano e a convivência pacífica entre as pessoas, caso contrário não seriam adeptos de uma lista cada vez maior de liberações.

Em nome da liberdade de expressão absoluta essa lista inclui libertinagem explícita, como o famoso “golden shower” no carnaval, que nada mais é do que uma tara homossexual anti-higiênica e de extremo mau gosto.

Inclui, também, o desrespeito às religiões, como no “especial de Natal” do Porta dos Fundos que mostra um Jesus Cristo homossexual ou na cena da feminista enfiando um crucifixo nas partes íntimas em público durante um protesto.

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Isso sem falar nos espetáculos "artísticos" em que atores nus são expostos e ficam à disposição do púbico para serem tocados, inclusive por crianças; ou em filmes como Lindinhas, da Neflix, que explora meninas de 11 anos em cenas sensuais e até eróticas, destinadas a público adulto, para supostamente mostrar os riscos do aumento do interesse de adultos por sexo com crianças graças à erotização precoce.

É ou não é uma Idade Média às avessas, uma regressão a tudo que a humanidade evoluiu desde então? Participe do debate dizendo nos comentários se você está confortável com o patrulhamento sobre alguns livros, filmes, empresas, marcas de produtos e até expressões da língua, enquanto vê a liberação generalizada de cenas de atentado ao pudor na rua, em museus e outros espaços públicos.

De quem deveríamos cobrar o respeito às liberdades de escolha do que vamos ler, ver ou falar e a definição dos limites à liberdade de expressão? Deveria haver limites ou só restrição de idade para acesso a determinados conteúdos em espaços públicos ou plataformas de exibição?