| Foto:

O pico da pandemia já passou. Foi em maio, segundo registros de óbitos por Covid-19 nos cartórios brasileiros. Eu sei que você cansou de ver notícias recentes de que a doença estava fazendo mais de mil vítimas fatais por dia no Brasil. Os números repassados pelos secretários de saúde dos municípios às secretarias dos estados e, destas, para o Ministério da Saúde, falavam em 1,1 mil mortes diárias; 1,2 mil até 1,4 mil.

CARREGANDO :)

Só que isso não aparece nas estatísticas oficiais dos cartórios de registro civil, onde são registrados os óbitos. Pegando os cartórios como referência vemos que há algo errado nas informações que nos passam todos os dias: o pico de mortes da pandemia já ficou para trás faz algum tempo.

Essa fonte não tem como questionar, porque, com rara exceções, se a morte não for registrada em cartório, onde é emitida a certidão de óbito, a família da pessoa que morreu não pode fazer o enterro ou a cremação do corpo.

Publicidade

Antes de mais nada é preciso reforçar uma explicação fundamental. A imprensa divulga esses números de mil e poucos mortos por dia, porque são os dados oficiais constantes no portal do Ministério da Saúde, onde se contabiliza a soma das notificações de mortes repassadas pelos estados a cada dia.

Só que tem cidades e estados mais organizados, que conseguem levantar os números diariamente, e outros que demoram para confirmar as mortes, atualizar a estatística e, quando fazem isso, informam mortes ocorridas ao longo de vários dias seguidos - um pacote inteiro de informações, às vezes referentes a até mais de uma semana.

Na planilha do Ministério da Saúde, que qualquer um pode acessar buscando por Coronavírus Brasil (e você pode conferir clicando aqui), os números são atualizados por data de notificação.

Assim, se uma cidade passar quatro dias sem informar nada e depois, num único dia, disser que houve 80 mortes, por exemplo, o site e o aplicativo do Ministério da Saúde jogam essas 80 mortes na data em que a informação chegou. Vai parecer que nos dias anteriores ninguém morreu e no dia tal, de repente, houve 80 mortes.

Para conferir como os números informados por estados e municípios são diferentes das mortes efetivamente ocorridas a cada dia basta olhar o portal da transparência Covid-19 dos cartórios. Vou pegar a data de quarta-feira, 29 de julho como exemplo.

Publicidade

Nesta data o Ministério da Saúde recebeu dos estados a confirmação de mais 921 mortes, não necessariamente ocorridas na quarta-feira. No portal da transparência dos cartórios de registro civil do Brasil, que você também pode achar facilmente na internet buscando por mortes cartórios (ou clicar direto aqui), no dia 29 de julho foram registrados 304 óbitos por suspeita ou confirmação de Covid-19. É um terço das que tinham sido notificadas naquele dia ao Ministério da Saúde. *Veja atualização desses dados no fim do texto.

Como eu disse no começo do artigo, nesta análise optei por usar como base apenas os óbitos registrados em cartório, porque ali não tem confusão: a pessoa morre, o parente pega o laudo médico com a causa da morte e vai no cartório fazer o registro.

Pico da pandemia no Brasil

Ninguém fala disso, mas o pico da pandemia no Brasil já passou, foi em maio. Pelo menos é o que aparece no gráfico do portal da transparência dos cartórios, que tem um painel só com o registro de mortes por suspeita ou confirmação de Covid-19.

Reprodução da tela do portal da transparência dos cartórios de registro civil em 31/07/2020

Clicando por data específica no gráfico aparece que no começo de maio eram registrados por dia entre 630 e 650 novos óbitos. O número foi subindo até chegar ao ponto mais alto, no dia 25 de maio, quando os cartórios registraram a morte de 997 brasileiros com Covid-19. Veja que não chegou a mil.

Publicidade

Nos cartórios de registro civil em nenhum dia desde o início da pandemia foram registrados mais de mil óbitos. O recorde foi 997 mortos no dia 25 de maio. Depois esse número começou a cair.

No site dos cartórios de registro civil a curva mostra que nas duas últimas semanas de maio e na primeira semana de junho morreram todos os dias por Covid-19 mais de 900 pessoas. Depois a queda é gradual; pequena, mas gradual.

Na segunda e terceira semanas de junho houve o registro diário de mais de 800 mortes (entre 800 e 900). No fim do mês de junho caiu mais um pouco, para a faixa entre 700 e 800 mortes diárias. E ficou assim por mais 3 semanas até a metade de julho.

Desde o dia 22 de julho a queda passou a ser mais acentuada, com 600 e poucos registros de óbitos por dia; depois 500 e poucos; 400 poucos... Em uma semana, no dia 29, já estava em 304. *Veja atualização desses dados no fim do texto.

Ao longo dos últimos meses surgiram muitas hipóteses e até denúncias de que o número de mortos por Covid-19 foi superestimado por alguns governantes para justificar a compra de equipamentos e a construção de hospitais de campanha. Não há comprovação disso, mas já se sabe de desvios de verbas públicas durante a pandemia; já existe até ex-secretário de saúde preso e prefeitos e governadores ameaçados de impeachment.

Publicidade

Leia Também: Covid-19 nas capitais e o caso de Belém do Pará, sumindo do ranking das campeãs

Contradições nos números de mortos

Fato é que nem o total de mortes por Covid-19 registradas em cartório bate com os dados informados ao Ministério da Saúde e registrados no boletim oficial, em que a imprensa costuma se basear. Pelo boletim, o Brasil já superou a marca dos 90 mil mortos. Nos cartórios, de 16 de março (data da primeira morte confirmada pela doença no país) até esta quarta, 29 de julho, foram 83.561 óbitos. A diferença é de 6,5 mil mortes!

6,5 mil corpos não se escondem por aí. A diferença pode estar na chamada causa mortis. Estados e municípios podem realmente ter informado ao Ministério da Saúde que milhares de pessoas que morreram por outros motivos tiveram Covid-19 e faleceram em consequência da doença, sendo que não foi esta a causa real apontada pelos médicos que emitiram os laudos usados pelos cartórios como referência para emitir os atestados de óbito.

Chego a esta hipótese após analisar outras estatísticas dos cartórios, as que apontam as mortes por doenças diferentes e até por causas indefinidas. Veja que curioso: do ano passado para cá caíram as mortes por infarto, AVC, insuficiência respiratória... Será que está mesmo morrendo menos gente de problemas cardíacos e respiratórios do que antes ou as estatísticas dos últimos anos se mantêm, mas como esses doentes contraíram coronavírus, a causa mortis registrada foi Covid?

O que chama especial atenção é o gráfico das mortes por pneumonia. No portal diz que em 2019 (de 16 março a 29 julho) morreram de pneumonia no Brasil 90.052 pessoas – número praticamente igual ao das vítimas de Covid. Esse ano, no mesmo período, a pneumonia fez 30% menos vítimas fatais: 61.227 pessoas. É no mínimo estranho que, de um ano para o outro, de repente, a diferença de pessoas que morrem da mesma doença seja tão grande.

Publicidade

Pessoalmente não acredito que este ano esteja sendo diferente dos anteriores em relação à pneumonia. Como falei antes, é possível que o número de pessoas que tiveram a doença no primeiro semestre de 2020, e morreram por isso, seja mais ou menos parecido com o do ano passado, só que este ano contraíram também o coronavírus, que acabou sendo apontado como o causador da morte.

Deixo as conclusões para você, mas gostaria de saber sua opinião. Você confia nas estatísticas do cartórios, que emitem os atestados de óbito, ou apenas nos números das secretarias municipais e estaduais de saúde, que abastecem a planilha do Ministério da Saúde?

Acha que o pico da pandemia foi em maio; depois passamos pelo chamado platô em junho e comecinho de julho e, agora, já estamos vendo a curva de mortes cair? Ou olha para o número de mil mortes por dia, como se estivéssemos, agora, no pico da pandemia?

Não é uma questão de ser negacionista, como virou praxe dizer por aí, mas de ser realista. Eu acredito nos registros oficiais dos cartórios.

*Atualização: os cartórios têm um prazo de até 14 dias para informar sobre os registros de óbito à central que atualiza o portal da transparência. Passados 14 dias, os registros de óbito do dia 29/07, mencionado no artigo, subiram de 304 para 802. Apesar do aumento significativo, a tendência da curva não mudou, seguiu em queda. A análise sobre o pico de mortes da pandemia em maio também se manteve, embora os dados consolidados de julho mostrem que, na segunda quinzena do mês, houve uma segunda onda de registros próximos aos números de maio (entre 800 e 900 mortes diárias).

Publicidade