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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Protestos contra lockdown

Protestos contra lockdown: as pessoas não aguentam mais trabalhar escondido

Protestos contra lockdown se espalham pelo mundo e também pelo Brasil. É protesto de todo tipo: desde o uso de hashtags para tornar o assunto visível nas redes sociais, vídeos com denúncias viralizando em aplicativos de mensagens, pressão sobre os políticos até carreatas e manifestações de rua em frente à casa de governadores e prefeitos e, agora, também em Brasília.

No meio de tantos relatos de absurdos vividos por gente que precisa sair para trabalhar um me chamou especial atenção nos últimos dias. É o relato em vídeo publicado no Facebook pela pedagoga Grace Klayn, dona de uma pequena escola em Curitiba que atende 70 famílias.

Ela está se desdobrando para tentar seguir prestando algum atendimento às crianças, que são muito pequenas, não conseguem acompanhar aulas online. No vídeo, controlando o choro, Grace conta que toda semana prepara kits de atividades para os pais fazerem com os filhos.

O problema é que faltou material de papelaria e, como isso é considerado “não essencial”, está tudo fechado. Ela teve que ligar e implorar para que um conhecido vendesse escondido. Depois gravou o desabafo indignada, porque, claro, eles não são criminosos, mas estavam se sentindo assim.

É uma entre centenas de milhares de histórias que se acumulam pelo país. Uso este exemplo para mais uma vez falar de liberdade e direitos, previstos na Constituição, que não estão sendo respeitados. E para falar da reação das pessoas que parecem ter chegado ao limite da paciência.

Prisões arbitrárias e PM em surto

Em vídeo recente mostrei o caso do comerciante de Ribeirão Preto que foi parar na cela de uma delegacia depois de abrir a loja em pleno lockdown. Ele só saiu de lá porque um juiz mandou soltar alegando que a prisão era ilegal, já que o país, embora enfrente uma pandemia, não está em estado de sítio.

Quantas outras prisões arbitrárias já não vieram a público? Esta semana a gente viu da pior forma possível o que está acontecendo na outra ponta dessa linha: o estresse dos PMs e guardas municipais. Eles, que já vivem uma rotina desgastante, porque lidam com criminosos e infratores o tempo todo, agora estão sendo obrigados a tratar como bandidos pessoas inocentes, que estão na rua tentando ganhar algum dinheiro para sobreviver.

Antes que me acusem de ter dito o que eu não disse, preciso esclarecer que não estou pregando o desrespeito às regras sanitárias, aos cuidados necessários para evitar o contágio e a disseminação de um vírus que está em circulação e mata.

Estou falando que a maior parte dessas pessoas que saem de casa para trabalhar não tem salário garantido no fim do mês, mas tem contas para pagar. E mais do que isso: só conseguem levar comida para casa se ganharem algum dinheiro durante o dia com o trabalho que estão acostumadas a fazer. É o famoso “trabalha de manhã para pagar o almoço e, à tarde, para pagar o jantar”.

É claro que entre pessoas que saem para trabalhar muitas podem estar ajudando a propagar o vírus sem saber que estão doentes, porque são assintomáticas. Todo mundo sabe que ônibus, metrô e trens urbanos estão entre os locais de maior risco de contágio e trabalhador, em geral, usa o transporte coletivo.

A questão é que usando máscara, álcool em gel, evitando colocar as mãos no rosto enquanto está no ônibus, evitando conversar com outras pessoas, deixando as janelas abertas, ninguém está desrespeitando as regras e a chance de contágio é menor.

Quanto à lotação dos ônibus me parece claro o que deve ocorrer: basta fiscalização. Se há algo errado em sair para trabalhar, a culpa não é da população, usuária do transporte coletivo, mas dos responsáveis pela quantidade de ônibus em circulação e pelo controle do número de pessoas dentro deles.

Voltando ao estresse dos policiais... A essa altura ainda não é possível saber se aquele o caso do PM Wesley Soares, da Bahia, vai provocar alguma mudança na postura de governantes que têm colocado a polícia contra a população. O que sabemos é que a população não aguenta mais e decidiu protestar contra tanta arbitrariedade.

Protestos e manifestações

No mesmo dia do surto do policial baiano, que começou a dar tiros para o alto dizendo que não obedeceria mais às ordens de prender trabalhador e acabou morto por colegas de farda (numa ação que precisa ser melhor apurada), ficamos sabendo de uma peregrinação de comerciantes e empresários indo protestar em Brasília por liberdade para trabalhar.

Não me parece uma mobilização grande, ao menos pelos vídeos que circulam no YouTube, mas foi algo organizado, que demandou custos de viagem e contratação de carro de som. Isso quer dizer que pessoas que ainda têm economias estão indignadas o suficiente para bancar viagem a Brasília para protestar diante do Congresso Nacional.

Não faz nem duas semanas que houve manifestações e carreatas gigantescas em várias cidades contra as políticas de lockdown. Agora as pessoas decidiram ir até a capital federal. "A última gota d’água do Brasil vai tar chegando aí, pessoas da Bahia, de Pernambuco, de Brasília, de Goiás," diz o empresário que se identifica como Jackson Vilar num vídeo que circula no WhatsApp.

"Chega. Não aguentamos mais essa palhaçada no nosso país. Olha só como que tá meu estoque, como é que tá a parada aqui. Minha loja fechada, aluguel vencendo, conta chegando. Não vem ajuda de governo, só vem vagabundo pra me multar, pra me ferrar."

Jackson Vilar, empresário

No vídeo o empresário mostra o mezanino da loja abarrotado até o teto de produtos que não pode vender. É por liberdade que ele e muitos outros foram a Brasília.

Foi também para pedir liberdade que a dona da escolinha de Curitiba que mencionei no começo desse artigo gravou o vídeo de desabafo. Você pode conferir trechos dos relatos dela e do empresário Jackson Vilar clicando no play da imagem no topo da página, mas segue um resumo.

"Parece eu eu estava comprando droga", diz empresária

O desabafo da pedagoga Grace Klayn reverberou em milhares de pessoas não apenas por empatia. Muitos compartilham do mesmo sentimento: estão fazendo sacrifícios imensos e tendo que abusar da criatividade para tentar driblar a fiscalização municipal e arrumar um jeito de seguir trabalhando. Sentem um misto de estresse, medo e raiva.

"A gente tá trabalhando como se estivesse comentendo um crime", diz ela no vídeo ao relatar que combinou com o dono de uma papelaria de comprar escondido um produto que faltava para o kit de atividades que precisava enviar aos alunos da escola na semana passada.

"A que ponto nós chegamos. A que ponto! Onde não se pode trabalhar, onde não se pode comprar um produto. Gente, parece que eu tava comprando droga! Eu tô indignada, porque se vissem ele vendendo produto pra mim ele pode ser multado. Sabe o que é pior? É o sustento da casa dele. Sabe o que é pior? É que a minha escola sustenta a minha casa e a minha família. E a gente tá trabalhando como se a gente tivesse cometendo um crime!"

Grace Klayn, empresária curitibana, em vídeo no Facebook

Não à toa memes que circulam nas redes sociais escancaram a incoerência das medidas restritivas. Um deles diz: “Brasil, país onde o comerciante trabalha como se tivesse uma boca de fumo e tem boca de fumo funcionando a todo vapor como se fosse comércio legal”.

Parece piada de mau gosto, mas há fatos reais confirmando isso. Nos morros do Rio de Janeiro a polícia está impedida de fazer operações por determinação do ministro Edson Fachin, que depois foi confirmada pela maioria dos outros ministros do STF. E todos sabem quem dita as regras comerciais nas favelas cariocas, inclusive o comércio de drogas, que funciona livremente quando não há policiamento.

Pelo Brasil inteiro pessoas honestas, que pagam impostos, garantem caixa para os governos pagarem salários dos funcionários públicos, estão presas em casa, impedidas de trabalhar. Enquanto isso traficantes e bandidos de todo tipo estão à solta.

Quase não se ouve mais falar de operações policiais contra criminosos, mas a toda hora somos surpreendidos por notícias de pessoas comuns presas por descumprir decretos de lockdown.

A dura realidade

Estamos num momento especialmente desafiador. Em março de 2021 completamos um ano de pandemia no Brasil. E mesmo com todas as medidas restritivas reeditadas meses a fio, esta é a pior fase de contágio em boa parte do país.

A variante do vírus que está agora circulando com força no Sudeste e no Sul é muito mais perigosa e está fazendo muito mais vítimas. Há mais pacientes em estado grave, hospitais lotados e, infelizmente, mais gente morrendo. Precisamos nos cuidar sim. Nunca é demais lembrar isso.

Uma coisa, porém, precisa ficar clara para todo mundo: quem sai de casa para trabalhar não é criminoso. Bandidos são aqueles que foram soltos aos milhares por ordem do Judiciário para evitar o risco de contraírem Covid na prisão. Soltaram inclusive os do colarinho branco, mesmo sem a desculpa de serem de grupos de risco.

Já a população de bem está praticamente encarcerada em casa, mas cansou de aceitar tudo calada, está se manifestando do jeito que consegue: gravando vídeos, mandando mensagens para vereadores e deputados, porque eles são os fiscais de prefeitos e governadores e precisam fazer sua parte contra abusos de autoridades e ataques às liberdades individuais.

Os protestos endereçados a parlamentares pedem também para que eles cobrem ação do Ministério Público. Ninguém mais aguenta ver as medidas restritivas sem fim e nada de redução nos índices de contaminados, com o número de mortes sempre crescente.

Promotorias de Justiça e tribunais de Contas precisam exigir dos governantes comprovação do que foi feito com o dinheiro repassado pelo governo federal, em caráter emergencial, para que os estados e prefeituras pudessem preparar os serviços de saúde para atender mais gente. Por que não funcionou?

A população em geral entende a necessidade de proibição de aglomerações e de fiscalização sobre o cumprimento de medidas sanitárias, mas quer contrapartidas, não aceita mais imposições e restrições que impeçam as pessoas de viver.

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