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Cristina Graeml

Cristina Graeml

Pandemia

Quem sai de casa para pegar cesta básica está promovendo aglomeração ou tem fome?

Trecho da fila de 2km para pegar doação de cestas básicas em loja de carros de São Paulo (Foto: Reprodução TV Globo)

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Na semana passada recebi um vídeo perturbador. Foi gravado em São Paulo no dia 23 de maio, um sábado, pela amiga de uma amiga. A gravação, feita de dentro de um carro em movimento, acompanha uma fila ao longo de quadras e mais quadras. É gente à espera de uma cesta básica.

A mulher que filma e o marido dela, que dirige o carro, não aparecem, mas a conversa entre os dois revela um misto de incredulidade e tristeza. A moça termina o vídeo chorando. Guardei o registro para trazê-lo para cá no momento oportuno e esse momento chegou agora, quando recebi outro vídeo, complementar ao primeiro.

Mas volto àquele do registro da fila, que parecia não acabar, ao longo da Avenida Engenheiro Caetano Álvares, na Casa Verde, zona Norte da capital paulista. O casal do carro sabia que tratava-se de uma entrega anunciada de cestas básicas, arrecadadas por um grupo de empresários.

Ao comentar o que estão vendo, marido e mulher pensam na dificuldade que as pessoas da fila vêm enfrentando. É o que qualquer um pensaria, certo? Eram milhares de pessoas, afinal, todas esperando pacientemente por... comida! Segundo o empresário que promoveu a ação foram distribuídas 7 mil cestas básicas.

Fila apareceu na TV

A cena, claro, virou um fato jornalístico. Surpreendentemente o destaque não foi para a ação solidária promovida pelo dono de uma loja de carros ou para a quantidade de cestas que ele conseguiu arrecadar. Houve destaque para o tamanho da fila, sim, mas sequer mencionaram a verdadeira notícia por trás daquele fato: há milhares de brasileiros famintos nesse momento em que o medo do contágio do coronavírus paralisou as atividades econômicas, impedindo as pessoas de trabalhar.

A manchete dos telejornais e a narração dos apresentadores foi: “distribuição de cestas básicas provoca fila de 2 quilômetros e aglomeração na Zona Norte de SP”. Aglomeração!

A fila realmente não tinha o distanciamento recomendado de dois metros entre as pessoas, como nos supermercados, onde clientes com barriga cheia compram mantimentos para abastecer suas despensas. Mas ninguém estava aglomerado, espirrando na cara do outro. As imagens mostram que a imensa maioria das pessoas na fila está de máscara e espera pacientemente pela sua vez de pegar aquela doação tão necessária.

Publico o vídeo aqui para que você mesmo possa ver a cena e imaginar se narraria aquilo comentando a "promoção de aglomeração" ou, como fez a narradora do vídeo que recebi, espantado com a quantidade de gente que já sentiu o impacto da falta de emprego e busca ajuda para matar a fome de toda a família. Alerto que o vídeo é meio longo, mas recomendo que seja visto até o final para você perceber o que acontece com a mulher que filma.

Aparentemente ela queria mostrar a fila inteira, mas depois de algumas quadras vendo gente que não acaba mais à espera de alguns quilos de arroz, feijão, macarrão, farinha, sal, café e açúcar, vai sendo tomada de tristeza e encerra a filmagem em lágrimas, o que se percebe pela voz.

O outro vídeo

Como eu disse, salvei o vídeo da fila de gente à espera de cestas básicas e fiquei digerindo aquela informação visual por dias. O tom de acusação dos telejornais, destacando que aquelas pessoas na fila estavam “promovendo aglomeração e possivelmente propagando o vírus”, também ficou em processo de digestão, até que recebi o segundo vídeo, vindo de um amigo que mora nos Estados Unidos.

Sim, já está rodando o mundo esse segundo vídeo, agora com destaque para a ação solidária de um grupo de amigos, empresários brasileiros; para a alegria deles na ponta inicial daquela fila; e para o relato de quem se emociona por ter a oportunidade de fazer o bem, ajudando milhares de famílias que passam por necessidade em plena pandemia.

Ah, as maravilhas da internet e das redes de compartilhamento de informação! Com uma diferença de dias recebi a notícia da fome e vi a emoção de quem não se acomoda apontando o dedo acusatório para os outros. Ao invés disso, olha para a dor alheia e faz o que está ao seu alcance para amenizar o sofrimento dos menos favorecidos.

Não vou descrever esse segundo vídeo. De novo vou te pedir para assistir. Está logo abaixo. Clique nele e ouça o próprio empresário explicando por que decidiu promover a ação, o que descobriu ao abrir as portas da loja de carros para começar a entrega, como convenceu mais gente a doar alimentos e a quantidade arrecadada.

Preciso dar um spoiler: ele também vai às lágrimas, num misto de tristeza, relembrando a conversa com uma senhora no início da fila, e de emoção, por ter rezado pedindo que mais gente entrasse na corrente de doações e ter sido atendido.

Termino o artigo lembrando que todos podemos ajudar alguém que esteja em necessidade, não precisa nem ser com grandes ações. Eu, como tenho tido o privilégio de poder trabalhar em casa, estou destinando o dinheiro que gastava com combustível a doações. Já ajudei a Santa Casa de Curitiba e venho fazendo depósitos regulares para compra de comida e materiais de limpeza para a comunidade carente vizinha à escola do meu filho, uma campanha desenvolvida pelo próprio colégio.

Fique atento aos pedidos que chegam pela sua rede de contatos, whatsapp, e-mail... Ou pesquise junto à igreja mais próxima ou às entidades assistenciais da sua cidade e descobrirá quem e como ajudar. Inspire-se no exemplo dos amigos e empresários paulistanos, que se uniram e transformaram uma loja de veículos de São Paulo numa grande central de arrecadação e entrega de alimentos para pessoas que passavam fome.

Lembre-se que fome também mata, mas solidariedade contagia tanto ou até mais que o coronavírus!

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