O avanço sobre a liberdade de expressão no Brasil está tão acelerado, a situação da volta da censura a partir do Judiciário, que deveria defender os direitos garantidos na Constituição, são tão surreais que agora até a Justiça eleitoral resolveu decidir o que os brasileiros podem ou não falar.
A censura, claro, veio de forma sutil, disfarçada de defesa da democracia. Foi como se os juízes eleitorais dissessem assim: “Somos defensores da democracia, então, para proteger a sociedade, censuramos aquilo que nós achamos que não está adequado”.
E o que a Justiça eleitoral acha que não é adequado? O eleitor questionar o sistema eleitoral brasileiro, pedir mais transparência no processo de captura eletrônica dos votos e na leitura desses votos; no caminho do voto até o já desacreditado boletim de urna.
Você pode estar com a sensação de estar lendo algo repetido, mas não. Este é um novo artigo, mais um focando no mesmo tema, o dos ataques à liberdade de expressão, porque este sim, o tema, infelizmente anda repetitivo.
No texto que se segue analiso a multimplicação dos censores do século XXI, que estão ultrapassando todos os limites, indo contra a Constituição e destruindo, eles próprios, os maiores pilares da nossa democracia: a liberdade de expressão, a vontade popular e eleições transparentes.
- Leia mais: Convicções Gazeta do Povo - Liberdade de expressão
TSE determina desmonetização de canais conservadores no YouTube
A notícia que motivou esse artigo (com versão em vídeo que você pode acessar no topo da página) veio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma esfera da Justiça que quase nenhum país adota. Além do Brasil só se tem notícias de tribunal eleitoral na Costa Rica.
Esse braço do Judiciário, criado teoricamente para cuidar de eleições, consome quase um bilhão de reais por ano, mesmo quando não há eleição. É dinheiro que paga salários de servidores ativos e aposentados, prestadores de serviços, contas de água, luz, telefone, internet, material de limpeza, de escritório, além, claro, das muits mordomias que rondam os tribunais.
Como esta Corte eleitoral é composta por alguns ministros do STF, parece que a censura imposta a conservadores por integrantes do Supremo (e que foram sendo ignorados pelo Senado, que deveria por freios em juízes quando eles extrapolam suas funções) inspirou agora o TSE. A Justiça eleitoral importou a forma arbitrária e inconstitucional de atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Tal qual fizeram ministros do STF, agora juízes eleitorais, que no TSE também têm status de ministros, estão tentando legislar e atuar como acusadores e não, como julgadores que efetivamente são (julgadores eleitorais, no caso).
O corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, deu ordem para uma empresa privada, o YouTube, punir produtores de conteúdo, usuários da plataforma, por suposta divulgação de notícias falsas. A grosso modo, é uma forma de censura, mas vale detalhar alguns aspectos da decisão estapafúrdia, que deixou incrédulo o mundo jurídico.
A primeira coisa a considerar aí é que não existe o crime de fake news no Brasil. Estão atribuindo falsidade a opinião, o que jamais deveria ser feito, afinal, em se tratando de opinião, cada um tem a sua verdade. A segunda consideração importante é que, no despacho que pede a desmonetização dos canais, o ministro Salomão não faz menção a nenhum vídeo em específico.
Isso significa que os donos de canais, por acaso todos influenciadores digitais conservadores que ousaram publicar ou comentar vídeos questionando o sistema eleitoral brasileiro, vão ter 100% do conteúdo já publicado desmonetizado. É, para dizer o mínimo, injusto que todos os vídeos sofram punição, porque um ou outro pode ter divulgado alguma notícia que o TSE considerou falsa.
Censura e ditadura
Se você é daqueles adeptos da tirania, que estão aplaudindo todas essas decisões absurdas vindas de cortes superiores, dizendo que esses canais precisam mesmo ser punidos, silenciados, pouco importa se tenham cometido algum crime (ou mesmo se a ordem partiu de quem não tem competência para fazer isso) pode abandonar a leitura por aqui, porque vou questionar essa aberração jurídica e defender a liberdade de expressão.
E não adianta dizer que é um exagero criticar a ordem do TSE, porque ninguém foi censurado, apenas desmonetizado. A decisão foi, sim, censura; uma tentativa clara de calar vozes que questionam, de impor um pensamento único. E de impor medo, impedir o debate, interditar todas as discussões.
O que o TSE fez foi fingir que não estava censurando ninguém, que a democracia não foi atingida e que as instituições estão funcionando, para disfarçar a tirania. Deixou que os canais continuem no ar, mas asfixiou sua fonte de receitas, que paga todos os profissionais envolvidos na produção de conteúdo.
Ao menos por enquanto o Tribunal Eleitoral não mandou mesmo o YouTube apagar vídeos ou retirar os canais do ar. A grande questão é que, ao determinar a suspenção da monetização, cortou o salário, o meio de vida dos produtores de conteúdo que ousaram questionar a fragilidade do nosso sistema eleitoral.
Sem a remuneração gerada pelos vídeos essas pessoas precisam usar seu tempo em outro serviço para garantir o próprio sustento. Assim, não terão mais como passar o dia escrevendo roteiros, gravando, editando e publicando vídeos de opinião.
É ou não é uma tentativa flagrante de calar as vozes que trazem perguntas inconvenientes sobre urnas eletrônicas, nas quais parte considerável da população já não confia mais? Se isso não foi censura, o que seria?
Questionamentos sobre o sistema eleitoral são antigos
É importante lembrar que tudo isso começou em 2014 quando eleitores e até partidos políticos levantaram suspeitas sobre a reeleição da ex-presidente Dilma, depois de uma apuração em que a curva de desempenho da candidata do PT de repente mudou e assumiu um padrão impossível de se explicar no universo das estatísticas.
Vários profissionais, tanto da área de estatística quanto de processamento de dados e análise de sistemas, passaram a estudar aquela eleição e a publicar vídeos divulgando seus estudos e questionando a segurança do sistema eleitoral brasileiro.
Se esses vídeos continuam no ar, ninguém foi censurado e desmonetizado por causa deles ou sequer classificado como produtor de fake news, por que influenciadores que repercutiram as teses dos pesquisadoras agora são perseguidos? A resposta é política, todos sabemos.
Voltando às dúvidas (legítimas) do eleitor... Em 2018, surgiram muitas outras suspeitas e questionamentos, além de mais e mais especialistas em tecnologia da informação e desenvolvimento de sistemas eletrônicos explicando que é possível, sim, programar um equipamento para, por exemplo, apresentar um padrão específico de resposta a qualquer clique.
Esses vídeos e denúncias foram resgatados pelo presidente Jair Bolsonaro recentemente, porque ele vinha falando de suspeitas de manipulação das urnas eletrônicas e, como foi pressionado pelo STF a apresentar provas do que dizia, trouxe tudo à tona numa live.
Dias depois, em entrevista ao programa Pingos Nos Is da rádio Jovem Pan, apresentou, junto com o deputado Felipe Barros (PSL-PR), que era relator da PEC do voto auditável na comissão especial da Câmara dos Deputados, um inquérito até então sigiloso da Polícia Federal, que investiga uma invasão hacker no sistema do TSE em 2018.
Não por acaso foram essas informações passadas pelo presidente, que os influenciadores digitais agora perseguidos pelo TSE divulgaram. Conforme dito acima e já compreendido por qualquer cidadão que não feche os olhos às evidências, as decisões do Judiciário tem fins políticos.
Voto impresso auditável
Já escrevi artigo falando sobre voto impresso auditável. Não cabe aqui, portanto, voltar às dúvidas que pairam sobre o sistema eleitoral brasileiro nem falar sobre as três leis implantando o voto impresso no Brasil, aprovadas por maioria absoluta dos deputados num passado recente.
Vale lembrar, porém, que muitos desses deputados mudaram de opinião quando o assunto voltou a ser discutido no Congresso e, do nada, passaram a achar que as urnas são 100% seguras e que a discussão sobre a necessidade de voto impresso auditável era desnecessária.
Também não preciso me estender lembrando que ministros do STF praticaram ativismo político explícito quando se reuniram com líderes de partidos na Câmara dos Deputados. E que, depois disso, os partidos substituíram integrantes da comissão especial que analisava o voto impresso, afastando deputados favoráveis à ideia e deixando em seus lugares apenas deputados contrários.
Outro episódio que dispensa detalhamento, até porque segue fresco na memória do eleitor, é o teatro promovido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, levando a votação da PEC do voto impresso auditável a plenário, mesmo depois de ela ter sido derrotada na comissão especial.
Com isso fez parecer que a vontade da população seria respeitada, já que parte considerável dos eleitores pedia o voto impresso auditável. O plenário todo, que representa o povo, seria ouvido, afinal. A votação no plenário, porém, foi feita de forma assoberbada para que não houvesse tempo de discutir melhor o assunto, que já estava tão contaminado por manobras inconstitucionais de ministros de cortes superiores.
Mesmo tendo maioria de votos, a PEC foi derrotada, porque precisava ter a aprovação de dois terços dos deputados, o que, obviamente, demanda tempo, debate, ouvir especialistas, ouvir a polícia, que investigava o ataque hacker, e nada disso ocorreu. Não à toa a população seguiu falando do assunto que a Câmara tentou enterrar.
A decisão recente do TSE veio, então, para calar essas vozes insistentes, que não desistiram de defender a democracia, por isso continuavam pedindo eleições mais transparentes. E, como se não bastasse a desmonetização de canais conservadores, a Justiça eleitoral veio com outro anúncio “estratégico” na sequência.
Ao convocar representantes do YouTube e de redes sociais para uma reunião para definir “normas de uso” das plataformas em 2022, o TSE deu a entender que sequer pretende permitir aos brasileiros falarem de política em seus perfis e canais em ano eleitoral. É censura pesada sendo proposta já para o ano que vem, ataque explícito à liberdade de expressão.
Senado pode reagir à censura
A censura foi tão absurda que alguns senadores já se movimentam para pressionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a cumprir um papel que cabe apenas a ele (e que ele vem dizendo que não pretende cumprir): colocar em votação pedidos de impeachment de ministros do STF que extrapolam suas funções e cometem crime de responsabilidade ao praticar ativismo político ou desrespeitar a Constituição.
Dias atrás o senador Eduardo Girão (PODE-CE), que se declara independente, foi à Tribuna pedir uma atitude do presidente do Senado contra os abusos do Judiciário.
“Eu tô falando aqui da ditadura da toga que a gente vive hoje no país. O Brasil já vive um cerceamento da liberdade de expressão, pilar fundamental da democracia.”
Eduardo Girão, senador (PODE-CE), na tribuna do Senado
“Só o Senado, senhor presidente, apenas o Senado Federal tem o poder de frear tais abusos dentro das quatro linhas [da Constituição]”, disse Girão, num claro apelo para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, leve a plenário ao menos um dos 19 pedidos de impeachment contra ministros do STF apresentados apenas este ano.
Sete desses 19 pedidos são contra o ministro Alexandre de Moraes, o que mais ataca a liberdade de expresão desde que se tornou relator do famigerado inquérito das Fake News, aberto por seu colega Dias Toffolli quando ainda era presidente do STF. O pedido mais recente, apresentado na última sexta-feira (20), leva a assinatura do presidente Bolsonaro.
“A sociedade espera que o Senado cumpra seu papel, sua prerrogativa constitucional. Não cabe omissão nesse grave momento de crise institucional que a gente vive. É pela paz, é pelo bem, é pela verdade. E é fundamental, senhor presidente, que a gente possa deliberar. Isso não quer dizer que vá, de maneira nenhuma, chegar ao impeachment. É deliberar sobre esse assunto. Essa é uma demanda legítima da sociedade brasileira: que haja análise desses pedidos de impeachment.”
Eduardo Girão, senador (PODE-CE), na tribuna do Senado
Rodrigo Pacheco e a Democracia
No Twitter, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tentou colocar panos quentes dizendo que “A democracia do país não pode ser questionada da forma como vem sendo”. Não à toa teve muito mais comentários do que curtidas; o dobro, na verdade. E praticamente todos perguntando o óbvio.
Não podemos questionar a democracia? E que democracia é essa em que juízes, ministros de cortes superiores, desrespeitam a Constituição com ordens tiranas, dignas de ditaduras, como avançar sobre outros poderes, mandar prender pessoas sem acusação formal, sem o devido processo legal?
E isso, enquanto criminosos já julgados e condenados estão livres, por ordem do mesmo tribunal, que agora censura e prende como bem entende por um crime que nem existe no Brasil: crime de opinião.
União de conservadores
Se há algo de bom nessa história toda é a união de vozes conservadoras. E o apoio que está surgindo a quem foi censurado. Durante entrevista também ao programa Pingos Nos Is da rádio Jovem Pan, Bárbara, do canal Te Atualizei, um dos alvos do pedido de desmonetização feito pelo TSE ao YouTube, recebeu uma oferta inesperada e muito bem-vinda.
A ex-jogadora de volei, campeã olímpica pelo Brasil, comentarista de política do programa, Ana Paula Henkel, que é casada com um americano e por isso é também cidadã americana, ofereceu seu próprio canal para a influenciadora publicar os vídeos.
A oferta inclui repassar a ela toda a monetização que arrecadar com a visualização dos vídeos, para que ela continue a ter uma fonte de renda e não precise se calar, deixar de fazer as análises que são assistidas por milhões de brasileiros.
No dia seguinte, outra brasileira, também casada com um americano, anunciou que nem tem canal no YouTube, mas está disposta a criar um canal para deixar à disposição de influenciadores digitais censurados que queiram espaço e precisem da monetização dos vídeos.
Vai ser um desafio para a Justiça eleitoral brasileira querer avançar sobre a liberdade de expressão de americanos, residentes nos EUA, país que mais defende as liberdades no mundo, tanto que seu símbolo maior é uma estátua da Liberdade.
E aqui no Brasil influenciadores digitais que ainda não foram calados uniram suas vozes para tentar fazer os gritos por liberdade serem mais fortes e ecoarem longe. Veja um trecho da mensagem deles na edição desta coluna em vídeo.
Manifestação dia 7 de setembro contra censura
No dia 7 de setembro centenas de milhares de brasileiros prometem voltar às ruas, desta vez gritando por liberdade de expressão. É uma manifestação que vem sendo convocada desde que a anterior, em 1 de agosto (pelo voto auditável), foi ignorada pelos deputados federais, mesmo tendo sido gigante em todo o país.
Agora as pessoas prometem levar cartazes apelando para que o senador Rodrigo Pacheco coloque em votação pedidos de impeachment de ministros do STF que andam atacando a liberdade de expressão, impondo a censura, espalhando terror e, além de tudo, inspirando tirania em outro tribunal, o eleitoral.
Não duvido que muitos lembrem de pedir aos senadores e deputados que votem uma proposta de emenda à Constituição para mudar a forma como se afasta um ministro do STF que não cumpre suas funções.
Não dá mais para deixar uma decisão tão importante como esta nas mãos de uma única pessoa, o presidente do Senado. Está claro que o Senado, único com prerrogativa para julgar ministros do STF, jamais fará algo contra ministros que, por sua vez, são os responsáveis por julgar os próprios senadores, quando acusados de crimes. Isso, obviamente, precisa mudar.
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