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Cristina Graeml

Cristina Graeml

"A meta de uma discussão ou debate não deveria ser a vitória, mas o progresso". Joseph Joubert.

Venezuela

“Venezuela não é socialista, aquilo é comunismo”, diz professor que fugiu de Maduro

Polícia nacional da Venezuela durante protestos populares contra o governo de Nicolás Maduro
Polícia nacional da Venezuela durante protestos populares contra o governo de Nicolás Maduro (Foto: )

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"Venezuela é socialista, não é isso que dizem? Mentira. Aquilo é comunismo." A afirmação categórica veio de um venezuelano que me procurou por mensagem direta numa rede social para sugerir que eu escrevesse sobre seu país de origem, de onde fugiu há dois anos.

Propus que me contasse sua própria história e sua visão do que é a Venezuela hoje. Prepare-se, porque esta não é apenas mais uma história de alguém que fugiu da fome e da miséria, como ocorreu com pelo menos 3 milhões de venezuelanos nos últimos anos (10% da população), segundo dados da ONU.

Ex-professor universitário, Pedro Pérez (nome fictício) passou por todas as dificuldades enfrentadas pelos conterrâneos que imigraram para outros países, com a diferença de que saiu às pressas, sem planejar, com a roupa do corpo, alguns trocados que tinha no bolso e os filhos.

Fugiu da polícia e das milícias do ditador Nicolás Maduro, que tentavam prendê-lo depois de roubar seus documentos e atear fogo à casa onde morava com a família.

"Corri para a rodoviária, encontrei meus filhos e pegamos um ônibus para o Brasil", diz Pedro, que deixou para trás toda a sua família e amigos. "Tenho notícias deles apenas através de mensagens de alguns conhecidos. Não posso ligar por medo de ser descoberto. Vivo escondido."

"Queriam que eu batesse em inocentes"

O professor universitário deixou a Venezuela acusado de traição à Pátria, crime com pena prevista de 30 anos de cadeia. Como alguém que ajudava a formar novas gerações poderia ser acusado de traidor?

Além de dar aulas na graduação, Pedro trabalhava como agente penitenciário. Seu crime foi ter desobedecido uma ordem vinda "de cima".

No fim de 2018 o país já estava afundado em recessão e havia muitos protestos contra o governo por falta de comida e remédios. "Maduro determinou que todas as forças de segurança tinham que ir para a rua para reprimir as manifestações. Eu me recusei a ir."

“Queriam que eu batesse nos manifestantes, mas não eram bandidos. As pessoas protestavam por fome, eu não ia fazer isso!"

Ex-professor e agente penitenciário venezuelano foragido no Brasil

Depois disso o professor (e agente penitenciário) teve documentos, dinheiro, cartão do banco, tudo apreendido pela polícia nacional e pelas milícias de apoio ao governo. No mesmo dia policiais atearam fogo na casa em que morava.

"Meu vizinho ligou avisando do incêndio. Nem voltei para casa. Pedi que ele pegasse meus filhos no colégio e levasse para me encontrarem na rodoviária. E fugi. Vim com meus filhos para o Brasil”, conta o venezuelano.

Segundo ele, a violência do governo contra a população começou a partir das penitenciárias. "Eu trabalhava como segurança num presídio e a ministra responsável pelo sistema penitenciário passou a colocar os piores criminosos na rua formando 'coletivos' [nome dado às milícias de apoio a Maduro]."

"Eles eram o chefes dessas equipes de segurança pública", afirma. "Faziam o que queriam. Quem não obedecia, já era. Trancavam a gente numa sala, diziam que iam matar tua mãe, teu pai, teu filho, pegavam nosso carro e exigiam dinheiro para não machucar ninguém. Chamavam isso de vacina."

"Maduro e seus aliados deram muito poder a esses ex-presidiários. Armaram os criminosos para ameaçar todo mundo que fosse contra eles. Mentiam que eram criminosos comuns, mas escolhiam os mais perigosos e davam armas, dinheiro e veículos para eles, tudo para manter a população com medo."

Por recusar-se a fazer parte dessa "força de segurança" Pedro foi acusado de traição à Pátria. Já não tinha mais casa. Se ficasse na Venezuela seria preso e passaria três décadas na cadeia. Preferiu fugir.

A saga brasileira

A escolha do destino de fuga foi meramente geográfica. O Brasil era a fronteira mais próxima. Depois de desembarcar com os filhos em Pacaraima (RR), procurou a Polícia Federal.

Com documentos de identidade para ficar no país, mas completamente sem dinheiro, vendeu o relógio que usava para comprar passagens de ônibus, agora para a capital de Roraima, Boa Vista.

“Ficamos uns dias na rodoviária de Boa Vista e depois caminhamos muito, muito, muito. Num posto de gasolina, conseguimos carona com uma caminhonete até a divisa com o Pará."

"Foram vários outros dias na rua, perto de uma escola. A gente não falava nada de português, não tinha dinheiro, não sabia para onde ir, não conhecia ninguém, foi muito, muito difícil. Mas dali conseguimos mais uma carona até Brasília."

Foram 15 dias na rua até conseguirem um quarto para morar depois de peregrinar por igrejas. "Ouvia de todo mundo que não podiam ajudar, porque não éramos membros da igreja", conta o professor, esclarecendo que o apoio veio de uma senhora que frequentava uma das igrejas. Ela ficou sensibilizada pela história e ofereceu um quarto na própria casa.

"Ficamos quatro meses nessa casa. Esta senhora foi um anjo para nós. Um dia conheci um senhor que nos cedeu passagens até a cidade onde estamos. Disse que teria mais oferta de emprego."

Realmente não demorou muito até Pedro conseguir o primeiro trabalho no Brasil, numa borracharia.

Pandemia, desemprego, retomada e sonhos

A pandemia de coronavírus e os lockdowns que fecharam o país trouxeram de novo a fase de dificuldades para o ex-professor universitário que recomeçava a vida a milhares de quilômetros de casa.

Ele ficou cinco meses desempregado até conseguir o trabalho atual como pedreiro. No período mais difícil, pai e filhos receberam ajuda num projeto social.

Apesar de tanto sofrimento, o homem que se viu obrigado a abandonar o país e dividir a família por força da violência de um governante tirano, é grato à maior parte das pessoas que encontrou no Brasil.

"Enfrentamos preconceito em alguns lugares, mas na cidade onde estamos fomos muito bem recebidos. Meus filhos estão na escola, aprenderam português rápido e se adaptaram muito bem."

"Por enquanto eu só consegui emprego de salário mínimo, porque é muita burocracia para tirar documentos para trabalhar com o que eu sei fazer. Vivemos com muito pouco, mas ao menos consigo pagar aluguel e alimentação para nós."

O professor não conseguiu validar os diplomas venezuelanos para comprovar sua formação, porque isso precisa ser feito pela internet e a página está fora do ar.

"Ainda pretendo validar meu certificado de professor para dar aulas aqui no Brasil, mas por enquanto não consigo. É muito caro e tem muita burocracia."

Venezuela

"Na Venezuela não há mais comida, não tem serviço, transporte, falta água, luz, gás, medicamento, não tem nada. Os hospitais estão em ruínas. Para a Venezuela voltar a ser o que era é preciso haver uma intervenção militar."

"Todos os dias pessoas morrem de fome e de falta de medicamentos.
Adultos e até crianças comem lixo nos caminhões de coleta. É muito triste o que acontece lá. O pessoal dos direitos humanos não faz nada."

"Imagine que o salário venezuelano hoje não dá um dólar [um dólar equivale a dois milhões de bolívares]. O salário mínimo é um milhão e duzentos mil bolívares, mas um quilo de farinha de milho, por exemplo, custa um milhão e meio."

"Se você quer comer um frango, custa vinte milhões de bolívares. Então não dá, simplesmente não dá. Os salários são de um milhão e duzentos mil. Não dá para viver. Imagine!"

Uma última pergunta: o que você diria aos brasileiros que ainda acreditam que a Venezuela é uma democracia e que Nicolás Maduro tem apoio da população?

"Ainda tem muita gente [no Brasil] que acredita que a Venezuela é socialista. Que mentira! É comunismo. Falam de igualdade. Mentira. Os ricos são mais ricos e os pobres, mais pobres."

"E quem falar contra o regime, já era. Perde tudo: casa, carro, dinheiro, tudo, tudo, tudo. Tomaram toda a Venezuela. Eles são donos de tudo."

"Na Venezuela está difícil retomar a democracia. Maduro está no governo sem apoio da população, só que todos os poderes estão nas mãos dele: Assembleia Nacional, Ministério da Justiça e Judiciário, todos os poderes."

"Se ele falar que sim, todos dizem sim. Se ele falar não, todos dizem não. Não há eleições. É mentira, é só fraude.  Ameaçam a população mais pobre dizendo que se não votarem neles ninguém vai ter sequer comida."

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Se você chegou até aqui, leve essa história adiante, compartilhando com mais gente. É preciso espalhar consciência e a verdade dos fatos.

Quem sabe um dia não estaremos compartilhando também a alegria de saber que o povo venezuelano retomou o poder, escolhendo representantes legítimos? E que Pedro conseguiu finalmente um trabalho melhor, com remuneração suficiente para trazer para cá o resto da família, que ficou na Venezuela?

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