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Crônicas de um Estado laico

Crônicas de um Estado laico

33 anos de laicidade colaborativa brasileira

Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na cerimônia de promulgação da Constituição de 1988.
Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, na cerimônia de promulgação da Constituição de 1988. (Foto: Arquivo Agência Brasil)

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O mês de outubro é o mês de celebração do aniversário da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. São mais de três décadas (33 anos) em que o povo brasileiro conseguiu promulgar um dos melhores sistemas de relação entre o poder político e o poder religioso do mundo: a laicidade colaborativa brasileira, fruto de 20 meses de intensos debates, participação popular e um reconhecimento da importância da religião para o Estado constitucional brasileiro.

Segundo informações da Câmara dos Deputados, entre março de 1986 e julho de 1987, período este que antecedeu a promulgação da Constituição, foram distribuídos 5 milhões de formulários nas agências dos Correios e coletadas 72.719 sugestões de brasileiros por todo o país para a nova Constituição.

Formulário distribuído em agências dos Correios para que os brasileiros pudessem enviar sugestões à Assembleia Constituinte. Foto: Câmara dos Deputados

Percebam que diversos segmentos da sociedade puderam registrar seus desejos e anseios sobre a carta política brasileira, o documento que constituí uma nação: a Constituição. Contudo, por qual motivo enfatizar que o povo brasileiro foi um participante ativo nesse processo? A resposta é simples: quando questionados sobre a proteção à crença e todos os seus desdobramentos públicos, tais como manifestações públicas de fé, proselitismo, ensino religioso e principalmente o direito de culto e de organização, ou, ainda, sobre o nome de Deus no preâmbulo constitucional, prontamente podemos mostrar essa prova inequívoca: além de uma confirmação histórica, esses pontos são reflexos da vontade popular, do Brasil profundo.

Vamos explicar melhor: o sistema de apoio informático à constituinte tem todos os formulários salvos em seu banco de dados. Basta digitar qual base histórica deseja pesquisar e adicionar um termo de sua preferência. Colocamos propositadamente o termo “religião”, e encontramos vários registros de sugestões que confirmam o motivo de termos um modelo de laicidade tão interessante quanto o nosso. Apenas a título de exemplo, vejam o que o cidadão João Felicíssimo da Silva, no dia 20 de fevereiro de 1986, falou sobre liberdade de religião em seu formulário:

“Senhores constituintes, Srs. Senadores, Srs. cuja voz ecoa, a minha sugestão, é para, que como brasileiros, saibamos srs. gratos ao Supremo Criados, e, em troca, que a nova Constituinte não fira de modo algum, quer direto ou indiretamente, os princípios pelos quais se tem pautado os nosso compatrícios, quanto à fé Cristã, à liberdade de culto, sem essa de ‘Igreja Oficial’, porque num país democrata, todos tem o direito de adorar a Deus, sem o menor constrangimento.”

Vejam, nessa fala singela que reproduzimos na forma como foi enviada, dois aspectos que estão presentes em nossa Constituição: o reconhecimento histórico da vontade popular sobre a soberania de Deus e a promoção da liberdade religiosa para todos, sem distinção. Como lembramos em nosso mais recente livro lançado, A laicidade colaborativa brasileira: “É a Bíblia, no ocidente, e outros livros sagrados, no oriente, que emprestam os critérios objetivos possibilitadores de uma valoração moral tão importante para qualquer Estado constitucional”.

Essa consciência fazia parte do reclame popular no período que antecedeu a promulgação da Constituição, porque os cidadãos estavam conscientes, em maior ou menor grau, que “aceitar um mundo em que se desconsidere totalmente os valores espirituais, por meio de um planejamento social imposto, é deixar a comunidade política e as relações que a formam ao sabor de uma cultura de máquinas e robôs”, como também afirmamos. Em palavras claras: o povo gostaria de registrar que a Constituição foi promulgada sob a proteção de Deus, e ao mesmo tempo, garantir que todos tivessem o seu direito à liberdade de crença e religiosa garantido, sem obstáculos para a dimensão interna e externa da crença.

Defender todos os aspectos da religião é uma questão de dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é de se comemorar que alguns dos resultados da Constituinte de 1988 tenham sido a proteção à liberdade de crença e de culto, a colaboração entre Igreja e Estado – o principal identificador da laicidade colaborativa –, a assistência religiosa, a garantia do ensino religioso, a imunidade tributária religiosa e a vedação ao embaraço ao sentimento religioso. Esses conteúdos, presentes em vários artigos, são uma expressão da vontade popular e uma demonstração prática do que significa a dignidade da pessoa humana.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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