As relações sociais têm evoluído ao longo do processo de concretização do ideal democrático. Noções de cidadania, dignidade humana e pluralismo político são cada vez mais difundidas – como fundamentos constitucionais que são, a buscar uma maior aderência junto à comunidade política como um todo. Esses conceitos pululam nos debates e transcendem a esfera pública, passeando pela academia, sendo tema de roda de amigos e motivo de inúmeras discussões. A busca pela estabilidade da comunidade política, querendo ou não, passa por tais noções essenciais para construir a base do bem comum.
Outras coisas, porém, seguem sendo fatos sociais desde a história humana conhecida. A religião é, sem dúvida, o mais relevante, já ensinavam Eric Voegelin em Israel e a Revelação e Christopher Dawnson em Dinâmicas das Histórias do Mundo, ou o contemporâneo Charles Taylor em Uma Era Secular. Porém, as relações entre o fenômeno religioso e o mundo das normas jurídicas têm sido negligenciadas no Brasil. Graças a alguns discursos, ditos revolucionários, de que a religião estaria limitada à esfera privada, sendo proibida de ultrapassar as quatro paredes da casas e as da igreja, a amplitude do sentimento religioso virou um tema estranho, até mesmo entre os próprios religiosos, que adaptaram seu exercício religioso em uma perspectiva apenas de foro íntimo, como se não fosse de interesse do bem comum e da dignidade da pessoa humana.
A partir da Constituição de 1988, que trouxe o modelo da laicidade colaborativa como maior avanço nos direitos humanos do Ocidente nos últimos 30 anos, é imperioso que se reconheça a autonomia constitucional do Direito Religioso como ramo que estuda as normas, princípios e conflitos do exercício da fé na arena pública, a extensão das razões de fé para a conduta social e como o Estado deverá se comportar diante de tais situações. A linha do tempo brasileira, quando falamos de liberdade religiosa, confirma que a religião pode, sim, ir além do espaço privado, e mais: ela pode cooperar com o Estado em favor dos objetivos de nossa democracia.
O modelo da laicidade colaborativa é o maior avanço nos direitos humanos do Ocidente nos últimos 30 anos
A melhor resposta para o discurso que idiotiza a religião nas diferentes esferas das relações humanas está na amostragem detalhada e na declaração de profissionais que oferecem suas vidas e perspectivas para provar que o status de liberdade fundamental que a religião tem nada mais é do que um reconhecimento da sua natureza essencial para todos. Nesse sentido, entendemos que “o(s) objeto(s) e divindade(s) de adoração presentes em qualquer credo e fé, por mais que estejam associados a esta ou aquela igreja/instituição, são inerrantes para aqueles que o adoram. O sagrado é o alvo da fé e onde o ser humano deposita sua última e mais cara confiança. A esperança do crente é depositada aos pés do sagrado. Essa confiança e esperança última nascem e encontram ressonância no mais íntimo de cada ser humano, e, como tais, fundem-se com a dignidade. São inseparáveis. Metafísico vai além de qualquer medida humana. Aquele que adora o faz com todo o seu âmago e sem limites”, conforme escrevemos em nosso livro Direito Religioso.
Visando tratar sobre essas questões, o Instituto Brasileiro de Direito e Religião lança o I Congresso Brasileiro de Direito Religioso, evento gratuito, 100% on-line e que fornecerá certificado geral para os participantes. O objetivo é esclarecer que, assim como há ramos do direito voltados para estudar questões civis, penais, tributárias, ambientais, também temos uma matéria voltada para todos os desdobramentos do sentimento religioso e da organização religiosa: desde a defesa de sua importância até a relação entre organização religiosa e Estado.
O presente congresso é realizado em homenagem ao presidente de honra do IBDR, Ives Gandra da Silva Martins, um dos maiores scholars brasileiros na seara jurídica, e que muito tem contribuído para a propagação da autonomia do Direito Religioso. Ele falará sobre “a autonomia do Direito Religioso”, preconizando, no Brasil, a defesa de uma bandeira que una os temas que formam o arcabouço teórico e prático do Direito Religioso. Em seu livro A era das contradições, Gandra Martins faz uma observação interessante, no meio da constatação de uma série de desafios para o novo milênio: “O certo, todavia, é que os filósofos não conseguem responder a questões fundamentais sobre o homem apenas com o uso da razão, e os teólogos, que as respondem, precisam do ‘conhecimento da fé’, que o nosso Leonel Franca denominava ‘a psicologia da fé’. Como Bergson admitia que há um conhecimento pela intuição, há que admitir que a fé pode gerar um conhecimento também consistente”.
Em suma, a religião é importante. Por isso, o IBDR selecionou preletores com capacidade e experiência em diferentes temáticas da área. Ives Gandra da Silva Martins Filho, ministro do TST, falará sobre “As entidades confessionais e o voluntariado”; o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, ficará com a pauta da liberdade religiosa e do Direito Religioso, juntamente com o reverendo Davi Charles Gomes e Thiago Rafael Vieira.
Importantes questões concernentes à rotina da organização religiosa serão tratadas, como “A fundação das organizações religiosas”, tema a cargo de Taís Amorim, “A teologia e o Estatuto Social da Igreja”, com Jean Marques Regina, e a “Imunidade tributária das igrejas”, com Thiago Rafael Vieira.
Outro tema grande valor e que não poderíamos deixar de selecionar são os “aspectos relevantes na prática do Direito Canônico”, assunto que será ministrado por Silvana Neckel, mestranda em Direito Canônico no Instituto Superior de Direito Canônico Santa Catarina, vinculado à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma. Não poderia faltar uma exposição sobre “O papel da OAB e as Comissões de Liberdade Religiosa”, com Samuel Gomes, e questões de nível internacional, como a “liberdade religiosa no Brasil e nos Estados Unidos”, com Fábio Nascimento, diretor na J. Reuben Clarck Law Society Brasil. Augusto Ventura falará sobre “Direito Religioso e missões transculturais” e Gilberto Garcia, sobre “casos práticos de Direito Religioso”.
(Esta coluna contou com a contribuição de Bárbara Alice Barbosa, membro aliada do IBDR.)
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