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A perseguição religiosa no Brasil está a todo vapor. Num dia um vereador é intimado para prestar depoimento em uma delegacia porque publicou um vídeo de apoio ao Colégio Getsêmani, dizendo que “Deus nunca erra” e que “menino é menino e menina é menina” – em Minas, o procurador encarregado do inquérito aberto já até promoveu o seu arquivamento. O caso é grave: inquérito criminal aberto no Rio Grande do Sul, referente a um fato atípico (a ADO 26 está em pleno julgamento; ou seja, não existe ainda o crime de homofobia formalmente) e, de quebra, vinculado a um vídeo que o MP de Minas Gerais considerou não conter discurso de ódio, arquivando o inquérito.
No outro dia, quando parece que o mar está calmo, vem o tsunami denominado Decreto 51.460/2021, do governador de Pernambuco. Entre outras coisas, diz: “Celebrações religiosas com mais de 300 pessoas devem observar os limites de capacidade do ambiente e número máximo de pessoas (...), que também disciplinará a exigência da apresentação dos comprovantes do esquema vacinal completo e/ou dos resultados negativos dos testes para a Covid-19” (artigo 2.º, parágrafo único). E continua: “Em todos os municípios do estado, a realização de celebrações religiosas presenciais, sem aglomeração, em igrejas, templos e demais locais de culto podem ocorrer das 5h à 1h, em qualquer dia da semana” (artigo 2.º).
Estamos vendo uma escalada sensível em medidas à beira de um nível autoritário. Aliás, um tema de pesquisa interessante seria o levantamento estatístico de quantos decretos (normas regulamentadoras de leis, que podem ser editadas pelo Executivo sem passar pelo Legislativo) foram emitidos para tratar assuntos relacionados à pandemia e quantas leis (aquelas que passam pelo Poder Legislativo, natural em qualquer democracia) tiveram o mesmo objeto. Apostamos nossa coleção do Pontes de Miranda que a diferença entre um e outro será assustadora.
Com o número de contágios diminuindo e o Plano Nacional de Imunização em andamento, só se consegue enxergar nesta medida a criação de uma verdadeira barreira sanitária religiosa para todos aqueles que não completaram o esquema vacina
John Locke, coitado, deve estar se revirando no túmulo. Ele, que concordou na transição do homem em estado de natureza para a vida em sociedade, em que a autotutela e a promoção da justiça seriam entregues ao Estado, para que, por meio de leis, essas criadas apenas pelo Poder Legislativo, refletindo a própria vontade daqueles que o criaram, protegesse nossas liberdades e propriedade. Ledo engano.
No nosso caso, parece que o governador de Pernambuco está realmente jogando às claras. Para lembrar, esse é o mesmo governador que mandou fechar igrejas em todo o estado e que até mesmo culto on-line proibiu. Alguém poderia pensar que o número de contágios subiu em Pernambuco nos últimos dias e que existem dados alarmantes; afinal de contas, criar uma barreira religiosa é uma medida drástica, certo?
Errado. Vejam o gráfico abaixo, de uma fonte creditada internacional:
Então, com o número de contágios diminuindo e o Plano Nacional de Imunização em andamento, só se consegue enxergar nesta medida a criação de uma verdadeira barreira sanitária religiosa para todos aqueles que não completaram o esquema vacinal, ou fiquem fazendo testes de Covid para poderem ir aos cultos. Haja cotonete, haja nariz.
Não descuidando da liberdade de consciência e autonomia da vontade, residindo no fato de a pessoa, por convicção íntima, não querer tomar a vacina (nosso conselho é de que a tome), o cidadão pode não ter completado o esquema vacinal porque faltou vacina para a sua faixa etária; ou porque faltou a vacina que lhe foi aplicada na primeira dose; ou, ainda, não pode tomar vacina por motivos médicos.
Mas, para o governador, não importa. Não tomou vacina, não tem culto, salvo se apresentar resultados negativos no PCR. Será que o estado de Pernambuco está oferecendo os testes gratuitamente para a população, inclusive sem apresentar sintomas? Não mesmo: tem de apresentar sintomas para tais testagens grátis. Ou seja, ou se tem dinheiro para pagar um teste ou se fica sem culto, simples assim. A população pobre e que não completou o esquema vacinal que reze em casa.
E a Constituição? Vejamos as afrontas diretas: a liberdade de culto prevista no artigo 5.º, VI, e a liberdade de crença são invioláveis; o artigo 19, I afirma que não pode existir nenhum embaraço aos cultos religiosos; o Decreto 119-A prevê, em seus artigos 1.º e 2.º, que é proibida a emissão de qualquer ato governamental que embarace a fé; por fim, privar os religiosos de seus cultos afronta o artigo 5.º, VIII, que diz textualmente: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa”.
Além disso, ainda há a redução dos horários de cultos. Oras, se a ideia é não ter aglomeração, como se toma uma medida para reduzir os horários possível de cultos? Qual o resultado? Aglomeração.
É lamentável vermos o que está acontecendo no Brasil. Barreira sanitária para os religiosos é a cereja azeda de um bolo estragado. Deus salve nossa nação.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos