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Como escrevemos em Direito Religioso: questões práticas e teóricas, “todas as liberdades são servas da dignidade e trabalham para seu crescimento[i]”, e, dentre as liberdades destacamos, sem dúvida, a religiosa. É por meio da liberdade de crença que o homem tem sua convicção íntima respeitada e preservada dos abusos do outro e, especialmente, do Estado. É por meio da liberdade de expressão de crença e de culto que participamos ativamente das coisas da cidade, quando influenciamos os demais para agir em conjunto em busca do bem comum, sem antes entender que o outro é nosso igual.

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Quando temos a convicção íntima da fé arreigada em nosso coração e nutrida por nossa razão enxergamos no outro um semelhante e, de pronto, percebemos que todos temos o mesmo valor e pertencemos a mesma grande família da humanidade. Este valor que enxergamos no outro é aquele que percebemos primeiramente em nós e podemos chama-lo de Dignidade. Dito de outra forma a religião mostra ao homem que ele tem dignidade, que ele tem valor. É a partir do momento que temos uma compreensão acertada sobre nós e sobre nosso valor, naturalmente nossa mente e ações públicas se voltam para efetivar o conjunto de valores que montam o conceito de bem comum. Durkheim já ensinava que a religião nos ensina a viver e agir em sociedade[ii], lá no século XIX.

É por isto que a partir da liberdade religiosa nascem as outras liberdades. “A liberdade religiosa é a pedra de toque dos direitos fundamentais e dela decorre a liberdade de consciência e de expressão.[iii]” O fato é que cada dia estamos mais cientes dessa verdade e daquilo que a religião oferece à humanidade. Timothy J. Keller, pastor americano e treinador de pastores para ministério em cidades globais, aponta uma importante pesquisa do Pew Research Center[iv], que foi publicada no Washington Post.

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Fonte: The Future of World Religions: Population Growth Projections, 2010-2050[i]

A pesquisa aponta que “a religião como um todo passa por um crescimento constante e vigoroso no mundo.[ii]” Não se tem dúvidas, a religião é uma necessidade básica do homem.

Embora reconheça que nos Estados Unidos e na Europa a porcentagem de pessoas sem vínculo religioso crescerá por determinado tempo, [...] a religião como um todo passa por um crescimento constante e vigoroso no mundo. Cristãos e muçulmanos comporão um percentual crescente da população mundial, ao passo que a proporção secular encolherá[iii].

Muitos intelectuais, que certamente desprezam o fenômeno religioso, surpreenderam-se com a pesquisa, tanto que virou matéria, à época, no Washington Post: “Sociologists jumped the gun when they said the growth of modernization would bring a growth of secularization and unbelief, Goldstone said. “That is not what we’re seeing,” he said. “People want and need religion.[iv]” O senso de transcendência é o que mantém o tecido social vivo, dando-lhe razão para existir e respostas aos homens que o formam: quem eu sou? De onde vim e para onde vou? Ontologicamente[v], é da própria substância do ser humano [“Ens a se existit ideo, quia possibile”][vi], e se estende para todas as áreas de sua vida.

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Os seres humanos parecem ter uma forte inclinação a fazer perguntas, a ir além, e não apenas em frente, buscando um eixo vertical de transcendência à medida que prosseguem ao longo do eixo horizontal da existência. Tanto a busca pela boa vida quanto a procura por significado parecem depender de um reconhecimento de uma dimensão transcendente para a existência. Ideais transcendentais, mesmo que irrealizáveis, têm a capacidade de desempenhar um papel decisivo na vida humana, especialmente na conduta moral, no ativismo religioso e na apreciação estética[vii].

A queda no número de adeptos do secularismo, no período entre 2010-2050 apenas corrobora esta inclinação natural do ser humano. Além dos méritos que a conexão “humanidade e religião” possuem, a religião influencia culturas e leva o homem a se importar com o próximo e, com ele, construir um futuro melhor, na persecução do bem comum.

O professor John Finnis explica: “Certamente, existe um bem comum da humanidade, e o centro desse bem comum é a igual dignidade de todas as pessoas humanas e, consequentemente, os direitos humanos naturais antes de todas as convenções [...]”[viii]. A partir dessa observação, é possível compreender o significado de dignidade da pessoa humana, e como esse fundamento dialoga e inspira a liberdade religiosa.

A ideia de bem comum, segundo Finnis, “consiste no florescimento inclusivo e intrinsecamente desejável dessa comunidade.[ix]” Trata-se de um reconhecimento da necessidade universal de valoração ao ser humano, que anda ao lado do respeito às individualidades: tal fato nos remete a escolha religiosa e a liberdade de expressão, aonde ambos resultam no fornecimento desse pilar, a saber, a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é “[...] o norte da aplicação do Direito em nossa Nação, sendo ele um dos fundamentos do Estado Democrático e da República Brasileira (art. 1º, III, da CRFB/88)[x]”. É a luz que revela a diferença entre seres humanos [ent] e coisas [res], e que corrobora a ideia de que o indivíduo possui o fim em si mesmo, não podendo ser tratado como o meio. No mesmo sentido, é a noção que serve como parâmetro para o exercício de outras liberdades. “[...] todos os princípios constitucionais devem se confrontar com a dignidade da pessoa humana, para, então, conformarem-se com ela.[xi]

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Assim, neste diálogo entre religião e dignidade da pessoa humana, percebemos que a liberdade religiosa é o fermento que faz as demais liberdades e a democracia crescerem.

[i] The future of World Religions: Population Growth Projections, 2010-2050. Pew Research Center. Disponível em: < https://www.pewforum.org/2015/04/02/religious-projections-2010-2050/ > Acesso em 15/04/2020. Às 14h37min.

[ii] KELLER, Timothy. Deus na era secular: como céticos podem encontrar sentido no cristianismo. São Paulo: Edições Vida Nova, 2018. p. 25.

[iii] Ibidem, p. 26.

[iv] “Os sociólogos se precipitaram quando disseram que o crescimento da modernização traria um crescimento de secularização e descrença, disse Goldstone. "Não é isso que estamos vendo", disse ele. "As pessoas querem e precisam de religião." (BAILEY, Sarah Pulliam. The World is Expected to Become More Religious – not less. The Washington Post. April, 24, 2015. Disponivel em: < https://www.washingtonpost.com/news/acts-of-faith/wp/2015/04/24/the-world-is-expected-to-become-more-religious-not-less/ > Acesso em 14/04/2020. Às 19h30min. Tradução Livre.)

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[v] Com efeito, tomado no sentido de um nome, ens significa o que tem uma essência real, precisão feita da existência atual, ou seja, não a excluindo ou a negando, mas afastando-a simplesmente por abstração (praecisive tantum abstrahendo /unicamente ao abstrair precisivamente); ao contrário, enquanto um particípio, ens significa o próprio ser real, que tem a essência real com a existência atual, e, desse modo, significa-o como mais contraído.” (SUÁREZ, Francisco. Metaphysicae Disputationes, disp. II,3,8,p. 43 H. apud  GILSON, Étienne. O Ser e a Essência. São Paulo: Paulus Editora, 2016. p. 209-210). Nesse sentido, o neo-escolástico Étienne Gilson arremata sobre a noção básica de ontologia: “Em suma, o ser é a essência, e a realidade da essência é a sua aptidão para existir.” (GILSON, Étienne. Op., cit., p. 209-210).

[vi] WOLFF, Christian. Theologia naturalis methodo scientifica pertractata. Veronae: I, 34, t.I, p. 16.

[vii] MCGRATH, Alister E. Teologia Natural: Uma nova abordagem. São Paulo: Vida Nova, 2019. p. 49.

[viii] NNIS, John. Natural Law & Natural Rights. Second Edition. New York: Oxford University Press, 2011, p. 458 – Tradução livre.

[ix] Ibidem, p. 459. Tradução livre.

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[x] VIEIRA, Thiago Rafael. REGINA, Jean Marques. Op., cit.,. p. 95.

[xi] Ibidem. p. 95.


[i] VIEIRA, Thiago Rafael; REGINA, Jean Marques. Direito Religioso: questões práticas e teóricas. 3ª Ed, São Paulo: Edições Vida Nova, 2020.

[ii] DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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[iii] VIEIRA, Thiago Rafael. REGINA, Jean Marques. Op., cit.,. p. 101.

[iv] O Pew Research Center é um think thank de fatos apartidários, que informa ao público sobre problemas, atitudes e tendências que moldam o mundo. Realizam pesquisas de opinião pública, pesquisas demográficas e análise de conteúdo, além de outras pesquisas em ciências sociais baseadas em dados. Não assumem posições políticas. Missão: “We generate a foundation of facts that enriches the public dialogue and supports sound decision-making. We are nonprofit, nonpartisan and nonadvocacy. We value independence, objectivity, accuracy, rigor, humility, transparency and innovation.” Veja mais em: < https://www.pewresearch.org/about/ >