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A notícia das últimas semanas é o suposto caso de homofobia que teria sido praticado pelo Colégio Recanto do Espírito Santo, em Itaúna (MG), por meio de publicação de um comunicado em janeiro deste ano. O comunicado foi interno e direcionado apenas aos pais de alunos matriculados na instituição. Tal comunicado orientou os pais acerca do significado dos desenhos impressos no material escolar como cadernos, mochilas e camisetas, disponíveis para aquisição nas livrarias.
O material informativo cita, por exemplo, a imagem de caveira, explicando que se refere à representação da cultura da morte; o rosto de Che Guevara, como símbolo do comunismo; aborda a imagem do arco-íris, destacando que “o arco-íris, que é um símbolo de aliança de Deus com seu povo, foi raptado pela militância LGBT”. E, quanto à figura do unicórnio, orienta o texto: “Também tem sido muito presente no cotidiano infantil a figura do unicórnio. Ele é sempre representado como uma figura doce e encantadora. Sua origem é diversa, mas o perigo é o que ele representa atualmente, pois também é utilizado por personalidades para identificar alguém de gênero não binário, que não se identifica como homem, como mulher, e nem mesmo como um transexual”.
Esse é o cenário; partir dele e de denúncias, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais instaurou inquérito para apurar os fatos e, por entender que o conteúdo do comunicado configura discurso odioso de cunho LGBTfóbico, propôs ação civil pública contra o colégio católico Recanto do Espírito Santo, em abril deste ano, com o intuito de responsabilizar civilmente o colégio pela propagação de discurso preconceituoso e discriminatório contra a comunidade LGBTQIA+, requerendo sua condenação para indenizar a referida comunidade no valor de R$ 500 mil.
O MP deveria prontamente arquivar as denúncias ofertadas em reconhecimento aos fundamentos de nossa República, à laicidade brasileira e às liberdades civis fundamentais, mas não o fez
Em razão da ampla repercussão nacional, muitas vezes induzindo os leitores a crer que o colégio realmente praticou atos homofóbicos e, especialmente, em razão da absurda propositura da ação por parte do MP – que deveria prontamente arquivar as denúncias ofertadas em reconhecimento aos fundamentos de nossa República, à laicidade brasileira e às liberdades civis fundamentais, mas não o fez, pedindo condenação de uma escola que simplesmente agiu de acordo com sua liberdade educacional, religiosa e de crença em um país que ainda é democrático, plural e livre –, o Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) lançou um parecer brilhante, que reproduzimos na íntegra abaixo. O texto é longo, mas vale a pena a leitura atenta de cada linha.
Da importância da religião cristã para a educação
As universidades surgiram durante o renascimento urbano medieval. A fé cristã sempre teve uma íntima relação com o ensino. A primeira universidade no Ocidente foi fundada em Bolonha, no fim do século 11. Tornou-se uma escola amplamente respeitada de Direito Canônico e Civil. Em seguida, formam fundadas a Universidade de Paris, entre 1150 e 1170, bem como a Universidade de Oxford, na Inglaterra, estabelecida no fim do século 12. A Universidade de Paris tornou-se conhecida pelo ensino de Teologia e serviu de modelo para outras universidades do norte da Europa.
A Reforma Protestante também valorizou o ensino. Lutero realizou seus famosos debates nas universidades germânicas. Em uma de suas cartas endereçadas aos príncipes alemães, Lutero solicitou que fossem criadas escolas acessíveis a todos. Ele queria que em todas as comunidades fossem criadas escolas. Felipe Melanchthon, discípulo e sucessor de Lutero, defendeu o direito universal à educação ao requerer que as meninas também tivessem direito a frequentar a escola. João Calvino estabeleceu, na Suíça, a Academia de Genebra, instituição de ensino que influenciou muitas outras ao redor do mundo.
Também ligado ao movimento reformado, Jan Amós Comenius produziu o primeiro tratado sistemático de pedagogia: a Didática Magna. Os cristãos reformados tiveram influência na criação de diversas universidades, como a Universidade de Yale, em 1640; a Universidade de Harvard, em 1643; a Universidade de Princeton, em 1746; e a Universidade Livre de Amsterdã, em 1881. Falar de educação é falar do cristianismo. Sem a fé cristã, qual seria o nível educacional que teríamos hoje? O Brasil, por exemplo, deve o início de seu processo educacional aos jesuítas. Sempre ao considerar a educação, necessário fazer a reflexão de seus pressupostos e antecedentes históricos.
Da confessionalidade do colégio Recanto do Espírito Santo
A legislação brasileira permite a existência de instituições de ensino privadas e comunitárias, podendo ser qualificadas como confessionais, as quais atenderão a orientação confessional, a doutrina e a teologia específica da instituição que representam. Nesse sentido dispõe o artigo 19 da Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional:
“Art. 19. As
instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes
categorias administrativas:
I – públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e
administradas pelo poder público;
II – privadas, assim entendidas as mantidas e
administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
III – comunitárias, na forma da lei.
§ 1.º As instituições de ensino a que se referem os incisos II e III do caput deste artigo podem qualificar-se como confessionais, atendidas a
orientação confessional e a ideologia específica.”
As instituições confessionais, em sua maioria particulares, são mantidas por igrejas e congregações, cujos fundadores estão congregados na mesma fé e pelos valores morais e religiosos, com intuito de agregar esses princípios à educação que oferecem à comunidade. Estas instituições educacionais confessionais prestam serviços na educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.
Falar de educação é falar do cristianismo. Sem a fé cristã, qual seria o nível educacional que teríamos hoje? O Brasil, por exemplo, deve o início de seu processo educacional aos jesuítas
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), no artigo 33, prevê a possibilidade de oferta do ensino religioso também na educação pública, mas de caráter facultativo:
“Art. 33. O ensino religioso, de matrícula
facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas
quaisquer formas de proselitismo.
§ 1.º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição
dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação
e admissão dos professores.
§ 2.º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino
religioso.”
No mesmo sentido dispõe o artigo 11, §1.º, do Decreto 7.107/2010, a concordata entre o governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé:
“Art. 11, §1.º: O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.”
Denota-se dos textos legais que a legislação brasileira permite a existência de instituições educacionais privadas ou comunitárias de ensino confessional, nas quais o ensino será ministrado de acordo com a fé, valores morais e religiosos de seus fundadores, sem qualquer objeção do Estado, pois a vinculação com estas instituições é de livre escolha do cidadão e das famílias que congregam com seus ideais.
Além do ensino religioso nas instituições confessionais, o Brasil permite o ensino religioso nas escolas públicas, até mesmo de forma confessional, como já decidiu o STF na ADI 4439/DF, reconhecendo-o como parte integrante da formação do cidadão, mas com matricula facultativa, em respeito à diversidade cultural religiosa existente no Brasil e ao princípio da liberdade religiosa insculpida na Constituição Federal (artigo 210, § 1.º), conteúdo jurídico essencial da laicidade.
No caso em tela, denota-se que o colégio Recanto do Espírito Santo é uma instituição de ensino confessional cristã, ou seja, sua didática está de acordo com a fé professada por seus fundadores, fundamentada na doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, e, consequentemente, da família dos alunos que frequentam a instituição e congregam da mesma fé, valores e princípios.
A legislação brasileira permite a existência de instituições educacionais privadas ou comunitárias de ensino confessional, nas quais o ensino será ministrado de acordo com a fé, valores morais e religiosos de seus fundadores, sem qualquer objeção do Estado
Neste ponto, é de fundamental importância ressaltar que a educação dos filhos cabe aos pais, que a partir de seus valores e crenças têm a liberdade de escolha da instituição que seus filhos frequentarão. Este direito está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que no artigo 22 dispõe: “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores”, e no parágrafo único estabelece que a educação familiar será exercida “devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas”.
Esse é um direito humano fundamental, reconhecido por documentos internacionais, como a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, que em seu artigo 12, item 4, estabelece:
“Art. 12. [...] 4. Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”
Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26, item 3, também estabelece o direito dos pais de educarem seus filhos conforme suas convicções, nos seguintes termos:
“Artigo 26º. [...] 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.”
Destarte, é evidente o direito dos pais em escolher a instituição de ensino que congrega com os ensinamentos de sua fé e religião, portanto não deve prosperar a tentativa de criminalizar uma escola confessional por orientar e promover ensino que está de acordo com a crença de sua própria confissão. Tratar-se-ia de um contrassenso, também de uma ilegalidade, além de ser oposto ao direito humano de os pais assegurarem educação à sua prole conforme seus próprios valores familiares, e, não menos importante, atuaria em contrariedade à liberdade religiosa da escola, dos pais e alunos.
Da crença cristã acerca da sexualidade, da família e do comunismo
O comunicado interno publicado pelo colégio Recanto do Espírito Santo tem por objetivo esclarecer e direcionar os pais de alunos matriculados na instituição acerca do significado de desenhos impressos no material escolar disponível para compra, a fim de prevenir a doutrinação ideológica dos alunos através de imagens que deturpam os valores cristãos que são a base filosófica da instituição confessional. O texto do comunicado reproduz os valores bíblicos judaico-cristãos sobre a criação do ser humano e demonstra a oposição do cristianismo ao comunismo, claramente demonstrada ao longo da história da humanidade.
Tal ensino é milenar, constitui o conjunto de crenças e valores judaico-cristãos acerca da sexualidade e da família, tendo sido passado de geração em geração por mais de três mil anos pelo povo de Israel, e por mais de dois mil anos pela igreja cristã, tornando-se fundamento da civilização ocidental, e que reflete, até hoje, a crença da maior parcela da população brasileira, majoritariamente cristã.
O fundamento da fé cristã é a Bíblia Sagrada, e seu primeiro livro, o livro de Gênesis, no capítulo 1, versículo 27, ensina: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. E no capítulo 2, versículo 24, afirma: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. Do texto bíblico, que foi ditado por Deus, é retirado o conceito de homem e de mulher; portanto, para os cristãos, só existem dois tipos de ser humano, o homem do sexo masculino e a mulher do sexo feminino. Da mesma forma é o conceito de família para o cristão, que concebe como família a união do homem e da mulher, em obediência à palavra de Deus acima citada, que para o cristão é considerado um direito divino e imutável,como ensinava, inclusive, Tomás de Aquino, um dos maiores intelectuais e filósofos da humanidade.
O Ocidente foi erigido sobre os valores judaico-cristãos, nos quais se encontram a ética sexual e os distintos papéis do homem e da mulher na formação e criação familiar, conforme os versículos supracitados. A influência do cristianismo em nossa nação pode, inclusive, ser encontrada explicitamente na Constituição de 1988, que em seu preâmbulo afirma ser promulgada “sob a proteção de Deus”, e no próprio Pavilhão Nacional, vez que o Cruzeiro do Sul, estampado no orbe azul celeste, forma a Cruz de Cristo. Quanto à questão da homossexualidade, o Catecismo da Igreja Católica, norma normata (norma regulada), base do ensino católico em todo mundo, afirma:
“2357. A
homossexualidade designa as relações entre homens ou mulheres, que experimentam
uma atração sexual exclusiva ou predominante para pessoas do mesmo sexo. Tem-se
revestido de formas muito variadas, através dos séculos e das culturas. A sua gênese
psíquica continua em grande parte por explicar. Apoiando-se na Sagrada
Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou
que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’. São
contrários à lei natural, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma
verdadeira complementaridade afetiva sexual, não podem, em caso algum, ser
aprovados.
2358. Um número considerável de homens e de mulheres apresenta tendências
homossexuais profundamente radicadas. Esta propensão, objetivamente
desordenada, constitui, para a maior parte deles, uma provação. Devem ser
acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á, em relação a eles,
qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar
na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz
do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição.
2359. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes do
autodomínio, educadoras da liberdade interior, e, às vezes, pelo apoio duma
amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem
aproximar-se, gradual e resolutamente, da perfeição cristã.”
Por outro lado, a ética familiar baseada nos valores que fundaram nossa nação também é vista no Código Civil, Livro IV, do Direito de Família, que estabelece como núcleo familiar aquele formado por homem e mulher. Isso está posto de forma clara nos artigos 1.511, 1.514 e 1.723:
“Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
A publicação por uma escola confessional de um comunicado interno afirmando sua crença a partir da fé, virtudes e valores cristãos fundamentados na Bíblia Sagrada, na doutrina e na tradição da Igreja Católica está em consonância com a legislação brasileira
A Igreja Católica manifesta-se contra o comunismo, desde seus primórdios, em inúmeros documentos pontifícios, como na Carta Encíclica Divini Redemptoris, publicada em 1937 pelo Papa Pio XI, que trata sobre o comunismo ateu, e alerta para as consequências do comunismo, nos seguintes termos:
“10.
Além disso, o comunismo
despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida
espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo
o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego.
E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que,
para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos
naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos
à coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o
princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que
proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto
existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte,
deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade
sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão
origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamente o domínio de um
sobre os outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer
direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão
econômica, tem que ser radicalmente destruído.
11. Além disto, como esta doutrina rejeita e repudia todo o caráter sagrado da
vida humana, segue-se por natural consequência que para ela o matrimônio e a
família é apenas uma instituição civil e artificial, fruto de um determinado
sistema econômico: por conseguinte, assim como repudia os contratos
matrimoniais formados por vínculos de natureza jurídico-moral, que não dependam
da vontade dos indivíduos ou da coletividade, assim rejeita a sua indissolúvel
perpetuidade. Em particular, para o comunismo não existe laço
algum da mulher com a família e com o lar. De fato, proclamando o princípio da
emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do
cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção
coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos
filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito que lhes
compete de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da
comunidade, e por conseguinte só em nome e por delegação dela se pode exercer.”
Desse modo, denota-se que o conteúdo do comunicado elaborado pelo colégio confessional Recanto do Espírito Santo está de acordo com a doutrina e fé cristã/católica, na qual fundamenta seu ensino. Nesse sentido, a publicação por uma escola confessional de um comunicado interno afirmando sua crença a partir da fé, virtudes e valores cristãos fundamentados na Bíblia Sagrada, na doutrina e na tradição da Igreja Católica Apostólica Romana está em consonância com a legislação brasileira, que permite a existência de instituições de ensino confessionais, em respeito à liberdade religiosa e ao Estado laico brasileiro.
Do respeito à liberdade religiosa e à laicidade
A liberdade religiosa constitui um direito fundamental autônomo em relação ao princípio da laicidade, positivado na Constituição de 1988, nos artigos 5.º, VI, VI e VIII; 143, § 1.º; e 150, VI, b, entre outros dispositivos. A liberdade religiosa integra a autonomia e as escolhas de uma pessoa quanto à sua profissão de fé, e constitui um conteúdo básico da laicidade, que impõe ao Estado garantir ao cidadão plena liberdade de consciência e crença, protegendo a existência das distintas religiões e a prática de cultos, de modo a prevenir a discriminação e assegurar o pluralismo religioso. Nesse sentido, Alexandre de Moraes ensina:
“A conquista constitucional da liberdade religiosa é verdadeira consagração de maturidade de um povo [...]. O constrangimento à pessoa humana de forma a renunciar sua fé representa o desrespeito à diversidade democrática de ideias, filosofias e a própria diversidade espiritual.” (Direito Constitucional, 12.ª ed., p. 73)
O Brasil vive sob a égide do modelo colaborativo de laicidade. A esfera religiosa coopera com a esfera secular. Isso significa que, quando o poder público tem alguma discrepância com alguma instituição confessional ou organização religiosa, deve buscar resolvê-la de forma pacífica, sem ultrapassar as competências estabelecidas pela Constituição e sem fazer uso de mecanismos que representem o inverso daquilo que é a essência de uma democracia: a liberdade. Como ensinam os professores Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina:
“Do modelo brasileiro de laicidade colaborativa decorre, também, a proteção ao fenômeno religioso, exatamente como no modelo brasileiro, onde a Constituição consagra, garante e protege o livre exercício de cultos religiosos, os locais em que ocorrem [...], a objeção de consciência (art. 5º., VIII e art. 143, §1º).” (Direito Religioso, 3.ª ed., p. 156)
O Estado laico brasileiro, constituído como Estado Democrático de Direito (artigo 1.º da Constituição), assentado num Estado constitucional estabelecido em nome de Deus (Preâmbulo Constitucional) e com fundamento na dignidade da pessoa humana, assegura a liberdade religiosa e reconhece o fenômeno religioso, inclusive ao permitir o ensino religioso em escolas públicas, até mesmo de modo confessional, como ato de reconhecimento da existência do fenômeno religioso e sua transcendência, e de que o homem, como detentor de alma, não prescinde do espiritual, bem como da persecução do mesmo fim do Estado e da religião: o bem comum (Direito Religioso: questões práticas e teóricas, 3.ª ed., p. 154)
Portanto, por meio do ensino confessional ou religioso praticado em escolas particulares ou públicas, o Estado garante o exercício da liberdade religiosa, pois permite a estas instituições exercerem sua atividade fundamentada nos seus valores de fé, moral e princípios. Não cabe ao Estado estimular ou proibir a adoção e manifestação de qualquer crença; ao contrário, o Estado tem o dever de assegurar às instituições confessionais e seus alunos o direito de aderir, exercer e professar individual ou coletivamente suas crenças de acordo com sua convicção religiosa.
Do alegado discurso de ódio
A acusação do Ministério Publico de Minas Gerais de que o comunicado interno emitido pelo colégio, através do qual os pais são orientados acerca do significado de imagens e símbolos, levando em consideração os fundamentos da fé judaico-cristã, configura discurso de ódio é totalmente infundada, frente à proteção conferida pelo sistema jurídico brasileiro ao princípio da liberdade religiosa e a laicidade e das próprias decisões do STF e do STJ acerca da matéria.
Ao que parece, a tentativa de enquadrar este fato como discurso de ódio configura um ato arbitrário, injusto, ilegal, repugnante e de perseguição religiosa beirando a configuração do crime de racismo religioso.
É fato que a globalização e os recursos tecnológicos facilitaram a utilização dos meios de comunicação, especialmente as redes sociais, através das quais são facilmente disseminados discursos descomedidos e intolerantes, seja contra instituições educacionais, religiosos, cristãos, ateus, cidadãos ou personalidades públicas, ferindo, assim, o princípio da dignidade humana ao exceder os limites da liberdade de expressão, direito fundamental garantido pelo Estado Democrático de Direito.
A teoria do hate speech, ou “discurso do ódio”, da intolerância, ganha importância no direito comparado e também no ordenamento jurídico brasileiro. O discurso de ódio é proferido de forma escrita ou verbal, é um tipo de violência com intuito de ofender, agredir, discriminar ou diminuir a vítima a partir de suas características étnicas, raciais, culturais, religiosas e sexuais, entre outras. Ele compõe-se de dois elementos básicos, a discriminação e a externalidade, e produz seus efeitos nocivos na violação dos direitos fundamentais e no ataque à dignidade de seres humanos.
A tentativa de enquadrar este fato como discurso de ódio configura um ato arbitrário, injusto, ilegal, repugnante e de perseguição religiosa beirando a configuração do crime de racismo religioso
O discurso de ódio tem sido entendido como um discurso que promove discriminação baseada na raça, religião, etnia ou nacionalidade (Michel Rosenfeld. “Hate speech in constitutional jurisprudence: a comparative analysis”. Cardozo Law Review. New York: Working Paper Series, n. 41, 2001). Não se trata, contudo, meramente de “palavras que ferem”, pois se assim fosse não seria diferente de simples ofensa. Dessa forma, é possível afirmar que o discurso de ódio é uma das formas, mas não a única, de discurso repugnante.
Winfried Brugger define discurso de ódio como “palavras que tendam a insultar, intimidar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião, ou que têm a capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas”(“Proibição ou proteção do discurso de ódio? Algumas observações sobre o Direito alemão e o americano”. Revista Direito Público, n. 15, Jan-fev-mar 2007).
Para ser caracterizado como discurso de ódio, deve manifestar discriminação, ou seja, desprezo por pessoas que compartilham de alguma característica que as torna componentes de um grupo, e são referidas como inferiores e indignas da mesma cidadania dos emissores da opinião.
Na maioria dos casos há uma dificuldade em identificar o discurso de ódio, vez que o ordenamento jurídico não estabelece em que circunstância determinado discurso está, ou não, abrigado pelo princípio da liberdade de expressão, que é um direito fundamental do homem.
A Constituição Federal consagra, entre os direitos e garantias fundamentais, a liberdade de expressão, de pensamento, de consciência, de crença, de culto, artística, intelectual, científica, consoante prescreve o artigo 5.º, incisos IV, VI, VIII e IX. É necessário estudar a teoria do “hate speech” a partir da análise dos limites do exercício ao direito de liberdade, considerando a liberdade de expressão e a liberdade religiosa, tendo como fundamento o respeito ao princípio da dignidade humana e a manutenção da paz.
No Brasil, a Lei 7.716/89 tipifica no artigo 20 a prática da discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, cuja pena é de reclusão de um a três anos e multa. Ao discurso de ódio, com base nestes critérios, e por incitar a violência contra diferentes grupos, é compreendido por esta lei como crime.
Os tratados internacionais ratificados e incorporados no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, a Lei 7.716/89 e os tribunais apontam parâmetros de classificação e criminalização do discurso de ódio, a fim de impedir estas práticas e tutelar os direitos humanos fundamentais. O desafio está em identificar, nos discursos, quando as manifestações extrapolam os limites da liberdade de expressão e entram na seara do discurso de ódio e discriminação. É evidente que o cidadão, no exercício de sua liberdade de expressão, está sujeito às limitações estabelecidas pela lei, com a finalidade de assegurar o bem comum e a paz social. No entanto, para a caracterização do discurso de ódio é necessária à ponderação de interesses e a construção dos limites de tolerância em razão das peculiaridades do caso concreto, sob pena de serem restringidos direitos assegurados constitucionalmente, como o exercício da liberdade de expressão, da liberdade religiosa e a manifestação do pensamento.
Dessa forma, deve-se ter um cuidado especial na definição, pois não se pode enquadrar nesse conceito cosmovisões ou ideias abstratas, como religiões, ideologias políticas ou crenças pessoais. O mesmo vale para mero insulto, injúria ou provocação a uma pessoa ou grupo, e aqui reside o maior risco, pois o discurso de ódio poderia ser manipulado para incluir manifestações de opinião que são ofensivas aos que estão no poder ou a grupos sociais majoritários, o que restringiria opiniões críticas e a livre e necessária circulação de ideias.
Recentemente os tribunais têm declarado os limites da liberdade de expressão em inúmeros julgados, dentre eles, o HC 379.269/MS, no qual o voto vencedor do ministro Antônio Saldanha, na Terceira Seção do STJ, fala sobre os requisitos cumulativos para que se admita restrição do direito à liberdade de expressão:
“Conforme foi interpretado pela jurisprudência interamericana, o artigo 13.2 da Convenção Americana exige o cumprimento das três seguintes condições básicas para que uma restrição do direito à liberdade de expressão seja admissível: (1) a restrição deve ter sido definida de forma precisa e clara por meio de uma lei formal e material, (2) a restrição deve se orientar à realização de objetivos imperiosos autorizados pela Convenção Americana, e (3) a restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática para o sucesso dos imperiosos fins buscados; estritamente proporcional à finalidade buscada; e idônea para alcançar o imperioso objetivo que procura realizar” (Superior Tribunal de Justiça, HC 0303542 – 37.2016.3.00.0000 MS 2016/0303542-3).
Ao menos nesse momento, o STF vem entendendo que não é toda manifestação ofensiva ou odiosa que constitui discurso de ódio, mas apenas aquelas que incitam à discriminação, hostilidade ou violência
A Primeira Turma do STF, levando em conta o conceito de racismo estabelecido no caso Ellwanger, criou importante precedente sobre a liberdade de expressão religiosa e discurso de ódio, com a seguinte ementa:
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE RACISMO RELIGIOSO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. IMPRESCRITIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL EXPRESSA. LIVRO. PUBLICAÇÃO. PROSELITISMO COMO NÚCLEO ESSENCIAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. Não se reconhece a inépcia da denúncia na hipótese em que a tese acusatória é descrita com nitidez e o acusado pode insurgir-se, com paridade de armas, contra o conteúdo veiculado por meio da respectiva peça acusatória. 2. Nos termos da jurisprudência do STF, ‘a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social’ (HC 82424, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003), de modo que o conceito jurídico associado ao racismo não pode ser delineado a partir de referências raciais ancoradas em compreensões científicas há muito superadas. Assim, a imprescritibilidade de práticas de racismo deve ser aferida segundo as características político-sociais consagradas na Lei 7.716/89, nas quais se inserem condutas exercitadas por razões de ordem religiosa e que se qualificam, em tese, como preconceituosas ou discriminatórias. 3. A liberdade religiosa e a de expressão constituem elementos fundantes da ordem constitucional e devem ser exercidas com observância dos demais direitos e garantias fundamentais, não alcançando, nessa ótica, condutas reveladoras de discriminação. 4. No que toca especificamente à liberdade de expressão religiosa, cumpre reconhecer, nas hipóteses de religiões que se alçam a universais, que o discurso proselitista é da essência de seu integral exercício. De tal modo, a finalidade de alcançar o outro, mediante persuasão, configura comportamento intrínseco a religiões de tal natureza. Para a consecução de tal objetivo, não se revela ilícito, por si só, a comparação entre diversas religiões, inclusive com explicitação de certa hierarquização ou animosidade entre elas. 5. O discurso discriminatório criminoso somente se materializa após ultrapassadas três etapas indispensáveis. Uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos; outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim; uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior. 6. A discriminação não libera consequências jurídicas negativas, especialmente no âmbito penal, na hipótese em que as etapas iniciais de desigualação desembocam na suposta prestação de auxílio ao grupo ou indivíduo que, na percepção do agente, encontrar-se-ia em situação desfavorável. 7. Hipótese concreta em que o paciente, por meio de publicação em livro, incita a comunidade católica a empreender resgate religioso direcionado à salvação de adeptos do espiritismo, em atitude que, a despeito de considerar inferiores os praticantes de fé distinta, o faz sem sinalização de violência, dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais. 8. Conduta que, embora intolerante, pedante e prepotente, se insere no cenário do embate entre religiões e decorrente da liberdade de proselitismo, essencial ao exercício, em sua inteireza, da liberdade de expressão religiosa. Impossibilidade, sob o ângulo da tipicidade conglobante, que conduta autorizada pelo ordenamento jurídico legitime a intervenção do Direito Penal. 9. Ante a atipicidade da conduta, dá-se provimento ao recurso para o fim de determinar o trancamento da ação penal pendente.” (RHC 134682, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 29/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-191 DIVULG 28-08-2017 PUBLIC 29-08-2017).
O precedente garante a liberdade discursiva das religiões, ainda que exercida com críticas severas às demais religiões. O proselitismo configuraria o núcleo essencial do direito de liberdade de expressão religiosa. É natural que na prática do proselitismo ocorram observações desigualadoras em decorrência da hierarquização entre religiões, onde se tenta demonstrar a superioridade das suas próprias crenças. Eventuais atritos decorrentes dessas observações não necessariamente configurariam discriminação.
Não há tipo penal de homofobia no Brasil. Apesar dos vários projetos que tinham objetivo de tipificar tal conduta, o Congresso nunca os aprovou, entendendo os legisladores que este não era um tópico que merecia especificidade legal, haja vista que a nossa Constituição protege todos os cidadãos de qualquer forma de discriminação, bem como na esfera penal já há qualificadora quando o crime é cometido por motivos de discriminação ou por motivos torpes.
O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento da ADO 26, que dizia respeito ao combate à “homofobia” e “transfobia”, estabeleceu alguns parâmetros normativos que conferem maior nitidez à questão:
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Por maioria e nessa extensão, julgou-a procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para:
a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5.º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT;
b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2.º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei 9.868/99;
d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5.º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, seja por considerar-se, nos termos deste voto, que as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais condutas importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, seja, ainda, porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem o grupo vulnerável em questão; e
e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente se aplicarão a partir da data em que se concluir o presente julgamento, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (Presidente), que julgavam parcialmente procedente a ação, e o Ministro Marco Aurélio, que a julgava improcedente.
Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: 1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5.º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2.º, I, “in fine”); 2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; 3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não subscreveu a tese proposta. Não participaram, justificadamente, da fixação da tese, os Ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Plenário, 13.06.2019.”
Quando o cristão se manifesta contra determinadas práticas, não se trata de discriminação contra grupos ou determinados indivíduos, mas a manifestação de sua crença judaico-cristã, fundamentada na Bíblia Sagrada
Verifica-se que o STF seguiu a tendência estabelecida no caso Ellwanger, que equiparou a racismo qualquer discriminação fundamentada em raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, tendo acrescentado, após o julgamento da ADO, os critérios de orientação sexual e identidade de gênero, incluindo práticas homofóbicas ou transfóbicas, nos diversos tipos penais definidos na Lei 7.716/89, pois qualificam-se como espécies do gênero racismo, na dimensão de “racismo social”.
É importante ressaltar que a corte estabelece, no julgamento da ADO 26, um conceito normativo para a definição de discurso de ódio no direito brasileiro, o qual fundamentou-se em elementos do artigo 20 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, positivado em território nacional por meio do Decreto 592/92. Isso significa que, ao menos nesse momento, a suprema corte vem entendendo que não é toda manifestação ofensiva ou odiosa que constitui discurso de ódio, mas apenas aquelas que incitam à discriminação, hostilidade ou violência.
Nesse sentido é evidente que o caso em tela, da publicação de um comunicado interno pelo colégio fundamentado nos princípios e valores cristãos, não configura discurso odioso de cunho LGBTfóbico, como equivocadamente entendeu o Ministério Publico, pois o colégio confessional exerce sua atividade didática e manifesta sua opinião fundamentada nos princípios éticos cristãos inseridos na Bíblia Sagrada, doutrina e tradição católica. A doutrina cristã histórica ensina que existem somente dois tipos de seres humanos, o homem do sexo masculino e a mulher do sexo feminino, sendo considerado família a união do homem e da mulher, a partir do casamento.
Portanto, quando o cristão se manifesta contra determinadas práticas, não se trata de discriminação contra grupos ou determinados indivíduos, mas a manifestação de sua crença judaico-cristã, fundamentada na Bíblia Sagrada, ditada por Deus; portanto, o cristão, por conta disso, não pratica discurso de ódio, homofobia ou crime de racismo, mas apenas manifesta-se a partir do que lhe é aceitável em suas consciências religiosas.
Conclusão
O GECL do IBDR conclui que o colégio Recanto do Espírito Santo, instituição confessional católica, tem o direito de se manifestar institucionalmente acerca dos valores familiares cristãos, posto que é uma escola cristã de ensino confessional.Os pais que ali matriculam seus filhos estão atuando de acordo com seu desejo ou concordância com os valores da instituição. O direito de os filhos serem educados conforme as crenças religiosas da fé católica por meio de um colégio confessional está consagrado no ordenamento jurídico brasileiro. Os valores éticos cristãos de sexualidade e família são também reconhecidos na Constituição e na legislação infraconstitucional. O comunicado veiculado internamente aos pais não configura, em hipótese alguma, discurso odioso de cunho LGBTfóbico, tratando-se de livre exercício da liberdade religiosa.
Qualquer medida contra o colégio Recanto do Espírito Santo configura-se em arbitrária e injusta
O maior líder da cristandade, ao passar por essa terra, nos ensinou: “Dou-vos um novo mandamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. (João 13,34). Para que fique claro que não dizia apenas para os que professassem a mesma fé, visto que o amor deveria ser a base dos que se confessam cristãos, esclareceu: “Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem” (Mateus 5,44); “Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam (...) Pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei bem e emprestai, sem daí esperar nada. E grande será a vossa recompensa e sereis filhos do Altíssimo, porque ele é bom para com os ingratos e maus” (Lucas 6, 27.35).
Diante do exposto, entende-se que qualquer medida contra o colégio Recanto do Espírito Santo configura-se em arbitrária e injusta. Face o princípio constitucional da liberdade religiosa e o direito de não ser discriminado por suas crenças, e tais medidas poderiam beirar o crime de racismo religioso contra a instituição confessional de educação, seus alunos e os pais.
(Elaboraram este parecer o dr. Jorge Baklos Alwan, a dra. Silvana Neckel, o dr. Ezequiel Silveira, a dra. Andressa Bortolin Patto, o prof. Isaías Lobão, o dr. Warton Hertz de Oliveira e o prof. dr. Thiago Rafael Vieira)
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos