O fogo sempre foi realmente simbólico. De vida e de morte, de oferenda e destruição. As Escrituras Sagradas são pródigas em exemplos de como o “queimar” sempre teve este sentido, desde a oferta de Abel, passando pelos patriarcas e chegando ao estabelecimento do culto israelita, que durou até a completa destruição do segundo templo, primeiro em 70 d.C., durante o chamado cerco de Jerusalém, sob o imperador Vespasiano, e, por fim, com a completa destruição da cidade pelo imperador Adriano, em 135. Grande parte de Roma também foi destruída por fogo, em 64 d.C. Conta Tácito que o imperador Nero prontamente colocou a culpa nos cristãos; como os executou? Queimando-os como tochas vivas para iluminar Roma à noite.
Ou seja, tudo se arruinava com fogo. Neste símbolo prático de destruição, a ideia é de que o fogo passa a, ao mesmo tempo, acabar com uma ordem anterior depurando os elementos para que, sobre seus escombros, erga-se o novo tempo, a nova era. Esta ideia de ordem a partir do caos também vem acompanhando as sociedades humanas e seus pensadores, atingindo uma elaboração filosófica bastante profunda em Hegel e sua dialética. Esta filosofia do progresso, depois adotada por Marx para estabelecer sua cosmovisão comunista, sempre viu o equilíbrio de ordem e caos a partir do choque entre posições, o colapso, para que então possa surgir uma síntese perfeita, o “admirável mundo novo”, parafraseando Huxley.
A partir deste tipo de pensamento, a visão progressista vai sempre entendendo a história como uma “marcha inexorável”; a visão cientificista do século 19 tentou extirpar do inconsciente coletivo as noções de “bem” ou “mal”, reduzindo a experiência humana à realidade biológica. Destruir a ordem vai gerar o caos necessário para que uma nova ordem surja. E só com fogo para haver destruição completa. Fogo simbólico, fogo real. Eis o caldo que moldou a imaginação de muitos influenciadores brasileiros que nos legaram o Brasil atual. E por que isso importa?
Vemos o “incêndio de ideias” gerado pelo aparelho de Estado na busca de redefinir marcos antigos e conceitos consagrados. São incêndios de instituições como a família, o casamento, a democracia, a laicidade, a religião.
Importa por causa dos muitos “incêndios” acontecendo há tempos em todo o Ocidente, e aqui no Brasil em particular. Da tentativa de estabelecer o caos, em vez de uma construção política a partir da realidade possível. Pela tentativa ora simbólica, ora real, de destruir para “reconstruir”.
Em um exemplo da visão “progressista” sobre como o fogo real pode ser usado para o “bem”, quando do incêndio criminoso à estátua do bandeirante Borba Gato em São Paulo, o deputado Ivan Valente (PSol-SP) comentou no Twitter: “importante ação simbólica”. Queimar o que remete à ordem atual é “simbólico”. Há poucas semanas temos acompanhado, no Canadá, a queima criminosa de igrejas por descobrirem estarem construídas sobre antigos cemitérios indígenas, como “atos simbólicos” de reparação. E nesta toada vemos um fogo real buscando criar cinzas sobre as quais novas ideias, novos valores, novas realidades são construídos. Eis o produzir caos para criar ordem.
Nesse mesmo compasso, e de maneira muito mais acelerada, vemos o “incêndio de ideias” gerado pelo aparelho de Estado na busca de redefinir marcos antigos e conceitos consagrados em nome de uma nova ordem surgindo pelo caos gerado e destruição do status quo anterior. São incêndios de instituições como a família, o casamento, a democracia, a laicidade, a religião.
Nesta última semana foi o pastor Jorge Linhares, da Igreja Batista do Getsêmani, em Belo Horizonte, alvo de um desses focos de queimada simbólica. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais instaurou um inquérito civil para apurar a conduta do Colégio Batista Getsêmani, ligado à igreja, por um vídeo supostamente homofóbico, veiculado em 2018, em que a mensagem principal é “o meu Deus nunca erra”, e que mostra meninos e meninas se dizendo assim criados por Deus. Um detalhe: o vídeo não foi produzido pelo colégio ou pela igreja. Foi apenas reproduzido a partir da polêmica campanha de apoio à comunidade LGBTQIA+ produzida pelo Burger King no mês passado.
Ou seja, veicular uma posição religiosa, por uma escola confessional, a respeito de um tema absolutamente controverso como é a ideologia de gênero, pensamento estabelecido como dogma, não como realidade cientificamente comprovada, foi o estopim para iniciar um incêndio simbólico na vida do pastor, da escola e da igreja.
Estamos em processo adiantado de queima de valores no Ocidente. Os ataques à liberdade religiosa – mãe das liberdades e termômetro sensível da democracia, solapada por uma situação como a do Colégio Batista Getsêmani e de tantas outras que continuamente denunciamos em nossa coluna – estão mostrando que a temperatura do fogo só aumenta. O Brasil, forjado ao longo de seus mais de 500 anos pelos valores do cristianismo, começa a queimar. Oxalá possamos apagar estas chamas com a fonte de água viva que é Jesus Cristo.
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