Excelentíssimos senhores e senhoras, doutores e doutoras,
As associações, instituições, igrejas e grupos aqui representados: Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR); Grupo de Estudos Constitucionais e Legislativos (GECL) do IBDR; Núcleo de Estudos em Política, Cidadania e Cosmovisão Cristã (NEPC3); Visão Nacional para a Consciência Cristã (Vinacc); Ministério Fiel; Conselho de Pastores do Estado de São Paulo; Igreja da Trindade; Seminário Martin Bucer; Presbitério da Igreja Batista da Palavra; Igreja Presbiteriana Paulistana; Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades (Ialth); Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil; Igreja Vida com Cristo; Igreja Encontro das Águas; Igreja Anglicana no Brasil; Igreja Família 61; Igreja do Nazareno (Distrito Nordeste Central); Conselho de Pastores e Ministros Evangélicos de São José dos Campos (SP); Regenera Church Apostolic Ministry; Convenção Batista Nacional/PE; Igreja Episcopal Carismática; Templo Batista Bíblico de São José dos Campos (SP); Igreja Apostólica Batista Shekinah; Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp/PE); Apostolado Educar Para o Céu; 3.ª Região Administrativa da Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil; Associação de Pastores Evangélicos da Paraíba (Apep); Betel Brasileiro; Igreja Evangélica Assembleia de Deus na Paraíba (IEADPB); Convenção de Ministros da Assembleia de Deus na Paraíba (Comadep); União de Ministros da Assembleia de Deus no Nordeste (Umademe); Ordem dos Ministros Evangélicos da Região Metropolitana de Patos (Omerp); Centro de Estudos Teológicos do Vale do Paraíba (Cetevap); Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos (ABCB); Igreja Batista da Fé; Conselho de Pastores de Guarulhos (SP); Comunidade Cristã de Barretos (SP); Comunidade Cristã de Barretos (SP); Conselho de Pastores de Americana (SP); Conselho de Pastores de Hortolândia (SP); Conselho de Pastores de Vinhedo (SP); Conselho de Pastores de Várzea Paulista (SP); Conselho de Pastores de Votuporanga (SP); e outras entidades abaixo assinadas, simbolizando significativa parcela da população cristã brasileira, vêm, respeitosamente, por meio dos seus líderes e representantes, manifestar perplexidade e preocupação diante das medidas restritivas impostas às atividades religiosas em algumas partes do Brasil, por meio de decretos estaduais que serão a seguir explicitados.
Introdução
Primeiramente, queremos expressar que compreendemos a relevância e a necessidade das medidas adotadas pelos governos estaduais e municipais visando prevenir e combater a disseminação do coronavírus, sobretudo diante do contexto atual de aumento da contaminação e de ocupação de leitos em todo o país.
Neste sentido tem sido a atuação de diversas instituições, inclusive das igrejas e comunidades religiosas das mais variadas vertentes, que em sua esmagadora maioria, desde a decretação do status de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda em meados de março de 2020, não mediram esforços na adoção de medidas sanitárias a fim de coibir a propagação do vírus, tais como: redução na capacidade de ocupação dos templos, disponibilização de álcool 70% nas igrejas, aferição de temperatura das pessoas, exigência do uso de máscaras e as recomendações de restrições aos contatos físicos entre os fiéis. Além disso, nesse contexto, as instituições religiosas vêm desenvolvendo um papel social de suma importância, promovendo medidas assistenciais e espirituais.
Como cristãos, entendemos que devemos obediência às autoridades do Estado, pois “não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Romanos 13,1). Por isso, a nossa disposição é de vir, através da presente carta, expor nosso ponto de vista acerca das medidas impostas, buscando um diálogo com o governo estadual.
Sendo assim, solicitamos,respeitosamente, que Vossas Excelências revejam a posição de alguns governos estaduais e municipais, em relação à vedação da realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo. Um exemplo que ilustra nossa preocupação é o estado de São Paulo em seu Decreto 65.563 de 2021, pelos motivos a seguir explicitados.
Dos aspectos constitucionais e legais
Excelentíssimos ministros, a garantia à liberdade religiosa é um direito natural e está amplamente assegurado nas declarações, normas e tratados de Direitos Humanos, assim como nas Constituições dos países democráticos. A Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo XVIII, diz: “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular”.
A Constituição Republicana de 1988, por sua vez, no tocante à liberdade religiosa estabelece que: “Art. 5.º [...] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A Carta Magna traz, ainda, no tocante à organização político-administrativa do Estado, em seu artigo 19, que “É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Ressalte-se, ainda, que, no estado de São Paulo, o próprio governador já havia reconhecido as atividades religiosas como essenciais, mesmo na fase vermelha, por meio do Decreto 65.541, de 1.º de março de 2021, nos seguintes termos: “Artigo 1.° – Fica acrescentado ao rol de atividades consideradas essenciais, previsto no § 1.º do artigo 2.º do Decreto 64.881, de 22 de março de 2020, o item 7, com a seguinte redação: 7. atividades religiosas de qualquer natureza, obedecidas as determinações sanitárias”.
É bom recordar que recentemente o governador do estado de São Paulo sancionou a Lei Estadual de Liberdade Religiosa, uma das pioneiras no mundo. De autoria da deputada Dra. Damaris Moura,a Lei 17.346/21 regulamenta o princípio constitucional do livre exercício do direito à crença em território paulista. A referida lei estadual, no seu Artigo 14, § 1.º, estabelece que “É vedado ao poder público estadual interferir na realização de cultos ou cerimônias, ou obstaculizar, por qualquer meio, o regular exercício da fé religiosa dentro dos limites fixados na Constituição Federal e em lei”.
A laicidade colaborativa brasileira veda, nos moldes do artigo 19, caput, I, que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios embaracem o funcionamento de cultos e igrejas, quanto mais o fechamento de templos.Tal garantia é possível em razão da neutralidade positiva estatuída no referido dispositivo, regulamentado pelo Decreto 119-A/1890. “A lei regulamentadora é direta e clara: é vedado embaraçar alguma religião ou igreja, bem como cabe a todos, tanto pessoas quanto organizações religiosas, no vigente conceito, o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente!”, afirmam Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina em Direito Religioso: questões práticas e teóricas.
Da importância da religiosidade para a saúde mental
No que diz respeito à relevância da espiritualidade e seu impacto na saúde, segundo o professor de Psiquiatra da UFJF e coordenador da seção de Espiritualidade da Associação Mundial de Psiquiatria, Alexander Moreira-Almeida, “há muitos estudos que investigam o impacto da espiritualidade sobre a saúde. Em linhas gerais, os resultados mostram que quanto maior o nível de envolvimento religioso, menores são os níveis de depressão, índices de suicídio, problemas com álcool e outras drogas, maior qualidade de vida e menor mortalidade geral”.
Eminentes psiquiatras, como Carl Gustav Jung, Victor Frankl e Wilfried Daim, demonstraram científica e clinicamente que o impulso religioso é fundamento legítimo da saúde mental, do incremento da resposta imunológica, base da recuperação de doenças, e, especialmente, do fortalecimento moral para a superação de situações limites, como o exemplo de judeus prisioneiros em campos de concentração que conseguiam não se desesperar e sobreviveram em decorrência de sua fé, o que lhes dava motivo para viver.
Neste sentido, consoante ressaltam os pesquisadores Rose Murakami e Claudinei José Gomes Campos, “existe consenso entre cientistas sociais, filósofos e psicólogos sociais de que a religião é um importante fator de significação e ordenação da vida, sendo fundamental em momentos de maior impacto na vida das pessoas. Os problemas espirituais, afetivos e sociais são demandas importantes na vida de qualquer um, e a principal delas é o problema de saúde, motivo pelo qual as pessoas recorrem ao santuário e aos santos como se estes fossem uma espécie de ‘pronto-socorro’ de atendimento integral. Desse modo, ocorre a busca pelo alívio do sofrimento, por alguma significação ao desespero que se instaura na vida de quem adoece”.
Sendo assim, no momento de pandemia e de crise que estamos vivendo, a espiritualidade torna-se ainda mais essencial para a saúde mental dos cidadãos, sendo as igrejas e templos verdadeiros hospitais da alma.
Da falta de critério objetivo para restringir totalmente as atividades religiosas
Ressaltamos, também, que não compreendemos quais foram os critérios técnicos e científicos utilizados para permitir a abertura, ainda que limitada, de setores como supermercados, hipermercados, açougues, lojas de suplemento, feiras livres, transportes coletivos, construção civil, indústria, call centers, entre outros, e as atividades religiosas saírem prejudicadas com o fechamento total.
Esclarecemos, desde já, que não somos contra a abertura limitada dos segmentos supracitados; muito pelo contrário. Entretanto, queremos expor a incoerência de manter, por exemplo, feiras livres e transportes coletivos funcionando – locais de difícil controle de distanciamento – e fechar totalmente as igrejas e templos de qualquer culto: locais onde se observam a ordem e a decência nas suas liturgias, e que vinham realizando suas reuniões obedecendo as medidas de biossegurança, salvo repudiáveis exceções.
Restringir é muito diferente de proibir. Nenhum tratado internacional, tampouco a Constituição brasileira, mesmo na vigência de estado de sítio ou de defesa, permite a proibição da liberdade religiosa, inclusive a liberdade de culto, uma das dimensões da liberdade religiosa. No entanto, diversos municípios e o estado de São Paulo estão proibindo, em plena semana de Páscoa, ápice do cristianismo em todo o mundo, o culto e a administração do sacramento da Santa Ceia/Eucaristia, razão pela qual, declinamos na presente carta.
Considerações finais
Diante do exposto, reiteramos a solicitação de um posicionamento que garanta, nacionalmente, a preservação da liberdade religiosa e, especialmente, da liberdade de culto, para que não aconteça, por exemplo, o que assolou o estado de Pernambuco, que passou duas semanas sem permissão para atividades religiosas (Decreto 50.433 de 2021). Nem mesmo o fim da vigência de um decreto tem sido o suficiente para fornecer garantias. Já solicitamos ao governador do estado de São Paulo a revisão do Decreto 65.596, de 26 de março de 2021, que estendeu a vigência das medidas emergenciais instituídas pelo Decreto 65.563, de 11 de março de 2021, notadamente no seu artigo 2.º, II, “a”, a fim de que se permita a continuidade dos cultos, missas e quaisquer cerimônias religiosas presenciais, ainda que com uma capacidade de acesso ao público limitada, observando todas as medidas de biossegurança, por serem atividades essenciais, juridicamente protegidas e de grande importância para a saúde mental das pessoas.
Por fim, contando com a compreensão dos senhores ministros e apreço a um direito sagrado para a esmagadora maioria dos cidadãos brasileiros, isto é, o direito de exercer a própria fé e cultuar o seu sagrado, nos colocamos à disposição para um diálogo construtivo acerca do tema e reforçamos nossa responsabilidade cristã de orar “em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranquila e mansa, com toda piedade e respeito” (1 Timóteo 2,2).
São Paulo (SP), 1.º de abril de 2021
Dr. Thiago Rafael Vieira – presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR)
Rev. Dr. Davi Charles Gomes – presidente do Conselho Deliberativo do IBDR
Pr. Euder Faber – presidente da Visão Nacional para a Consciência Cristã (Vinacc)
Pr. Edson Rebustini – presidente do Conselho de Pastores do Estado de São Paulo
Rev. Tiago Santos – Ministério Fiel
Rev. Franklin Ferreira – Seminário Martin Bucer
Pr. Flávio Ezaledo – Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos
Pr. José Carlos de Lima – presidente da IEADPB
Pr. Fausto Benedito Ribeiro Filho – presidente da Apep
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