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O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, durante reunião da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) em Caracas, em abril de 2024.
O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, durante reunião da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba) em Caracas, em abril de 2024.| Foto: Miguel Gutiérrez/EFE

A recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que ordenou a libertação imediata de 11 pastores e missionários religiosos injustamente encarcerados pelo governo da Nicarágua marca um ponto de virada importantíssimo na batalha contra a tirania e a perseguição religiosa desenfreada. Em um momento em que a repressão a grupos religiosos e opositores políticos no país atinge níveis alarmantes, esta decisão surge como um farol de esperança para os que sofrem sob a opressão brutal.

Os 11 líderes religiosos, pertencentes à Puerta de la Montaña, uma filial nicaraguense de um ministério com sede nos Estados Unidos, foram jogados em celas imundas há mais de seis meses, acusados de lavagem de dinheiro – uma acusação absurda e sem fundamento. Esses homens de fé receberam sentenças draconianas que variam de 12 a 15 anos de prisão e foram multados em valores exorbitantes, superiores a US$ 80 milhões cada um. Tudo isso ocorreu sem direito a uma defesa adequada, sem contato com seus familiares, e com os réus submetidos a condições prisionais desumanas. O governo permitiu que os advogados fossem constituídos, mas se recusou a fornecer as acusações e documentos essenciais para a defesa (postura, vale notar, que não parece ser novidade entre nós). Uma violação grotesca dos direitos humanos.

Em uma manobra sorrateira para silenciar essas vozes de fé, o governo nicaraguense revogou arbitrariamente o registro da Puerta de la Montaña, confiscando propriedades e ativos da instituição. Durante um julgamento teatral, repleto de violações flagrantes ao devido processo legal, o governo nicaraguense não apresentou nenhuma prova concreta das supostas atividades ilícitas, mas ainda assim condenou esses homens e mulheres inocentes.

Regimes autoritários utilizam acusações fabricadas e manipulações judiciais para calar vozes dissidentes e manter seu poder absoluto

Esse episódio lamentável, ocorrido pertinho de nós, é um exemplo claro e chocante de como regimes autoritários utilizam acusações fabricadas e manipulações judiciais para calar vozes dissidentes e manter seu poder absoluto. Como destacou Roger Trigg em sua obra Equality, Freedom & Religion, “a religião é sempre um alvo de regimes totalitários, que desejam controlá-la caso não possam destruir sua influência, e era um alvo preferencial do comunismo”. A razão disso, segundo o mencionado professor de Oxford, é que “a religião oferece um sistema alternativo de influência ao do Estado, propondo uma autoridade superior à qual o Estado deveria se submeter. Ela ameaça restringir o poder do Estado, e seus líderes são julgados por padrões que eles próprios não podem controlar”.

A CIDH, reconhecendo o “risco extremo, urgente e irreparável aos direitos dos identificados”, concedeu medidas provisórias exigindo a libertação imediata dos líderes religiosos e ordenando que o governo nicaraguense proteja os direitos à vida, integridade, saúde e alimentação adequada dos acusados. Esta decisão é um sopro de justiça em meio à escuridão da opressão. A decisão da corte visa efetivar os direitos e liberdades assegurados na Convenção Americana de Direitos Humanos, respondendo a diversas medidas cautelares anteriormente ignoradas pelo governo local.

A defesa jurídica desses pastores e líderes religiosos presos injustamente tem sido promovida pela Alliance Defending Freedom International (ADF International), uma importante e destacada organização dedicada à promoção e proteção da liberdade religiosa, da vida, da liberdade de expressão e da família em nível global, e da qual temos a honra de fazer parte como associados aqui no Brasil.

A resposta internacional às contínuas perseguições políticas e religiosas na Nicarágua tem sido intensa. A decisão da CIDH reflete as violações destacadas por organismos internacionais, como o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a relatora especial da ONU sobre a situação dos defensores de direitos humanos e a própria Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A perseguição religiosa na Nicarágua não é um fenômeno isolado. O caso do bispo Rolando Álvarez, condenado a 26 anos de prisão por pregar contra as violações de direitos humanos cometidas pelo governo, é um exemplo claro do nível de repressão enfrentado por aqueles que ousam levantar suas vozes contra a tirania.

A decisão da CIDH é uma centelha de esperança para os bem-aventurados que enfrentam perseguições por causa de sua fé. No entanto, a batalha pela liberdade religiosa está longe de terminar. Para compreender mais profundamente essa realidade aterradora, recomendamos o documentário Nicarágua: Liberdade Exilada, produzido pela Brasil Paralelo. Além disso, convidamos o leitor a participar do curso “Liberdade e Perseguição Religiosa”, disponível no Núcleo de Formação da BP, onde um dos responsáveis por esta coluna, Thiago Vieira, explora detalhadamente esses temas urgentes e cruciais para a defesa dos direitos humanos e da liberdade religiosa na América Latina.

Como professores, escritores e defensores da liberdade religiosa e da liberdade de expressão na academia e junto à opinião pública, consideramos esta decisão um marco importante na proteção dos direitos humanos na América Latina. Que ela sirva como um lembrete de que a justiça pode prevalecer, mesmo nas circunstâncias mais adversas.

André Fagundes, que assina este texto junto com os colunistas, é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, e professor da pós-graduação em Direito Religioso da UniEvangélica/IBDR.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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