Nova lei afasta a possibilidade de vínculo empregatício entre líderes religiosos, como padres e pastores, e as igrejas ou comunidades às quais eles pertencem.| Foto: Darius Lebok/Pixabay
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O assunto mais falado da semana é a proibição de vínculo empregatício entre ministros religiosos e suas respectivas organizações religiosas. Com o advento da Lei 14.647, sancionada pelo presidente Lula e publicada no Diário Oficial em 4 de agosto de 2023, foram inseridos dois parágrafos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foi o suficiente para o pânico generalizado. De um lado, laicistas e inimigos da religiosidade humana uivaram ao luar impropérios do tipo “igreja só é beneficiada pela bancada evangélica, agora não quer cumprir suas obrigações sociais”; de outro, muitos pastores se desesperam pensando que, “se a lei foi sancionada por Lula, boa coisa não pode ser”! Vamos organizar as melancias na carroça!

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A Lei 14.647/23 inseriu os seguintes parágrafos ao artigo 442 da CLT:

“§ 2.º Não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas de qualquer denominação ou natureza ou instituições de ensino vocacional e ministros de confissão religiosa, membros de instituto de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa, ou quaisquer outros que a eles se equiparem, ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade ou instituição a que estejam vinculados ou estejam em formação ou treinamento.
§ 3.º O disposto no § 2.º não se aplica em caso de desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.”

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Um bispo, padre, pastor ou qualquer líder religioso não possui um chefe ou, se o possui, esse chefe é a divindade

Novidade no mundo jurídico? Não mesmo! Vejam o que diz o artigo 16 do Tratado Brasil-Santa Sé, ratificado pelo Decreto 7.107/2010:

“I – O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II – As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.” 

Ou seja, praticamente o mesmo texto da tal nova lei; como o Brasil é um Estado laico colaborativo (pelo artigo 19, I da Constituição), o dispositivo do acordo com a Santa Sé se aplica às demais organizações religiosas e este sempre foi o entendimento unânime da doutrina e jurisprudência brasileiras. Há décadas a Justiça do Trabalho tem julgado pela inexistência de vínculo trabalhista entre o ministro religioso e sua respectiva organização religiosa, salvo casos pontuais de equívoco do julgado ou de desvio de finalidade, conforme apontado pelo acordo e, agora, pelo § 3.º da nova lei.

O fato é que um bispo, padre, pastor ou qualquer líder religioso não possui um chefe ou, se o possui, esse chefe é a divindade. Embora seja natural existir uma hierarquia nas denominações religiosas, tal hierarquia tem natureza espiritual e decorre da revelação do sagrado ao ser humano. Por exemplo, no caso da Igreja Católica, tem sua decorrência a partir da exegese de Mateus 16,13-19 e 1 Timóteo 3 e, quanto à estrutura, na obra Hierarquia Celeste, de Dionísio Pseudo-Aeropagita. Além de não ter chefe, o ministro religioso também não tem habitualidade em suas funções, sendo ministro 100% de seu tempo. Assim, os requisitos do artigo 3.º da CLT para ocorrência do vínculo – habitualidade, remuneração e subordinação hierárquica – não se efetivam.

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Não se trata de nenhuma “benesse” para descumprimento de obrigações sociais, como dizem aqueles que odeiam a fé; é apenas uma constatação racional óbvia da inexistência de uma relação contratual de índole trabalhista. Por outro lado, também não é nenhuma pegadinha presidencial; Lula apenas sancionou uma lei oriunda do Congresso, de autoria dos deputados Vinícius Carvalho e Roberto Alves, de São Paulo. Então, para que serve tal lei?

Serve porque alguns juízes, geralmente aqueles que “torcem o nariz” para o fenômeno religioso, ainda declaravam vínculos empregatícios em tal relação como se Deus participasse do processo como réu (sonho de muitos); talvez, agora, eles julguem segundo a lei. Ela também servirá de filtro para que advogados gananciosos que abarrotam o Judiciário com causas sem sentido deixem de litigar, pois, além da doutrina e jurisprudência, também terão a lei como empecilho. Por fim, tem um caráter educativo, influenciando (assim esperamos) igrejas Brasil afora para que arrumem suas situações, pois, muitas vezes mal assessoradas, contratam seus líderes de forma descabida via CLT.

Para aqueles que tentam matar Deus ou colocá-Lo no banco dos réus a cada notícia ou medida que envolva a religião, fica a dica: Deus já foi réu, mesmo sem nunca ter cometido qualquer erro, falha ou pecado; morreu por isso, mas ressuscitou, venceu a morte, humilhou seus acusadores e, em breve, voltará! Não se esqueçam disso!

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]