Diz a lenda que, certa vez, Adolf Hitler resolveu dar uma aula prática a seus subordinados mais diretos a respeito de como manter o povo cativo a eles. Talvez você já conheça a história. Ele pegou firmemente o animal com uma das mãos e começou a depená-lo – vivo – com a outra. No desespero da dor, a galinha tenta escapar das mãos do Führer, que não permite. Vagarosa e dolorosamente, ele lhe arranca todas as penas. E depois, avisa aos “alunos”: “vejam o que vai acontecer”.
Ao soltar o galináceo no chão, afasta-se a certa distância. Pega, então, um punhado de grãos de trigo, e passa a caminhar pela sala e atirar os grãos ao chão. Para assombro dos liderados, a pobre, depenada e machucada galinha começa a seguir Hitler pela sala, tentando agarrar grãos para bicar. Por onde ele fosse, ali estava a galinha o seguindo.
Ele para e diz, em alto e bom tom: “é assim que se governa cidadãos estúpidos. Viram como a galinha me seguiu para onde eu fosse, apesar de todo o sofrimento que lhe causei? Eu lhe tirei tudo, as penas e até sua dignidade, mas ela segue me buscando só pelos farelos que lhe atiro”. E arremata a lição dizendo que “a maioria das pessoas tende a seguir seus governantes, apesar de toda a dor que lhes causam, pelo simples gesto de um benefício barato, ou até mesmo por migalhas que lhes deem a esperança de comer por um ou dois dias. Deem algumas migalhas todos os dias e o povo seguirá vocês até o inferno”.
As violações ao Estado laico, à liberdade religiosa e até mesmo à liberdade de crença, aquela liberdade mais íntima do ser humano, estão crescendo exponencialmente no Brasil
Hitler (assim como Stalin, Saddam Hussein, Muammar Gaddafi, Idi Amin e outros) mostra que o povo está normalmente anestesiado em suas próprias lutas e tende a não buscar a tão necessária contenção do poder absoluto, dominação sempre residente em corações totalitários. O meu e o seu. Não é sem razão que Lord Acton, político inglês do início do século 20, ficou famoso pela frase “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Pois há poucos dias, o prefeito de Sapucaia (RJ), na maior das “boas vontades,” resolveu editar um decreto impondo que o tal passaporte sanitário fosse de apresentação obrigatória para fiéis que quisessem entrar em templos religiosos para promover seus atos de culto e adoração. Alguns podem até pensar que essa decisão está em linha com a tal “defesa da vida” que, nesta politização da pandemia, virou a bengala retórica de muitos gestores públicos. Mas a discussão aqui é mais profunda.
Há muito se fala que o Estado laico no Brasil está consolidado. Autoridades públicas não interferem em assuntos (e jurisdição) religiosa, e vice-versa. Porém, como vimos e temos noticiado amplamente por aqui, o ditado “na prática, a teoria é outra” se aplica bem. Temos visto cenas de absoluto desrespeito por agentes políticos nas três esferas federativas (na esfera nacional, infelizmente, por parte do guardião-mor da ordem constitucional). Mesmo com as igrejas sendo absolutas colaboradoras do poder público na gestão da crise, com várias delas fechando suas portas e adaptando o atendimento de seus fiéis para canais digitais, na primeira oportunidade de “arrancar penas” muitos mandatários não hesitaram. Por isso, estamos – enquanto podemos – gritando para alertar.
A busca é sempre pelo “melhor para o povo”. Os grandes tiranos da história recente também diziam saber o que era bom para os seus. Começaram a depenar as liberdades individuais; para controlar as coletivas foi um pulo. O documentário da Netflix Como se tornar um tirano traz exemplos esdrúxulos de governos totalitários que estão fazendo “o bem”: o aiatolá Khomeini revogou a lei de divórcio do Irã e reduziu a idade do casamento para 7 anos; os nazistas criaram políticas antitabagistas só porque o chefe não gostava de cigarros; ou, ainda, o ditador do Turcomenistão, Saparmurat Niyazov, proibiu shows com playback em 2006 e vetou cachorros na capital por causa de seu odor desagradável.
Tudo isto mostra que, quando a autoridade não mais é guardiã e executora da lei, mas se acha a fonte da lei, temos um sério problema no contexto do Estado Democrático de Direito que dizemos ter. No caso fluminense, a pressão foi forte o suficiente para que o prefeito recuasse em sua busca de fazer um decreto (norma jurídica de quarta grandeza) esmagar direitos fundamentais milenares e desequilibrar ainda mais a balança do relacionamento amistoso entre Igreja (poder religioso) e Estado (poder político).
As violações ao Estado laico, à liberdade religiosa e até mesmo à liberdade de crença, aquela liberdade mais íntima do ser humano, estão crescendo exponencialmente no Brasil. Além da recente questão do passaporte da vacina, em que o prefeito voltou atrás, a mais recente (da qual tivemos conhecimento nesta sexta-feira) é a do registrador de São José dos Campos (SP) que simplesmente passou por cima de um dogma de 2 mil anos das igrejas cristãs – o de que o matrimônio é um sacramento que só pode ser realizado entre um homem e uma mulher, biologicamente falando – e negou o registro de um Estatuto Social, alegando que a proibição do dito “casamento gay” é discriminatória e que os fiéis e a referida igreja têm de rever suas crenças e alterar o referido dogma milenar caso tenham a intenção de ser Igreja em São José dos Campos. Este será o assunto do próximo texto de nossa coluna.
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