O show de fakenews no Brasil já virou uma turnê sem dia para acabar, sobretudo quando é para ressignificar nosso Estado Laico, violar a liberdade religiosa dos brasileiros e, sobretudo, criticar igrejas e seus líderes. A última turnê é a isenção do imposto de renda dos pastores, concedida por Bolsonaro e revogada agora pelo Lula. É uma mentira mais deslavada do que a outra.
O “causo” começou com a publicação do Ato Declaratório Executivo da Receita Federal RFB nº 1, de 15 de janeiro de 2024, relacionado à contribuição à seguridade social por parte das organizações religiosas que suspendeu a eficácia do Ato Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022. Vamos tentar colocar ordem nessa treta, para demonstrar o que aconteceu de verdade!
Pois bem, o Ato Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022, que foi suspenso pelo Ato Declaratório Executivo da Receita Federal RFB nº 1, de 15 de janeiro de 2024, tratava da isenção fiscal da contribuição à seguridade social para Organizações Religiosas, conhecida como "quota patronal". O que não tem nada a ver com a contribuição individual obrigatória dos ministros de confissão religiosa, a tal "quota segurada" e, muito menos com isenção de imposto de renda! Ambas, os líderes religiosos sempre tiveram e continuam tendo que pagar, como qualquer um (art. 12, V, “c” da Lei 8212/91 e art. 8, VIII da IN/RFB 2110/2022). Inclusive, a alíquota da quota segurado que o líder religioso é obrigado a pagar é de 20% do valor por ele declarado ou 11% do salário contribuição (Art. 37, §4º da IN/RFB 2110/2022 e art. 21, §2º, I da Lei 8.212/91). Reitero, a situação toda envolve à contribuição à seguridade social que toda fonte pagadora deve pagar, quando remunera um empregado, trabalhador avulso, autônomo, contribuinte individual, administrador etc.
E a tal isenção fiscal? Sim, ela existe, mas não como estão noticiando por aí. Vamos lá: O governo FHC (nada a ver com Bolsonaro), no ano de 2000, sancionou a Lei 10.170/2000 que incluiu o parágrafo 13º ao art. 22 da Lei 8.212/1991, concedendo isenção da "quota patronal" para entidades religiosas e instituições de ensino vocacional.
Resumindo, o que é gasto com ministros de confissão religiosa não conta como remuneração direta ou indireta para fins de tributação da organização religiosa
O ministro religioso, seja padre, pastor, rabino, babalorixá, apóstolo, não importa a nomenclatura, continua tendo que recolher a quota segurado, pois é contribuinte individual obrigatório do sistema da seguridade social, como expliquei acima.
Depois de uma década e meia, devido a sanha arrecadatória da Receita Federal que praticamente ignorou a isenção fiscal referida, o governo Dilma (olha aí, nada a ver com o Bolsonaro de novo gente!) sancionou a Lei 13.137, em 2015, adicionando o parágrafo 14º pra explicar o 13º, especialmente em dois pontos, por meio de dois incisos.
O primeiro inciso demonstra que os critérios orientadores dos valores despendidos pelas entidades religiosas aos ministros de confissão religiosa não são taxativos, mas sim exemplificativos. Enquanto no segundo inciso afirma que "os valores despendidos, mesmo que pagos de maneira e quantia diferenciadas, em dinheiro ou a título de ajuda de custo de moradia, transporte, formação educacional, vinculados exclusivamente à atividade religiosa, não configuram remuneração direta ou indireta".
Então tá tudo bem explicadinho na lei, mas... Mas o fisco nunca tá satisfeito e continuava arrumando um jeito de tributar as organizações religiosas, especialmente aquelas que têm muitos ministros religiosos, com funções diferentes e, por óbvio, prebendas também diferentes. Por mais que o texto da lei diga textualmente que “mesmo que pagos de maneira e quantia diferenciadas” a entidades religiosas continuavam isentas, o pessoal do leão continuava cobrando. Em razão disso, aí sim no Governo Bolsonaro, foi publicado no âmbito da Receita Federal, isto é, com eficácia apenas no âmbito da Receita, visto que não é lei, o Ato Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022, que veio pra reforçar o que a Lei 13.137/2015 já dizia.
Vamos dissecar o bicho, quer dizer, a tal ADI. O art. 1º da ADI e o §13º, art. 22 da Lei 8.212/91, são os mesmos. Nada, nenhuma vírgula mudou aqui. O seu parágrafo 1º apenas reafirma o que está estabelecido no inciso II, parágrafo 14º, artigo 22: declara que é admissível a existência de diferenciação - sem que isso configure o conceito de remuneração - no tocante ao montante e à forma dos valores destinados aos ministros. Além disso, o parágrafo apresenta exemplos de critérios para essa diferenciação, em consonância com o disposto no inciso I, parágrafo 14º, artigo 22. Tais critérios compreendem, entre outros, a antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio. Salienta-se, art. 22, parágrafo 14º, inciso I afirma textualmente: “os critérios informadores dos valores despendidos (...) não são taxativos e sim exemplificativos”. Isto é, tudo como dantes no quartel de Abrantes.
No §2º e no art. 2º, a ADI suspensa pelo Governo Lula está voltada para a tributação, especificamente para a não incidência da isenção, sem introduzir inovações, apenas esclarecendo aspectos relacionados ao instituto criado e previsto por lei nos §§ 13º e 14º da Lei 8.212/91. O §2º reafirma que a remuneração vinculada e dependente à natureza e à quantidade do trabalho, será considerada remuneração para fins previdenciários, resultando na devida incidência da quota patronal. Essa mesma disposição encontra-se no art. 41, II, da Instrução Normativa 2110/2022 da Receita Federal, que, curiosamente, não foi objeto de suspensão (se é pra cobrar nada de suspender!). Por sua vez, o art. 2º apenas esclarece que a ADI 1/2022 não impede ou veda que entidades religiosas ou instituições de ensino vocacionais contratem seus ministros religiosos via CLT, mas se assim o fizerem, deverão recolher a quota patronal.
Assim, é bom frisar que os esclarecimentos do Ato Interpretativo, que está suspenso, não são ilegais e estão na mesma sintonia da Lei 8.212, de 1991, sem inventar novas regras ou isenções. Além disso, vale dizer que a Instrução Normativa 2110/2022, da Receita Federal, no seu art. 34, XXV, vai na mesma linha, deixando claro que o valor gasto por entidade religiosa ou instituição de ensino vocacional com ministro de confissão religiosa não entra na base de cálculo das contribuições sociais previdenciárias quota patronal. Em nossa obra “Direito Religioso: questões práticas e teóricas, 4ª Edição, ps. 456-8), lecionamos sobre a isenção fiscal e a ADI, agora suspensa:
“Essa norma afasta qualquer entendimento arbitrário ou discricionário por parte do órgão arrecadador: os valores despendidos a título de verba indenizatória aos ministros de confissão religiosa, que fazem, por si, mudar a remuneração dos religiosos em função de natureza ou quantidade de trabalho, não integram a base de cálculo previdenciária, mantendo a regra de isenção da organização religiosa . Eximindo qualquer dúvida, segue a intrução normativa de nº 2110/2022, da Receita Federal do Brasil.
[...]
Em 29 de julho de 2022, a Receita Federal do Brasil publicou o Ato Declaratório Interpretativo de nº 1, publicado em 01 de agosto no Diário Oficial da União, dispondo sobre os valores despendidos com ministros de confissão religiosa, com os membros de vida consagrada, de congregação ou de ordem religiosa [...]
O mais importante desse documento é rearfirmar a ampla liberdade conforme o princípio de autocompreensão da organização religiosa, de sistematizar o seu funcionamento”.
Então, resta claro que:
- Ministros religiosos não possuem e nunca possuíram isenção de imposto de renda;
- Ministros religiosos são contribuintes individuais obrigatórios à seguridade social – quota segurado;
- Foi o Governo FHC, em 2000, que criou a isenção da quota patronal às organizações religiosas que incidia sobre a prebenda dos ministros religiosos;
- Foi o Governo Dilma que incluiu na lei dispositivos interpretativos, visto que a Receita continuava cobrando o pessoal;
- O Governo Bolsonaro não criou isenção nenhuma, apenas trouxe elucidações dentro no âmbito da Receita, pois, sabe como é, a Receita não quer saber de nada, quer é cobrar;
- O Governo Lula, coleguinha do Governo Dilma, suspendeu a ADI que deixava mais claro a lei sancionada pela colega Dilma, sem dar nenhuma explicação;
- Tudo que foi dito aqui se aplica a qualquer religião e não só a pastores e padres, como a maioria da respeitada mídia brasileira insiste em tratar o caso.
Assim, suspender a eficácia do Ato Interpretativo RFB nº 1, de 29 de julho de 2022, pode trazer prejuízos irreparáveis e precisa ser revertido.
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